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Channel: Masterclass: Época de Ouro do Cinema Americano (1930-1960)
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SESSÃO 27: 14 DE ABRIL DE 2014

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 SERENATA À CHUVA (1952)
Não se trata de um clássico do musical americano, mas de “o” clássico, ou se preferirem, o clássico dos clássicos, o filme que é o mais prodigioso exercício sobre o espectáculo, o cinema, o teatro, a música, a alegria de viver, o amor, a liberdade, a criação artística... Bem se pode dizer que este é, indiscutivelmente, um dos momentos de eleição de toda a história do cinema, um daqueles títulos que quase todos os cinéfilos citam entre os que gostariam de levar consigo, se partissem para uma ilha deserta, e ali quisessem recordar o fascínio da sétima arte.
“Singing’in the Rain” tem a ideia brilhante de partir de uma época de profunda transformação na história do cinema: o final da década de 20. O filme começa em pleno período do cinema mudo e os anos de ouro do “star system”. Assistimos a uma gala no Grauman's Chinese Theatre, um dos mais prestigiados cinemas de Hollywood. Don Lockwood e Lina Lamont, que se aprestam para assistir à estreia da sua última produção, “The Royal Rascal”, uma romântica versão de um filme de capa e espada, igual a dezenas de outros (“Quem viu um, viu todos”, brincam no filme), são o par de actores que vivem da adoração dos fãs, e que as revistas da especialidade afirmam apaixonados. Mas Don Lockwood não partilha essa opinião e apaixona-se, sim, por uma jovem corista, Kathy Selden, que encontra ocasionalmente e surpreende saindo de dentro de um enorme bolo de aniversário...
Don Lockwood consegue um emprego para Kathy Selden no estúdio onde se encontra a rodar “The Duelling Cavalier”, um filme ainda mudo que a estrondosa estreia de “O Cantor de Jazz” irá entretanto transformar rapidamente em filme sonoro. É assim que o fracassado “The Duelling Cavalier” irá passar a musical, com o título “The Dancing Cavalier”. Os estúdios estão atentos ao êxito e não querem perder a novidade. Mas algumas das grandes vedetas do mudo não se conseguem adaptar ao sonoro - as suas vozes de cana rachada não o permitem. É o caso de Lina Lamont, que será dobrada por Kathy Selden...
“Serenata à Chuva” é uma excelente aula de cinema, explicando por A mais B como se transformou a indústria com o aparecimento do som. Os actores tiveram que aprender a falar, a cantar, os estúdios tiveram que se insonorizar, os realizadores deixaram de poder gritar no “plateau”, durante as filmagens, como antes faziam, as máquinas conquistaram carapaças metálicas para impedir que o ruído das engrenagens a rodar se sobrepusesse à voz dos actores. A gravação do som directo colocou imensos problemas, e tudo isso aparece em “Singin’in the Rain” de uma forma admiravelmente mostrada, com um humor e uma ironia notáveis, e uma total maestria de exposição.
“Serenata à Chuva” é um caso raro na história do cinema musical norte-americano, dado que é um dos raros filmes que parte de um argumento original, e não de uma adaptação de um musical de teatro. A ideia inicial era parodiar um filme de Jean Hardow, mas acabaria por resultar uma obra totalmente inédita, entroncando a sua acção no período de transição do cinema mudo para o sonoro. Há, no entanto, quem veja no “The Duelling Cavalier” a inspiração de “Excess Baggage”, uma obra de James Cruze, rodada em 1928, com William Haines e Josephine Dunn. 
Situando a sua acção em 1927, glosando como já vimos a passagem do cinema mudo para o sonoro, o argumento foi sugerido por uma popular canção que dá o nome ao filme, “Singin' in the Rain”, que tinha sido escrita originariamente por Arthur Freed (poema) e Nacio Herb Brown (música) para o filme da MGM, “Hollywood Revue of 1929” (1929). A escolha da situação cronológica da acção do filme ficou a dever-se ao facto de tanto Arthur Freed, como o compositor Nacio Herb Brown terem escrito a maior parte das suas canções entre as décadas de 20 e 30. Com excepção de duas canções, todas as restantes foram repescadas de outros filmes anteriores, realizados muito antes de Arthur Freed ser produtor. Pensa-se que o esquema do argumento tenha sido inspirado em “Once in a Lifetime” (1932), que por sua vez adaptava uma hilariante comédia teatral de Moss Hart e George S. Kaufman, passada precisamente nessa época de pânico em que o cinema ganharia som próprio. 
Veja-se a lista de reaproveitamento de canções: “Singin' in the Rain”, como vimos já aparecera em “Singin' in the Rain Hollywood Revue of 1929” (1929), “Fit as a Fiddle” (canção original desta obra), “All I Do is Dream” vem de “You Sadie McKee” (1934), “Make 'Em Laugh” é muito parecida com "Be a Clown" de “The Pirate” (1948), “I've Got a Feelin' You're Foolin'” de “Broadway Melody of 1936” (1935), “The Wedding of the Painted Doll” de “The Broadway Melody” (1929), “Should I?” de  “Lord Byron of Broadway” (1930), “Beautiful Girl” de  “Going Hollywood” (1933), “You Were Meant for Me” de “The Broadway Melody” (1929) e de “Hollywood Revue of 1929” (1929), “Moses Supposes (a segunda canção original desta obra), “Good Morning” de “Babes in Arms” (1939),  “Would You?” de “ San Francisco” (1936), “Broadway Rhythm” de “Broadway Melody of 1936” (1935) e de “Babes in Arms” (1939) e “You Are My Lucky Star”, igualmente de “ Broadway Melody of 1936” (1935) e de “Babes in Arms” (1939).
Estreado em 1952, “Serenata à Chuva” conseguiu reunir alguns dos nomes mais prestigiados do cinema dessa década. Para lá do produtor Arthur Freed, que aqui assina também a partitura musical, ao lado de Nacio Herb Brown, e que era o homem forte da MGM, e um dos inspirados cultores do filme musical (entre 1930 e 1960 produziu mais de quarenta musicais dos melhores de sempre!), “Singin’in the Rain” estabelece ainda uma preciosa listagem de talentos, com Stanley Donen e Gene Kelly na realização e o último também na coreografia, Adolph Green e Betty Comden na escrita do argumento, que parte da canção que dá o nome ao filme, Cedric Giggons na direcção artística e cenários, e Harold Rosson na direcção de fotografia que conta com um voluptuoso e vibrante Technicolor. O vestido verde de Cyd Charisse recorta-se para sempre na memória de quem viu este poema musical, dançado com vertigem e nervo. Que o diga toda a sequência final de Broadway Melody Ballet.
A rodagem de “Serenata à Chuva” durou entre 18 de Junho e 21 de Novembro de 1951, e o orçamento subiu até mais de 2 milhões e meio de dólares, logrando no entanto uma receita que rondou os 8 milhões de dólares. Há uma curiosidade interessante a revelar sobre esta obra. Como a voz de Debbie Reynolds não foi considerada boa para as canções, estas aparecem dobradas pela voz de Betty Royce. Mas mesmo os diálogos de Debbie Reynolds foram dobrados. Imagina-se por quem? Por Jean Hagen, a actriz que no filme faz o papel de Lina Lamont, que é dobrada por Kathy Selden, papel interpretado por Debbie Reynolds. Ou seja: Jean Hagen fala por si mesma através de uma interposta actriz. As imposturas do cinema, ou, quem sabe?, as razões da sua verdadeira magia.
Absolutamente imprescindível a visão (e a revisão) deste momento de felicidade total. Se há filmes míticos, este é um deles. 99 minutos de pura felicidade que contrariam qualquer neura e restabelecem a saúde mental em qualquer depressivo. Este musical que toda a gente coloca – ou poderia colocar na sua lista dos 10 melhores filmes de sempre – aborda o mundo do espectáculo visto por dentro, desde os bastidores da Broadway e de Hollywood, mas é mais do que isso. A transição do cinema mudo para o sonoro, com todos os problemas que a mudança pressupôs, é aqui testemunhada por alguns momentos de inenarrável comicidade e espírito crítico.
Não foi uma obra dispendiosa, custou 2.5 milhões de dólares, mas teve uma recepção de público e crítica muito indiferente (em todo o mundo fez 7.7 milhões de dólares durante o período de estreia, o que se poderia considerar um resultado fraco, na altura). Quanto a prémios, disputou apenas duas estatuetas da Academia, melhor actriz secundária (Jean Hagen), e melhor partitura musical (Lennie Hayton), não ganhando nenhuma. A melhor partitura musical do ano iria para Alfred Newman, em “With a Song in My Heart”.

SERENATA À CHUVA
Título original: Singin' in the Rain
Realização: Stanley Donen, Gene Kelly (EUA, 1952); Argumento: Betty Comden, Adolph Green; Música: Roger Edens (canção "Moses"); Al Hoffman (canção "Fit as a Fiddle"), Nacio Herb Brown (ballet "Broadway Melody Ballet"), Nacio Herb Brown   (canções "All I Do is Dream of You", "Good Morning", "You Were Meant for Me", tango "Temptation", Al Goodhart (canção "Fit as a Fiddle"); Fotografia (cor): Harold Rosson; Montagem: Adrienne Fazan; Direcção  Artística: Randall Duell, Cedric Gibbons; Decoração: Jacques Mapes, Edwin B. Willis; Guarda-roupa: Walter Plunkett; Coreografia: Stanley Donen, Gene Kelly; Maquilhagem: Sydney Guilaroff, William Tuttle, Martha Acker, Ben Lane, Dorothy Ponedel; Direcção de produção: William C. Strohm; Som: Douglas Shearer; Efeitos especiais: Warren Newcombe, Irving G. Ries; Efeitos visuais: Mark Davis; Produção: Arthur Freed, Roger Edens; Intérpretes: Gene Kelly (Don Lockwood), Donald O'Connor (Cosmo Brown), Debbie Reynolds (Kathy Selden), Jean Hagen (Lina Lamont), Millard Mitchell (R.F. Simpson), Cyd Charisse (Bailarina), Douglas Fowley (Roscoe Dexter), Rita Moreno (Zelda Zanders), William Schallert, Dawn Addams, Margaret Bert, Madge Blake, Bill Chatham, Mae Clarke, Harry Cody, Jeanne Coyne, Fred Datig Jr., Robert Dayo, Patricia Denise, John Dodsworth, King Donovan, Richard Emory, Charles Evans, Tommy Farrell, Ernie Flatt, Bess Flowers, Dan Foster, Kathleen Freeman, Lance Fuller, Jack George, Stuart Holmes, Don Hulbert, David Kasday, Mike Lally, Judy Landon, Joi Lansing, Diki Lerner, William Lester, Bill Lewin, Sylvia Lewis, Joan Maloney, Paul Maxey, Johnny McGovern, Carl Milletaire, Dorothy Patrick, 'Snub' Pollard, Shirley Jean Rickert, Dennis Ross, Russell Saunders, David Sharpe, Elaine Stewart, Julius Tannen, Harry Tenbrook, Jimmy Thompson, Bobby Watson, Robert Williams, Wilson Wood, etc. Duração: 103 min; Distribuição em Portugal: Warner; Classificação etária: M/ 6 anos.

STANLEY DONEN 
(1924 - ?)
Nasceu a 13 de Abril de 1924, em Columbia, Carolina do Sul, EUA.
Filho de Mordecai Moses Donen e Helen Cohen, judeus. Mas Stanley rapidamente se tornou ateu, frequentando a Universidade da Carolina do Sul. Desde muito novo recebeu aulas de dança, estreando-se como bailarino, aos 17 anos, já em Nova Iorque, na Broadway, na produção original de "Pal Joey", de Rodgers e Hart, protagonizada por Gene Kelly. Amigo do produtor Arthur Freed e do actor Gene Kelly, logrou dirigir alguns dos mais inovadores e importantes filmes musicais da década de 50, como “Um Dia em Nova Iorque”, “Serenata à Chuva”, “O Melhor é Casar”, “Sete Noivas para Sete Irmãos”, “Bem no Meu Coração”, “Dançando nas Nuvens” ou “Cinderela em Paris”. “Serenata à Chuva” ocupa a primeira posição na lista dos 25 Melhores Musicais Americanos de sempre, instituída pelo American Film Institute (AFI). Entre os 100 Melhores Filmes Americanos de todos os tempos, está na 5ª posição, na lista divulgada em 2007 pelo AFI.
Casado com Jeanne Coyne (1948-1949), Marion Marshall (1952-1959), Adelle Beatty (1960-1971), Yvette Mimieux (1972-1985) e Pamela Braden (1990-1994).
Foi-lhe atribuído um “Irving G. Thalberg Memorial Award” (Oscar honorifico), em 1998, pela sua contribuição para a História do Cinema.

Filmografia:
Como realizador
1949: On the Town (Um Dia em Nova Iorque) co-realizado com Gene Kelly
1951: Royal Wedding (Casamento Real) 
1952: Love Is Better Than Ever (O Melhor é Casar)         
1952: Singin' in the Rain (Serenata à Chuva) co-realizado com Gene Kelly
1952: Fearless Fagan
1953: Give a Girl a Break (Casanova Júnior)
1954: Seven Brides for Seven Brothers (Sete Noivas para Sete Irmãos)
1954: Deep in My Heart (Bem no Meu Coração)              
1955: It's Always Fair Weather (Dançando nas Nuvens) co-realizado com Gene Kelly
1955: Kismet (Um Estranho no Paraíso) (colaboração não creditada)
1957: Funny Face (Cinderela em Paris)  
1957: The Pajama Game (Negócio de Pijamas) co-realizado com George Abbott
1957: Kiss Them for Me (Quatro Dias de Loucura)          
1958: Indiscreet (Indiscreto)      
1958: Damn Yankees! (Brincadeiras do Diabo) co-realizado com George Abbott,
1960: Once More, With Feeling (Arrebatamento)
1960: Surprise Package (A Vida é uma Surpresa)
1960: The Grass Is Greener (Ele, Ela e o Marido)           
1963: Charade (Charada)
1966: Arabesque (Arabesco)
1967: Two for the Road (Caminho para Dois)
1967: Bedazzled
1969: Staircase
1974: The Little Prince (O Pequeno Príncipe)     
1975: Lucky Lady (Uma Mulher dos Diabos)        
1978: Movie Movie (Fitas Loucas)
1980: Saturn 3 (Saturno 3, o Robot Assassino)
1984: Blame It on Rio (Romance no Rio)
1986: Modelo e Detective (série de TV) episódio “Big Man on Mulberry Street” (número musical somente)
1999: Love Letters (telefilme)
2003: The Lionel Richie Collection (vídeo documental) ("Dancing on the Ceiling")

GENE KELLY (1912–1996)
Eugene Curran Kelly, mais conhecido por Gene Kelly, nasceu a 23 de Agosto de 1912, em Pittsburgh, Pensilvânia, EUA. Faleceu a 2 de Fevereiro de 1996, com 83 anos, em Beverly Hills, Los Angeles, Califórnia, EUA. Casado com Betsy Blair (1941 - 1957), Jeanne Coyne (1960 - 1973) e Patricia Ward         (1990 - 1996). O pai, colaborador de Al Jolson, acompanhava-o nas suas tournées. Gene Kelly Formou-se em Economia pela Universidade de Pittsburgh.
Juntamente com Fred Astaire, Gene Kelly foi um dos expoentes do musical norte-americano, tendo sido bailarino, actor, coreógrafo, realizador de dezenas de filmes, peças de teatro, programas de televisão. Mas, ao contrário de Astaire, o seu ritmo era acrobático e frenético, mas de uma elegância e subtileza invulgares. Muitas das suas obras, como “Serenata à Chuva” e “Um Americano em Paris”, em particular, figuram entre os clássicos indiscutíveis do musical no cinema. Mas outras obras, como “For me and My Gal”, “Cover Girl”, “Anchors Aweigh”, “Ziegfeld Follies”, “The Pirate”, “Take Me Out to the Ball Game”, “On the Town”, “Brigadoon”, “It's Always Fair Weather”, “Invitation to the Dance”, “Les Girls” ou “Hello, Dolly!”, merecem destacado lugar num género que, durante décadas foi dos mais populares nas plateias mundiais.
No teatro apareceu em “Leave It to Me” (1938), “One for the Money” (1939), “The Time of Your Life” (1939 e 1940) ou “Pal Joey” (1940), que lhe serviu de cartão de visita para ingressar em Hollywood, na MGM, onde Arthur Freed desempenhava importantes papel como produtor na modernização do musical. Foi ao lado de Judy Garland que, em 1942, se estreou em “For me and My Gal”. Em 1951, recebe um Oscar de reconhecimento pela sua carreira dedicada ao cinema e ao espectáculo.

Filmografia:
Como actor
1942: For me and My Gal (O Prémio do Teu Amor), de Busby Berkeley
1943: Du Barry Was a Lady (Du Barry Era uma Senhora), de Roy Del Ruth
1943: Thousands Cheer (A Festa dos Ídolos), deGeorge Sidney
1943: Pilot n°5, deGeorge Sidney
1943: The Cross of Lorraine (A Cruz de Lorena), de Tay Garnett
1944: Christmas Holiday (Luz na Alma), de Robert Siodmak
1944: Cover Girl (Modelos), de Charles Vidor
1945: Anchors Aweigh (Paixão de Marinheiro), de George Sidney
1946: Ziegfeld Follies (As Mil Apoteoses de Ziegfeld), de Vincente Minnelli
1947: Living in a Big Way, deGregory La Cava
1948: The Three Musketeers (Os Três Mosqueteiros) de George Sidney
1948: The Pirate (O Pirata dos Meus Sonhos) de Vincente Minnelli
1948: Words and Music (Os Reis do Espectáculo), de Norman Taurog
1949: Take Me Out to the Ball Game (A Linda Ditadora), de de Busby Berkeley
1949: On the Town (Um Dia em Nova Iorque), de Stanley Donen e Gene Kelly
1950: The Black Hand (A Mão Negra), de Richard Thorpe
1950: Summer Stock (Festa no Campo), de Charles Walters
1951: An American in Paris (Um Americano em Paris), de Vincente Minnelli
1951: Schlitz Playhouse 
1952: Singin' in the Rain (Serenata à Chuva), de Stanley Donen e Gene Kelly
1952: It's a Big Country, de Clarence Brown, Don Hartman, John Sturges, Richard Thorpe, Charles Vidor, Don Weis e William A. Wellman                 
1952: The Devil Makes Three (O Homem, a Mulher e o Diabo), de Andrew Marton
1953: The Magic Lamp (curta-megratem) Voz de Sinbad
1954: Brigadoon (A Lenda dos Beijos Perdidos) de Vincente Minnelli
1954: Seagulls Over Sorrento ou Crest of Wave (O Rebentar da Onda), de John Boulting e Roy Boulting
1955: Deep in My Heart (Bem no Meu Coração), de Stanley Donen
1955: It's Always Fair Weather (Dançando nas Nuvens), de Stanley Donen e Gene Kelly
1955: MGM Parade
1956: Invitation to the Dance (Convite à Dança), de Gene Kelly
1957: Les Girls (As Girls) de George Cukor
1957: The Happy Road (Todos a Paris), de Gene Kelly
1957: Schlitz Playhouse of Stars (série de TV) episódio “The Life You Save” 
1958: The Tunnel of Love (O Túnel do Amor), de Gene Kelly
1958: Marjorie Morningstar (Fúria de Amar), de Irvin Rapper
1958: Something for the Girls (???)
1959: The Gene Kelly Show (TV)
1960: Let's Make Love (Vamo-nos Amar), de George Cukor
1960: Inherit the Wind (O Vento sera a tua Herança), de Stanley Kramer
1962: Gigot (gigot, o Vagabundo de Montparnasse), de Gene Kelly
1962-1963 Going My Way (série de TV) 30 episódios
1962: The Tonight Show Starring Johnny Carson (TV)
1964: What a Way to go! (Ela e os seus Maridos), de J. Lee Thompson
1967: Les Demoiselles de Rochefort (As Donzelas de Rochefort), de Jacques Demy
1967: A Guide of the Married Man (Guia para um Homem Volúvel), de Gene Kelly
1967: Jack and the Beanstalk (teledramático)
1969: Hello, Dolly! (Hello, Dolly!), de Gene Kelly
1970: The Cheyenne Social Club (Um Clube só para Cavalheiros), de Gene Kelly
1971: The Funny Side (série de TV)
1972: Great Performances (TV)
1973: Forty Carats (Idade Perigosa), de Milton Katselas
1973: Magnavox Presents Frank Sinatra (TV)
1974: That's Entertainement (Isto é Espectáculo!), de Jack Haley Jr
1976: America Salutes Richard Rodgers: The Sound of His Music (teledramático) Apresentador
1976: The Dorothy Hamill Special, de Dwight Hemion (teledramático)
1976: That's Entertainement Part II (Hollywood, Hollywood)
1976: The Muppet Show (TV)    
1976: It's Showtime (TV)           
1978: Gene Kelly: An American in Pasadena (TV)
1977: Viva Knievel (Viva Knievel!), de Gordon Douglas
1979: The Mary Tyler Moore Hour (série de TV)
1980: Xanadu (Xanadu), de Robert Greenwald
1980: Olivia Newton-John: Hollywood Nights (TV)
1981: Reporters, de Raymond Depardon
1984: O Barco do Amor (série de TV)
1985: North and South (mini-série de TV) 6 episódios
1985: That's Dancing (A Dança é Isto), de Jack Haley Jr
1986: Sins (mini-série de TV)
1986: Precious Images (TV)
1989: Somebody or The Rise and Fall of Philosophy (TV)
1992: MGM: When the Lion Roars (TV)
1994: That's Entertainement Part III, de Bud Friedgen e Michael J. Sheridan
1994: Friends (TV)       
1998: The Object of My Affection (TV)
2001: On the Edge (TV)
2005: Dancing with the Stars (TV)          
2006: Parashat Ha-Shavua (TV)
2006: Por Toda Minha Vida (TV)
2007: Tony Bennett: The Music Never Ends (TV)
2008: Hollywood Singing and Dancing: A Musical Treasure (TV)
2010: Wishful Drinking   (TV)
2010: Moguls & Movie Stars: A History of Hollywood (TV)
           
Como realizador:
1949: On the Town (Um Dia em Nova Iorque) co-realizado com Stanley Donen
1952: Singin' in the Rain (Serenata à Chuva) co-realizado com Stanley Donen
1955: It's Always Fair Weather (Dançando nas Nuvens) co-realizado com Stanley Donen
1956: Invitation to the Dance (Convite à Dança)
1957: The Happy Road (Todos a Paris)
1958: The Tunnel of Love (O Túnel do Amor)
1962: Gigot (Gigot, o Vagabundo de Montparnasse)
1964: American in Paris (TV)
1967: Jack and the Beanstalk (TV)
1967: A Guide of the Married Man (Guia para um Homem Volúvel)
1969: Hello, Dolly! (Hello, Dolly!)
1970: The Cheyenne Social Club (Um Clube só para Cavalheiros)
1976: That's Entertainment, Part II (Hollywood, Hollywood) novas sequências

"Serenata à Chuva" no teatro 


SESSÃO 28 (dupla): 21 DE ABRIL DE 2014

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 O COMBOIO APITOU TRÊS VEZES (1952)
“High Noon”é um filme magnífico, um western particularmente inspirado, mas é mais do que tudo isso. É uma obra que se vê hoje em dia com uma determinada intenção, mas que terá de se enquadrar no seu tempo histórico para se perceber na sua integralidade.
Comecemos pelo mais simples. Que nunca será muito simples, pois na década de 50 do século XX o western perdera já a simplicidade maniqueísta dos conflitos a branco e preto dos filmes de cowboys de outrora e deixara-se contaminar por uma complexidade que fora importar à sociologia, à psicanálise, à história, aos movimentos políticos e respectivas ideologias, etc. Pelo western passava o mundo, e o mundo por essa altura, nesse convulsivo pós-guerra, era um frenético caos de ideias e propostas muito diversificadas, contraditórias mesmo.
Mas, olhando “O Comboio Apitou Três Vezes” com olhos limpos de quaisquer outros significados temporais e locais, vendo-o na sua abstração, o que vemos?
Esta é a história de Will Kane (Gary Cooper), xerife de Hadleyville, que se acaba de casar com Amy (Grace Kelly), uma “quaker” adepta do pacifismo, preparando-se ambos para deixarem a cidade, um dia antes da chegada do futuro xerife que virá substituir Kane. Mas, mal acaba a cerimónia, corre a notícia de que Frank Miller, um assassino que o actual xerife prendera e enviara para a prisão, fora absolvido, e se prepara para regressar a Hadleuville, chegando no comboio do meio-dia. Na estação, três bandoleiros já o aguardam e todos percebem qual o propósito desta visita: Miller regressa para se vingar de Will Kane, que, por isso mesmo, é aconselhado a partir da cidade o mais rapidamente possível, dado que falta apenas uma hora e vinte minutos para o comboio anunciar a sua paragem na estação, apitando três vezes. 
Kane e Amy seguem as indicações dos seus concidadãos, aprestam-se a partir para longe, mas mal saem dos limites da cidade, Kane percebe que se está a comportar como um cobarde e resolve regressar e enfrentar a ameaça. Afinal ele ajudou a tornar Hadleyville uma terra pacífica e ordeira, onde se pode viver sem medo, e não quer fugir deixando tudo como dantes. Amy não aprova a decisão, pretende seguir viagem sozinha no comboio e para tanto irá esperar pelo meio-dia no hall do hotel local.
Will Kane, entretanto, começa a organizar a resistência, chama os seus delegados, procura distribuir armas, mas descobre-se afinal sozinho nos seus propósitos. Ninguém o irá acompanhar, não terá nenhum apoio a seu lado, senão um velho estropiado a cair de bêbado e um miúdo mais destemido. Toda a restante cidade ou se associa estrategicamente à chegada do proscrito Miller ou se encolhe com medo diante desse perigo eminente. Um ou outro mais temerário é chamado à razão rapidamente. O juiz que condenara Miller emala os trapinhos e muda de ares cautelosamente. A cidade fica tolhida pelo pânico de enfrentar o gang que se apresta a recuperar o controle da situação nas suas ruas desertas. Decidido, Kane irá enfrentar os inimigos apenas com as armas de que dispõe. Quando a comunidade se aterroriza e acobarda, alguém tem de manter a dignidade, mesmo que tal se assemelhe a um suicídio. Escreve o seu testamento e sai para as ruas quando ouve os três apitos que assinalam a chegada do comboio. Este é um apelo a haver “alguém que resista” contra a brutalidade institucionalizada. Contra o terror imposto. Contra os fora-da-lei que conquistam o poder.
Narrado em tempo real (o filme dura os 85 minutos, os mesmos que dura a acção), “High Noon” é exemplar neste aspecto, conseguindo manter o equilíbrio entre o “tempo” da situação e o suspense que a mesma provoca, jogando com acções paralelas que se vão desenrolando em simultâneo, ora na estação, ora no hotel, no gabinete do xerife, no “saloon”, na igreja, nas ruas, um pouco por todo o lado. Alguns relógios vão pautando a escrita, criando a ansiedade e mantendo-a a um bom nível. A descrição das diferentes personagens é magnífica, servidas todas elas por actores brilhantes, mesmo nos mais pequenos papéis. Desde os vilões aos cidadãos amedrontados, do casal protagonista à proprietária do hotel, ex-paixão de Kane, Helen Ramírez (Katy Jurado), todos conseguem imprimir uma personalidade sólida a cada figura. Lloyd Bridges (Harvey Pell), Ian MacDonald (Frank Miller), Thomas Mitchell (Jonas Henderson), Otto Kruger (juiz Percy Mettrick), Lon Chaney Jr (Martin Howe), Harry Morgan (Sam Fuller), Morgan Farley (padre Mahin), Harry Shannon (Cooper), Lee Van Cleef (Jack Colby), Robert J. Wilke (Pierce) ou Sheb Wooley (Ben Miller) estão neste caso.
Para a criação deste clima obsessivo e inquietante, que quase cruza o western com o policial, muito contribuíram ainda a fabulosa fotografia a preto e branco de Floyd Crosby, a partitura musical de Dimitri Tiomkin, que criou um tema inolvidável e que acompanha como “leit motiv” todo o desenrolar da acção, e a montagem de Elmo Williams. 
Percebe-se, pois, a intenção primordial de Fred Zinnemann e dos seus argumentistas, Carl Foreman e Stanley Kramer, este igualmente produtor. Uma comunidade não pode estar à mercê de bandoleiros que controlam pela força o poder, alguém tem de intervir, e nem sempre o pacifismo é a melhor das atitudes. Sobretudo o acomodar a este tipo de situações não é de todo em todo aconselhável.
Mas se esta leitura é a mais corrente entre espectadores que desconhecem o contexto em que a obra foi criada, outra, bem mais intrincada, surge quando se integra a obra no seu tempo histórico e no país de origem. Nos EUA, desde finais dos anos 40 até quase final da década seguinte, a Comissão das Actividades Anti-Americanas perseguia todos quantos assumiam ideologias que se aproximassem do comunismo ou do socialismo. Era a vaga de fundo do anti-New Deal, o programa de recuperação económica e social instituído pelo presidente Roosevelt. Atacando em todas as frentes da sociedade norte-americana, o senador McCarthy e a sua equipa (de que fazia parte Richard Nixon), que dirigiam a operação, perseguiram todos os que pertenciam a organizações comunistas, eram meros simpatizantes ou julgados enquanto tais. Nos sindicatos, no governo, na comunicação social, nas forças armadas, nos meios do espectáculo, mas sobretudo no cinema, que foi escolhido como alvo preferencial, dada a sua notoriedade e fácil publicidade nos media, muitos foram intimados a depor perante a comissão formada para o efeito, mas de forma muito agressiva e com repercussões drásticas. Não se tratava apenas de saber se fulano tal era ou não comunista, mas de o obrigar a denunciar todos quantos conhecia que professassem ideias julgadas subversivas. Esta imposição da delação ficou tristemente conhecida como “mcchartismo”, "Caça às Bruxas" ou "Terror vermelho”. O clima era de cortar à faca nos meios cinematográficos de Hollywood, tanto mais que quem se recusou a denunciar ou indicar nomes foi sumariamente colocado na “lista negra”, impedido de trabalhar na indústria e ostracizado. Ou seja, o terror instalara-se em Hollywood, muitos emigraram, outros suicidaram-se, alguns ficaram conhecidos como “os 10 de Hollywood”, uma lista de dignos cidadãos que unicamente se recusaram a passarem a delatores. Foram eles, Alvah Bessie, argumentista, Herbert Biberman, argumentista e realizador, Lester Cole, argumentista, Edward Dmytryk, realizador e argumentista, Ring Lardner, Jr, jornalista e argumentista, John Howard Lawson, escritor, Albert Maltz, escritor e argumentista, Samuel Ornitz, argumentista, Adrian Scott, argumentista e produtor, e Dalton Trumbo, argumentista e escritor.
                                                                                                                      Nove dos "Dez de Hollywood"
A lista de actores, realizadores, argumentistas colocados na lista negra é infindável, mas aqui se podem conhecer alguns: Gale Sondergaard, Rosaura Revueltas, Allen Adler, Larry Adler, Orson Bean, Herschel Bernardi, Walter Bernstein, John Berry, Marc Blitzstein, Sebastian Miles, Allen Boretz, Phoebe Brand, Bertolt Brecht, J. Edward Bromberg, Sidney Buchman, Hugo Butler, Morris Carnovsky, Jerome Chodorov, Aaron Copland, Jeff Corey, John Cromwell, Jules Dassin, Roger De Koven, Paul Draper, Frank Capra, Cy Endfield, John Henry Faulk, Jerry Fielding, Carl Foreman, John Garfield, Betty Garett, Will Geer, Jack Gilford, Bernard Gordon, Lloyd Gough, Lee Grant, Dashiell Hammett, Sterling Hayden, Lillian Hellman, Marsha Hunt, Sidney Kingsley, Sam Jaffe, Paul Jarrico, Gordon Kahn, Victor Kilian, Howard Koch, Charles Chaplin ou Howard Fast. Claro que entre estes havia comunistas, socialistas, simpatizantes e muitos que nada tinham a ver com esse tipo de ideologia. 
                                                                                          A sessão da Comissão com Gary Cooper a depor
Para apoiar as individualidades perseguidas, criou-se o “Committee for the First Amendment”, em Setembro de 1947, fundado pelo argumentista Philip Dunne, a actriz Myrna Loy, e os realizadores John Huston e William Wyler, grupo a que aderiram muitos nomes grandes da sétima arte: Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Henry Fonda, Gene Kelly, John Garfiel, Edward G. Robinson, Judy Garland, Katharine Hepburn, Paul Henreid, Dorothy Dandridge, Jane Wyatt, Ira Gershwin, Billy Wilder, Sterling Hayden, Evelyn Keyes, Marsha Hunt, Groucho Marx, Lucille Ball, Danny Kaye, Lena Horne, Robert Ryan, Frank Sinatra, entre outros.
                Anúncio a exortar os americanos a boicotarem os "vermelhos" no cinema e na televisão

Do outro lado da barricada, também se criou uma liga para a preservação dos valores americanos. Chamava-se “Motion Picture Alliance for the Preservation of American Ideals”, era presidida por Lela E. Rogers, mãe de Ginger Rogers, e contava igualmente com nomes sonantes como Robert Taylor, Adolphe Menjou, Sam Wood, Norman Taurog, Clarence Brown, Walt Disney. Clark Gable e Gary Cooper estiveram igualmente ligados a esta “Aliança”, mas a sua acção nunca ficou claramente definida, sendo vista por muitos como ingenuidade de impreparados politicamente. Gary Cooper, por exemplo, apesar das suas simpatias, recusou-se a nomear fosse quem fosse no seu depoimento perante a comissão. Outros houve, claramente conservadores, como John Ford, que criticaram asperamente toda esta situação. Sobre este tema existem vários filmes posteriores, como “Na Lista Negra”, de Irwin Winkler, com Robert De Niro, “O Testa de Ferro”, de Martin Ritt, com Wood Allen e Zero Mostel, e, mais recentemente, “Boa Noite, e Boa Sorte”, de George Clooney.
O certo é que se instalou em Hollywood e Nova Iorque um clima de terror que terá levado alguns argumentistas e cineastas, politicamente fora de toda a suspeita de subversão, mas defensores dos valores da legalidade e da democracia, a lutarem contra este ambiente opressivo, propondo obras onde esse terror era violentamente condenado. Entre essas obras inscreve-se claramente “O Comboio Apitou Três Vezes”, curiosamente interpretado por Gary Cooper, realizado pelo insuspeito Fred Zinnemann, mas escrito pelo muito “suspeito” Carl Foreman (pouco depois exilado dos EUA), ao lado de um argumentista, produtor e realizador liberal como Stanley Kramer.
O filme adquiriu assim um estatuto de libelo anti-mccarthismo que, se agradou a muitos, terá provocado a ira de alguns falcões de Hollywood, como John Wayne e Ward Bond, que se aprestaram a condenar publicamente a película.
A verdade é que, ultrapassando ventos e marés, esta é uma das obras-primas do cinema norte-americano da década de 50 e um dos exemplos mais flagrantes da sua corrente liberal e progressista. 

O COMBOIO APITOU TRÊS VEZES
Título original: High Noon
Realização: Fred Zinnemann (EUA, 1952); Produção: Carl Foreman, Stanley Kramer; Música: Dimitri Tiomkin; Fotografia (p/b): Floyd Crosby ; Montagem: Elmo Williams; Casting: Jack Murton; Design de produção: Rudolph Sternad; Direcção artística: Ben Hayne; Decoração: Murray Waite; Maquilhagem: Louise Miehle, Gustaf Norin; Direcção de produção: Clem Beauchamp, Percy Ikerd; Assistentes de realização: Emmett Emerson; Som:Jean L. Speak, John Speak; Efeitos especiais: Willis Cook; Companhias de produção: Stanley Kramer Productions; Intérpretes: Gary Cooper (Marshal Will Kane), Thomas Mitchell (Mayor Jonas Henderson), Lloyd Bridges (Deputy Marshal Harvey Pell), Katy Jurado (Helen Ramírez), Grace Kelly (Amy Fowler Kane), Otto Kruger (Juiz Percy Mettrick), Lon Chaney Jr.(Martin Howe), Harry Morgan (Sam Fuller), Ian MacDonald, Eve McVeagh, Morgan Farley, Harry Shannon, Lee Van Cleef, Robert J. Wilke, Sheb Wooley, Jack Elam, etc. Duração: 85 minutos; Distribuição em Portugal: Costa do Castelo (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos Estreia em Portugal: 8 de Junho de 1953.



FRED ZINNEMANN (1907-1997)
Alfred Zinnemann nasceu a 29 de Abril de 1907, em Viena, na altura integrada no império Austro-húngaro, agora Áustria. Morreu a 14 de Março de 1997, em Londres, Inglaterra, de ataque cardíaco. Filho de um médico judeu, inicialmente parecia destinado a uma carreira de violinista, depois estudou Direito na Universidade de Viena. Mas apaixonou-se pelo cinema, particularmente o americano, mas também por Sergei Eisenstein e Erich von Stroheim, e decidiu que era essa a carreira a seguir. Primeiro na Europa (na “École Technique de Photographie”, de Paris, em 1927, a seguir em Berlim, onde trabalhou como assistente de realização de Robert Sidmark e de Billy Wilder, nos estúdios UFO, depois na América, onde estudou cinema, foi operador de câmara e figurante. Uma das suas grandes inspirações foi Robert J. Flaherty, de quem se tornou assistente pessoal. Conseguiu o apoio do produtor Paul Strand para filmar no México um documentário, “Redes” (1935), que impressionou pelo seu realismo narrativo. A sua primeira longa-metragem de ficção foi também filmada no México e com um naipe de atores amadores: “The Wave” (1937). Entre 1938 e 1942, filma quinze curtas-metragens, entre as quais “That Mothers Might Live” (1938), que lhe valeu um Óscar na já extinta categoria de Curta-Metragem de uma bobina. Naturalizou-se cidadão americano em 1936. Casado com Renee Bartlett (1936 - 1997). Realizou também alguns filmes de pequeno orçamento, mas a sua primeira longa-metragem de sucesso foi “The Seventh Cross” (1944). “The Search” (1948) vale-lhe a primeira nomeação para o Óscar de Melhor Realizador. Em 1951, venceu o primeiro Óscar da sua carreira como produtor do documentário de curta-metragem “Benjy” (1951). “High Noon” (1952) e “From Here to Eternity” (1953) são as suas obras mais célebres, a última das quais lhe conferiu o Óscar de Melhor Realizador. Em 1966, com “A Man For All Seasons” ganha seis Óscares, entre os quais outra vez o de Melhor Realizador. Foi sob a sua direcção que se estrearam no cinema Montgomery Clift, Marlon Brando e Meryl Streep. Excelente director de actores, 18 foram nomeados em filmes seus para Óscars de melhor actor: Hume Cronyn, Montgomery Clift, Gary Cooper, Julie Harris, Frank Sinatra, Donna Reed, Burt Lancaster, Deborah Kerr, Anthony Franciosa, Audrey Hepburn, Glynis Johns, Paul Scofield, Robert Shaw, Wendy Hiller, Jason Robards, Vanessa Redgrave, Jane Fonda e Maximilian Schell. Cooper, Redgrave, Robards, Sinatra, Reed, Scofield, além de Ivan Jandl (este para um Oscar juvenil).
Fred Zinnemann, que foi um dos mais talentosos cineastas da época de ouro do cinema norte-americano, definiu excelentemente o que é o cinema norte-americano, sobretudo o do seu tempo, ao dizer: “Sempre me pensei um realizador de Hollywood, não porque tenha nascido na indústria americana, mas porque gosto de fazer filmes que agradem a grandes audiências, e não somente para expressar a minha personalidade e as minhas opiniões. Tentei sempre oferecer ao público algo de positivo ao mesmo tempo que o entretinha”. Conta-se que depois de ter ganho um Oscar, compareceu numa reunião com um jovem executivo que lhe perguntou o que é que Zinnemann tinha feito até aí. Ao que o cineasta respondeu: “Claro, mas primeiro conte você”.
Em 1967, radica-se na Inglaterra, onde rodaria alguns filmes bem sucedidos, e onde vem a falecer.

Filmografia:
Como realizador
1930: Menschen am Sonntag (argumentista e assistente de realização)
1936: Redes
1938: Tracking the Sleeping Death (curta-metragem)
1938: They Live Again (curta-metragem)
1938: That Mothers Might Live (curta-metragem)
1938: A Friend in Need (curta-metragem)
1938: The Story of Doctor Carver (curta-metragem)
1939: Weather Wizards (curta-metragem)
1939: While America Sleeps (curta-metragem)
1939: Help Wanted (curta-metragem)
1939: One Against the World (curta-metragem)
1939: The Ash Can Fleet (curta-metragem)
1939: Forgotten Victory (curta-metragem)
1940: Stuffie (curta-metragem)
1940: The Old South (curta-metragem)
1940: The Great Meddler (curta-metragem)
1940: A Way in the Wilderness (curta-metragem)
1941: A Crime Does Not Pay Subject: Forbidden Passage (curta-metragem)
1941: Your Last Act
1942: The Lady or the Tiger? (curta-metragem)
1942: Kid Glove Killer
1942: The Greenie (curta-metragem)
1942: Eyes in the Night (Olhos na Escuridão)
1944: The Seventh Cross (A Sétima Cruz)
1945: A Hora da Saudade (não creditado)
1946: Little Mister Jim
1947: My Brother Talks to Horses (À Rédea Solta)
1948: The Search (Anjos Marcados)
1948: Act of Violence (Acto de Violência)
1950: The Men (O Desesperado)
1951: Benjy (curta-metragem)
1951: Teresa (Teresa)
1952: High Noon (Oklahoma!)
1952: The Member of the Wedding
1953: From Here to Eternity (Até à Eternidade)
1955: Oklahoma! (Oklahoma)
1956: Screen Directors Playhouse (TV series) – Markheim
1957: A Hatful of Rain (Cárcere Sem Grades)
1958: O Velho e o Mar (não creditado)
1959: The Nun's Story (A História de Uma Freira)
1960: The Sundowners (Três Vidas Errantes)
1964: Behold a Pale Horse
1966: A Man for All Seasons (Um Homem para a Eternidade)
1973: The Day of the Jackal (Chacal)
1977: Julia (Júlia)
1982: Five Days One Summer (Cinco Dias um Verão)

GARY COOPER (1901-1961)
Frank James Cooper nasceu a 7 de Maio de 1901, em Helena, Montana, EUA, e viria a falecer a 13 de Maio de 1961, em Beverly Hills, Los Angeles, Califórnia, EUA, com 60 anos, vítima de um cancro na próstata. Casado com uma única mulher, Sandra Shaw (1933-1961), contam-se, no entanto, várias ligações extra matrimoniais, com actrizes e personalidades muito conhecidas.
Era filho de Charles Henry Cooper, inglês, advogado, que deixou a Inglaterra aos 19 anos e se tornou juiz do Supremo Tribunal do estado de Montana, antes de comprar um rancho e se dedicar inteiramente à agricultura (“o meu pai era um verdadeiro Westerner”, conta Gary Cooper). Em 1910, o jovem Cooper viaja com a mãe até Inglaterra e, na volta, apaixona-se igualmente pela vida de rancheiro. Foi guia no Yellowstone Park. Na universidade teve os primeiros contactos com a arte de representar e deixou-se sucumbir aos encantos de Hollywood, para onde partiu, inicialmente para se ocupar em pequenos papéis de figuração. O seu primeiro trabalho “visível” terá sido em 1926, em “The Winning of Barbara Worth” (A Flor do Deserto), de Henry King. A partir daí interveio em mais de uma centena de obras, muitas das quais como protagonista, sendo um dos mais requisitados actores de Hollywood, sobretudo no campo do western. Ícone de várias gerações, que viam nos seus olhos claros o reflexo de um herói sem mácula, Gary Cooper possuiu uma carreira marcada por grandes sucessos que se podem consultar na sua filmografia. Ernest Hemingway, por exemplo, achou que Gary Cooper tinha sido o actor ideal para interpretar as adaptações de dois dos seus romances mais célebres: “O Adeus às Armas” (1932) e “For Whom the Bell Tolls” (1943).
Politicamente era conservador, foi chamado à Comissão de Actividades Anti-Americanas e não revelou qualquer nome, defendeu Carl Foreman, enquanto argumentista de “High Noon” e pediu a John Wayne, que acusara o filme de “anti-americano”, para receber o Oscar de Melhor Actor em seu nome. 
Ganhou dois Oscars, com “Sergeant York” (1941) e “High Noon” (1952) e foi nomeado mais três vezes, com “Mr. Deeds Goes to Town” (1936), “The Pride of the Yankees” (1942) e “For Whom the Bell Tolls” (1943). Recebeu ainda, em 1961, um Óscar Honorário pelo conjunto da obra. Em 1999, na lista organizada pelo American Film Institute, Gary Cooper era considerado o 11º melhor actor de todos os tempos.
Em 1960, foi operado por duas vezes para retirar um cancro na próstata e no cólon. Julgado curado, no ano seguinte foi acometido de fortes dores no pescoço e no ombro, quando rodava em Inglaterra, e descobriu que a doença se havia se espalhado para os pulmões e os ossos. Não fez qualquer tratamento específico e faleceu pouco depois, aos 60 anos de idade. Encontra-se sepultado em Sacred Hearts of Jesus & Mary R.C. Cemetery, no Condado de Suffolk, Nova Iorque EUA.

Filmografia:
Figuração
(quase sempre não creditado)
1923: The Last Hour, de Edward Sloman
1925: Dick Turpin, de John G. Blystone
1925: The Trail Rider, de W.S. Van Dyke
1925: The Drug Store Cowboy, de Park Frame
1925: Riders of the Purple Sage, de Lynn Reynolds
1925: North Star, de Paul Powell
1925: Warrior Gap, de Alan James
1925: The Vanishing American (Declínio de Uma Raça), de George B. Seitz
1925: The Lucky Horsehoe (OTio Paciência), de John G. Blystone
1925: The Thundering Herd, de William K. Howard
1925: Wild Horse Mesa, de George B. Steitz
1925: The Eagle (A Águia Negra), de Clarence Brown
1925: Tricks (curta-metragem)
1925: Three pals (curta-metragem)
1926: The Enchanted Hill, de Irwin Willat
1926: Watch your Wife, de Sven Gade
1926: Bad Man's Bluff, de Alan James
1926: Old Ironsides (Fragata Invicta) de James Cruze
1926: Watch Your Wife, de Svend Gade
1926: A Six Shootin' Romance), de Alan James e Clifford Smith
1926: The Johnstown Flood (A Represa da Morte), de  Irving Cummings

Longas-metragens
1925: Ben-Hur: A Tale of the Christ, de Fred Niblo
1926: Lightnin' Wins, de Alan James (curta-metragem)
1926: The Winning of Barbara Worth (A Flor do Deserto), de Henry King
1927: It (Aquilo), de Clarence G. Badger (não creditado)
1927: Arizona Bound, de John Waters
1927: Children of Divorce (Filhos do Divórcio), de Frank Lloyd
1927: The Last Outlaw (A Última Prisioneira), de Arthur Rosson
1927: Wings (Asas), de William A. Wellman
1927: Nevada (Nevada), de John Waters
1928: Half a Bride (A Excêntrica), de Gregory La Cava
1928: Beau Sabreur (Beau Sabreur), de John Waters
1928: Doomsday (Escrava por Amor), de Rowland V. Lee
1928: The Legion of the Condemned (A Legião dos Condenados) de William A. Wellman
1928: Red Hair (Cabelos de Fogo), de Clarence G. Badger
1928: Lilac Time (Céu de Glória), de George Fitzmaurice
1928: The First Kiss (O Primeiro Beijo), de Rowland V. Lee
1928: The Shopworn Angel (O Anjo Pecador), de Richard Wallace
1929: The Wolf Song, de Victor Fleming
1929: Betrayal (Traição), de Lewis Milestone
1929: The Virginian, de Victor Fleming
1930: Seven Days' Leave (Sete Dias de Licença), de Richard Wallace
1930: Only the Brave, de Frank Tuttle
1930: Paramount on Parade (Paramount em Gala), de Ernst Lubitsch, Edmund Goulding, Frank Tuttle, D. Arzner, O. Brower, V. Heerman, E.H.Knopf, L. Mendes, V. Schertzinger, A. E. Sutherland
1930: The Texan, de John Cromwell
1930: A Man from Wyoming, de Rowland V. Lee
1930: The Spoilers (Inferno Doirado), de Edward Carewe
1930: Morocco (Marrocos), de Josef von Sternberg
1931: Fighting Caravans (Os Civilizadores), de Otto Brower e David Burton
1931: The Slippery Pearls, de William C. McGann (curta-metragem)
1931: City Streets (Ruas da Cidade), de Rouben Mamoulian
1931: I Take This Woman (A Mulher que Deus Me Deu), de Marion Gering
1931: His Woman (Sua Esposa Perante Deus), de Edward Sloman
1931: The Stolen Jools (curta-metragem)
1932: Devil and the deep (Entre Duas Águas), de Marion Gering
1932: If I Had a Million (Se Eu Tivesse Um Milhão), de Ernst Lubitsch e Norman Z. McLeod
1932: A Farewell to Arms (O Adeus às Armas), de Frank Borzage
1933: Today We Live (A Vida é o Dia de Hoje), de Howard Hawks
1933: One Sunday Afternoon, de Stephen Roberts
1933: Alice in Wonderland (Alice no País das Fadas), de Norman Z. McLeod
1933: Design for Living (Uma Mulher para Dois), de Ernst Lubitsch
1934: Operator 13 (Espia nº 13), de Richard Boleslawski
1934: Now and Forever (Sou Tua para Sempre), de Henry Hathaway
1935: The Lives of a Bengal Lancer (Lanceiros da Índia), de Henry Hathaway
1935: The Wedding Night (Noite de Pecado), de King Vidor
1935: Peter Ibbetson (Sou Tua para Sempre), de Henry Hathaway
1935: La Fiesta de Santa Barbara, de Louis Lewyn (curta-metragem)
1936: Desire (Desejo), de Frank Borzage
1936: Hollywood Boulevard (não creditado)
1936: Mr. Deeds Goes To Town (Doido com Juízo), de Frank Capra
1936: The General Died at Dawn (O General Morreu ao Amanhecer), de Lewis Milestone
1936: The Plainsman (Uma Aventura de Buffalo Bill), de Cecil B. DeMille
1937: Souls At Sea (Almas em Perigo), de Henry Hathaway
1937: Lest we forget (curta-metragem)
1938: Blue Beard's Eighth Wife (A Oitava Mulher do Barba Azul), de Ernst Lubitsch
1938: The Adventures of Marco Polo (As Aventuras de Marco Polo), de Archie Mayo
1938: The Cow-boy and the Lady (Escândalos na Sociedade), de Henry C. Potter
1939: Beau Geste (Beau Geste), de William A. Wellman
1939: The Real Glory (A Verdadeira Glória), de Henry Hathaway
1940: The Westerner (A Última Fronteira), de William Wyler
1940: North West Mounted Police (Os Sete Cavaleiros da Vitória), de Cecil B. DeMille
1941: Meet John Doe (Um João Ninguém), de Frank Capra
1941: Sergeant York (Sargento York), de Howard Hawks
1941: Ball of Fire (Bola de Fogo), de Howard Hawks
1942: The Pride of the Yankees (O Ídolo), de Sam Wood
1943: For Whom The Bell Tolls (Por Quem os Sinos Dobram), de Sam Wood
1944: The Story of Dr. Wassell (Pelo Vale das Sombras), de Cecil B. DeMille.
1944: Casanova Brown (O Moderno Casanova), de Sam Wood
1944: Memo for Joe (curta-metragem)
1945: Along Came Jones (Aí Vem Ele), de Stuart Heisler
1945: Saratoga Trunk (Saratoga), de Sam Wood
1946: Cloak and Dagger (O Grande Segredo), de Fritz Lang
1947: Unconquered (Inconquistáveis), de Cecil B. DeMille
1948: Good Sam (O Bom Samaritano), de Leo McCarey
1949: The Fountainhead (Vontade Indómita), de King Vidor
1949: Task Force (A Última Batalha), de Delmer Daves
1950: Bright Leaf (Fumos da Ambição), de Michael Curtiz
1950: Dallas (A Paz voltou à Cidade), de Stuart Heisler
1951: You're in the Navy now (Marinheiros de Água Doce), de Henry Hathaway
1951: It's a Big Country, de Clarence Brown, Don Hartman, John Sturges, Richard Thorpe, Charles Vidor, Don Weis e William A. Wellman    
1951: Distant Drums (As Aventuras do Capitão Wyatt), de Raoul Walsh
1951: Starlift (O Teu Amor e uma Cabana), de Roy Del Ruth (cameo)
1952: High Noon (O Comboio Apitou Três Vezes), de Fred Zinnemann
1952: Springfield Rifle (Missão Secreta), de André De Toth
1953: Return to Paradise (Samoa), de Mark Robson
1953: Blowing Wild (Vento Selvagem), de Hugo Fregonese
1954: Garden of Evil (O Jardim do Diabo), de Henry Hathaway
1954: Vera Cruz (Vera Cruz), de Robert Aldrich
1955: The Court Martial of Billy Mitchell (Conselho de Guerra), de Otto Preminger
1956: Friendly Persuasion (Sublime Tentação), de William Wyler    ´
1957: Love in the Afternoon (Ariane), de Billy Wilder
1958: Ten North Frederick (O Homem que Queria ser Amado), de Philip Dunne
1958: Man of the West (O Homem do Oeste), de Anthony Mann
1958: The Hanging Tree (Raízes de Ouro), de Delmer Daves
1959: Alias Jesse James (Valentão é Apelido), de Norman Z. McLeod (não creditado)
1959: They Came To Cordura (Os Heróis de Cordura), de Robert Rossen
1959: The Wreck of the Mary Deare (O Mistério do Navio Abandonado), de Michael Anderson
1960: The Nacked Edge (O Gume da Navalha), de Michael Anderson 

SESSÃO 28 (dupla): 21 DE ABRIL DE 2014

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 A CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO (1955)
John Sturges é um daqueles cineastas norte-americanos que nunca terá sido devidamente valorizado, talvez por grande parte da sua filmografia ser dedicada ao western, um género que, sendo eminentemente norte-americano, raras vezes terá sido avaliado com justiça. Nas cerimónias de atribuição dos Oscars, muitos poucos são os títulos que mereceram a recompensa máxima, muito embora nessa categoria proliferem as obras-primas, assinadas por alguns dos maiores mestres do cinema mundial. Sturges foi um dos grandes renovadores do género, reformulando a mitologia, com obras como “Bad Day at Black Rock”, “Gunfight at the O.K. Corral”, “The Law and Jack Wade”, “Last Train From Gun Hill” ou “The Magnificent Seven”. Para só falar no campo do western, pois ainda assinou muitas outras obras de inegável qualidade (por exemplo “The Old Man and the Sea” ou “The Great Escape”).
“Bad Day at Black Rock” é um filme admirável, que se integra bem nesse movimento de restauração do género que se começa a mesclar com outros e a receber influências diversas, da psicanálise, da sociologia, da política, da revisão histórica, e da própria mitologia do old far west durante os anos 40 e essencialmente na década de 50 do passado século. O filme tem, neste aspecto, algo a ver com “High Noon”, ainda que perspectivando-se de um outro ângulo. Temos uma cidade dominada pelo medo, mas em lugar de existir um xerife local que procura impor a ordem, contra a cobardia reinante, aqui surge a figura de um desconhecido que vem de fora, chega de comboio, e começa a esgravatar na paz podre da comunidade, para igualmente tentar fazer respeitar a justiça. Nesse aspecto, parece cruzar-se com o policial, e a contaminação é bastante benéfica. 
A história decorre na contemporaneidade da rodagem do filme, pouco depois de ter terminado a II Guerra Mundial. John J. Macreedy (Spencer Tracy, num fabuloso trabalho que lhe valeria mais uma nomeação para Oscar) é o homem que vem de fora, que obriga o comboio a parar numa localidade perdida do Oeste (onde há muito tempo não se detinha), e que atravessa calmamente as ruas dessa comunidade isolada e aparentemente muito pouco povoada. Se ninguém se movimenta nesta cidade, percebe-se desde logo que os lugares hierárquicos estão bem definidos. Há quem mande e quem dê ordens e há toda a população que ou executa essas ordens, ou as acata respeitosamente. O medo tolhe qualquer gesto, qualquer palavra irreflectida, mas Macreedy começa a fazer perguntas, a questionar, a incomodar a sonolenta ordem estabelecida. Alvoraça os cidadãos que têm por hábito esperar sentados nos bancos cobertos pela sombra dos raros edifícios. Uns correm, alarmados, a dar a notícia, outros enfrentam o forasteiro com agressividade crescente. 
Ao chegar à cidade, Macreedy depara-se com uma recepção pouco calorosa por parte dos residentes, que desconfiam da razão que trouxe este estranho até à sua remota povoação. Macreedy já tem a sua idade, veste um fato preto que o faz recortar da paisagem, e traz colado ao corpo o braço direito, que não movimenta. Parece uma ameaça que se atemorizará facilmente, mas tal não acontece. Ele tem uma calma de ferro, uma longa experiência na guerra, e sobretudo um jogo de braço esquerdo que executa com uma rapidez notável alguns golpes que põem fora de combate os mais atrevidos. O que parecia fácil torna-se uma tarefa impossível.
Macreedy vem com uma missão: saber o que aconteceu a Kamako, americano de origem japonesa que, em virtude do ataque nipónico a Pearl Harbour, começou a ser visto com desconfiança. Mas Kamako fora camarada de guerra e salvara a vida a Macreedy, pelo que este tem para com ele uma dívida que gostaria de saldar. Mas a cidade é racista e preconceituosa, Kamako tomara posse de um terreno que se veio a descobrir rico em petróleo, e o mandão da terra, Reno Smith (Robert Ryan), tem algo a ver com o súbito desaparecimento do japonês.
A personagem de Macreedy é absolutamente espantosa, pela segurança que ostenta, pela forma como ignora quase todas as ofensas e desafios, pela persistência que demonstra, pela rectidão de conduta e pela maneira como leva até final o seu objectivo. O desconhecido que vem de fora e destabiliza a normalidade da comunidade, é, presentemente, um tema bastante glosado. Não o era nos anos 50. A forma como alguém sozinho enfrenta uma cidade hostil, vai radicar em “O Comboio Apitou Três Vezes”, havendo nesta obra de Sturges algum optimismo que não se verificava nunca no filme de Zinnemann: aqui alguns cidadãos vão-se aproximando de Macreedy, percebendo que ele poderá libertar a cidade do terror que a manieta.
O filme dura apenas oitenta minutos, mas consegue impor personagens e situações e manter um clima de suspense magnificamente conduzido, partindo de uma argumento de Millard Kaufman, Don McGuire e Howard Breslin, muito bem desenvolvido e sustentado. A fotografia a cor e em Cinemascope de William C. Mellor e a partitura musical de André Previn confirmam o acerto geral, e a interpretação é invulgarmente brilhante. Para lá de Spencer Tracy e Robert Ryan, há que destacar a presença de Ernest Borgnine, Lee Marvin, Anne Francis, Dean Jagger, Walter Brennan, John Ericson, entre outros, todos eles magníficos. 

A CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO
Título original: Bad Day at Black Rock
Realização: John Sturges (EUA, 1955); Argumento: Millard Kaufman, Don McGuire, Howard Breslin; Produção: Herman Hoffman, Dore Schary; Música: André Previn; Fotografia (cor): William C. Mellor; Montagem: Newell P. Kimlin; Direcção artística: Malcolm Brown, Cedric Gibbons; Decoração: Fred M. MacLean, Edwin B. Willis; Assistentes de realização: Joel Freeman; Som: Wesley C. Miller; Companhias de produção: Metro-Goldwyn-Mayer; Intérpretes: Spencer Tracy (John J. Macreedy), Robert Ryan (Reno Smith), Anne Francis (Liz Wirth), Dean Jagger (Tim Horn), Walter Brennan (Doc Velie), John Ericson (Pete Wirth), Ernest Borgnine (Coley Trimble), Lee Marvin (Hector David), Russell Collins, Walter Sande, Walter Beaver, Robert Griffin, Harry Harvey, etc. Duração: 81 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros. (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 3 de Abril de 1956.



JOHN STURGES (1910-1992)
John Elliott Sturges nasceu em Oak Park, Illinois, EUA, a 3 de Janeiro de 1910 e faleceu em San Luis Obispo, Califórnia, EUA, a 18 de Agosto de 1992.
No início dos anos 30, entrou para a RKO como decorador e post-produtor de vários filmes, passando depois a assistente de David O. Selznick. É mobilizado durante a II Guerra Mundial, trabalhando nos serviços cinematográficos do exército. No final da guerra, vamos encontrá-lo como assistente de realização na Columbia, onde dirige as suas primeiras obras, em 1948. “Escape from Fort Bravo”, em 1953, é o seu primeiro grande sucesso, mantendo-se, daí em diante, muito próximo do western, género onde realizou algumas obras memoráveis, como “Bad Day at Black Rock”, “Gunfight at the O.K. Corral”, “The Law and Jack Wade”, “Last Train From Gun Hill” ou “The Magnificent Seven”, para lá de outras como “The Old Man and the Sea”, ou “The Great Escape”. Foi nomeado para os Oscars apenas uma vez como Melhor Realizador, por "Bad Day at Black Rock" (1955). Atribuíram-lhe o “Golden Boot Award” em 1992 pela sua contribuição para a história do Western no cinema.

Filmografia:
Como realizador
1946: Alias Mr. Twilight
1946: Shadowed
1946: The Man Who Dared
1947: Thunderbolt (curta-metragem documental) (assinado pelo Capitão John Sturges)
1947: Keeper of the Bees
1947: For the Love of Rusty
1948: The Sign of the Ram (Destino Cruel)
1948: Best Man Wins
1949: The Walking Hills (Os Aventureiros do Deserto)
1949: The Ford Theatre Hour (série de TV) episódio Kind Lady
1950: The Capture (A Captura)
1950: Mystery Street (A Noite de 23 de Maio)
1950: Right Cross (Por Um Amor)
1950: The Magnificent Yankee
1951: The People Against O'Hara (A Um Passo do Fim)
1951: It's a Big Country, de Clarence Brown, Don Hartman, John Sturges, Richard Thorpe, Charles Vidor, Don Weis e William A. Wellman          
1951: Kind Lady (Bondade Fatal)
1952: The Girl in White (Mulheres de Bata Branca)
1953: Escape from Fort Bravo (A Fuga de Forte Bravo)
1953: Fast Company
1953: Jeopardy (Vida Contra Vida)
1954: Bad Day at Black Rock (A Conspiração do Silêncio)
1955: The Scarlet Coat (A Casaca Vermelha)
1955: Underwater! (O Tesouro Submarino)
1956: Backlash (O Sexto Homem)
1957: Gunfight at the O.K. Corral (Duelo de Fogo)
1958: The Law and Jack Wade (Duelo na Cidade Fantasma)
1958: The Old Man and the Sea (O Velho e o Mar)
1958: Saddle the Wind (Não creditado)
1959: Never so few (Quando Explodem as Paixões)
1958: Last Train From Gun Hill (O Último Comboio de Gun Hill)
1960: The Magnificent Seven (Os Sete Magníficos)
1961: By love Possessed (A Posse do Amor)
1962: A Girl Named Tamiko (Uma Rapariga Chamada Tamiko)
1962: Sergeants 3 (Os 3 Sargentos)
1963: The Great Escape (A Grande Evasão)
1965: The Satan bug (O Veneno do Diabo)
1965: The Hallelujah Trail (A Batalha das Colinas de Whisky)
1967: Hour of the Gun (Duelo de Morte)
1968: Ice Station Zebra (Missão no Árctico)
1969: Marooned (Perdidos no Espaço)
1972: Joe Kidd (A Crista do Diabo)
1973: Valdez horses (Os Cavalos de Valdez)
1974: McQ (Um Detective Acima da Lei)
1976: The Eagle Has Landed (Voo das Águias)

SPENCER TRACY (1900-1967)
Spencer Bonaventure Tracy nasceu a 5 de Abril de 1900, em Milwaukee, Wisconsin, EUA, e viria a falecer a 10 de Junho de 1967, com 67 anos, em Beverly Hills, Los Angeles, EUA. Filho de pais católicos, Spencer estudou num colégio jesuíta, onde se tornou amigo do futuro actor Pat O'Brien. Em 1917, os dois abandonaram os estudos e alistaram-se na Marinha, para participarem da I Guerra Mundial. Acabaram por ficar no estado da Virgínia. Spercer Tracy foi depois transferido para Wisconsin, onde terminou os seus estudos. Começou a actuar no colégio e acabou por seguir a carreira de actor, fez um teste para a “American Academy of Dramatic Arts”, em Nova Iorque, e foi aceite. Em 1922, estreou-se na Broadway, no ano seguinte casou-se com Louise Treadwell, com quem se manteve casado até final da vida, apesar de ter mantido durante muitos anos uma tumultuosa ligação amorosa coma actriz Katherine Hepburn, que conheceu em 1941, durante a rodagem de “Woman of the Year” e que se prolongou até à sua morte, ocorrida precisamente em casa desta actriz. Também chegou a ser notícia o seu envolvimento com Gene Tierney em 1952.
Em 1930, John Ford vê-o no teatro e convida-o para interpretar “Up the River”, o que o leva a mudar-se com a família para Hollywood. Nos anos seguintes, aparece em 25 filmes, e em 1935 assina um contrato com a MGM, onde permanece durante duas décadas. Em 1937 e 1938, ganha dois Oscars consecutivos como Melhor Actor, em “Captain Courageous” e “Boys Town”. Recebeu ainda mais sete nomeações: 1937, “San Francisco”; 1951, Father of the Bride; 1956, “Bad Day at Black Rock”; 1959, “The Old Man and the Sea”; 1961, “Inherit the Wind”; 1962, “Judgment at Nuremberg” e 1968, “Guess Who's Coming to Dinner”, esta a título póstumo.
Doente com diabetes desde finais da década de 40, o seu caso viu-se agravado pelo alcoolismo. Em 1963, sofreu um ataque cardíaco, que acabou por afastá-lo do cinema. Regressou em 1967 para interpretar “Guess Who's Coming to Dinner”. Dezassete dias depois de terminadas as filmagens, foi encontrado morto por Katharine Hepburn na cozinha de sua casa, vítima de ataque cardíaco. Encontra-se sepultado no “Forest Lawn Memorial Park” (Glendale), Glendale, em Los Angeles.

Filmografia:
1930: The Strong Arm (curta-metragem)
1930: Taxi Talks (curta-metragem)
1930: The Hard Guy (curta-metragem)
1930: Up the River, de John Ford
1931: Quick Millions, de Rowland Brown
1931: Six Cylinder Love, de Thornton Freeland
1931: Goldie, de Benjamin Stoloff
1932: She Wanted a Millionaire (À Procura de um Milionário), de John G. Blystone
1932: Sky Devils (Diabos do Céu), de A. Edward Sutherland
1932: Disorderly Conduct), de John W. Considine Jr.
1932: Young América (Almas da Rua), de Frank Borzage
1932: Society Girl, de Sidney Lanfield
1932: The Painted Woman, de John G. Blystone
1932: Me and My Gal, de Raoul Walsh
1932: 20 000 Years in Sing Sing (20 000 Anos em Sing-Sing), de Michael Curtiz
1933: The Face in the Sky, de Harry Lachman
1933: Shanghai Madness, de John G. Blystone
1933: The Power and the Glory (O Poder e a Glória), de William K. Howard
1933: Man's Castle (A Vida é um Sonho), de Frank Borzage
1933: The Mad Game, de Irving Cummings
1934: The Show-Off, de Charles Reisner
1934: Looking for Trouble (Uma Avaria no Telefone), de William A. Wellman
1934: Bottoms Up (À Conquista de Hollywood), de David Butler
1934: Now I'll Tell, de Edwin J. Burke
1934: Marie Galante, de Henry King
1935: It's a Small World, de Irving Cummings
1935: The Murder Man, de Tim Whelan
1935: Dantes inferno (O Inferno de Dante), de Harry Lachmann
1935: Whipsaw (A Mulher das Pérolas), de Sam Wood
1936: Riffraff (Glória de Mandar), de J. Walter Ruben
1936: Fury (Fúria), de Fritz Lang
1936: San Francisco (San Francisco), de W.S. Van Dyke
1936: Libeled Lady (Dois e Dois... Quatro), de Jack Conway
1937: They Gave Him a Gun (Deram-lhe uma Espingarda), de W.S. Van Dyke
1937: Captains Courageous (Lobos do Mar), de Victor Fleming
1937: Big City (Na Grande Cidade), de Frank Borzage
1937: Mannequin (Manequim), de Frank Borzage
1938: Test Pilot (Herói de Hoje), de Victor Fleming
1938: Hollywood Goes to Town (curta-metragem)
1938: Boys Town (Homens de Amanhã), de Norman Taurog
1939: For Auld Lang Syne: No. 4'' (curta-metragem)
1939: Hollywood Hobbies (curta-metragem)
1939: Stanley and Livingstone (O Explorador Perdido), de Henry King
1940: I Take This Woman (Esta Mulher é Minha), de W.S. Van Dyke
1940: Young Tom Edison (Tom Edison, o Pequeno Génio), (cameo) de Norman Taurog
1940: Northward, Ho! (curta-metragem)
1940: Northwest Passage (A Passagem do Noroeste), de King Vidor
1940: Edison, the Man (A Vida de Tom Edison), de Clarence Brown
1940: Boom Town (Dois Contra o Mundo), de Jack Conway
1941: Men of Boys Town (Alarme na Cidade dos Rapazes), de Norman Taurog
1941: Dr. Jekyll and Mr. Hyde (O Médico e o Monstro), de Victor Fleming
1942: Woman of the Year (A Primeira Dama), de George Stevens
1942: Ring of Steel (curta-metragem) (narrador)
1942: Tortilla Flat (O Milagre de S. Francisco), de Victor Fleming
1942: Keeper of the Flame (A Chama Eterna), de George Stevens
1943: His New World (documentário) (narrador)
1943: A Guy Named Joe (Um Certo Rapaz), de Victor Fleming
1944: The Seventh Cross (A Sétima Cruz), de Fred Zinnemann
1944: Thirty Seconds Over Tokyo (Trinta Segundos Sobre Tóquio), de Mervyn LeRoy
1945: Without love (Sem Amor), de Harold S. Bucquet
1947: The Sea of Grass (Terra de Ambições), de Elia Kazan
1947: Cass Timberlane (As Duas Idades do Amor), de George Sidney
1948: State of the Union (Um Filho do Povo), de Frank Capra
1949: Edward, My Son (Meu Filho Eduardo), de George Cukor
1949: Adam's Rib (A Costela de Adão), de George Cukor
1949: Malaya (Malaia), de Richard Thorpe
1950: Father of the Bride (O Pai da Noiva), de Vincente Minnelli
1951: For Defense for Freedom for Humanity (curta-metragem)
1951: Father's Little Dividend (O Pai é Avô), de Vincente Minnelli
1951: The People Against O'Hara (A Um Passo do Fim), de John Sturges
1952: Pat and Mike (A Mulher Absoluta), de George Cukor
1952: Plymouth Adventure (O Veleiro da Aventura), de Clarence Brown
1953: The Actress (A Actriz), de George Cukor
1954: Broken Lance (A Lança Quebrada), de Edward Dmytryk
1955: Bad Day at Black Rock (A Conspiração do Silêncio), de John Sturges
1956: The Mountain (A Montanha), de Edward Dmytryk
1957: Desk Set (A Mulher Que Sabe Tudo), de Walter Lang
1958: The Old Man and the Sea (O Velho e o Mar), de John Sturges
1958: The Last Hurrah (O Último Hurra), de John Ford
1960: Inherit the Wind (O Vento sera a Tua Herança), de Stanley Kramer
1961: The Devil at Four O'Clock (O Diabo as Quatro Horas), de Mervyn LeRoy
1961: Judgment at Nuremberg (O Julgamento de Nuremberga), de Stanley Kramer
1962: How the West Was Won (A Conquista do Oeste), (narrador) de George Marshall, Henry Hathaway, John Ford
1963: It's a Mad Mad Mad Mad World (O Mundo Maluco), de Stanley Kramer
1967: Guess Who's Coming to Dinner (Adivinha Quem Vem Jantar), de Stanley Kramer  

SESSÃO 29: 28 DE ABRIL DE 2014

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HÁ LODO NO CAIS (1954)


“On the Waterfront” (Há Lodo no Cais) é uma das obras máximas de Elia Kazan e também um dos seus títulos mais contestados. Não pela qualidade intrínseca da obra, que raros põem em causa, mas pelas implicações que a mesma acarreta, relativas a um período extremamente polémico da vida da América e do próprio cineasta.
Deve, aliás, dizer-se que “Há Lodo no Cais” poderá justificar duas formas de aproximação quase antagónicas, uma integrando o filme no caso específico do comportamento individual do realizador durante o "maccartismo", outra olhando-o como obra autónoma que seja analisada por um espectador desprevenido que atente apenas naquilo que as imagens mostram.
Para se compreender melhor este filme é necessário conhecer um pouco da história pessoal deste cineasta. Já com alguma fama como encenador, Elia Kazan foi convidado, no início da década de 40, a viajar até Hollywood.
Durante os anos 30, ainda em Nova Iorque, militara no Partido Comunista americano, numa época em que este partido tinha alguma influência no quadro da sociedade norte americana, sobretudo por causa de Roosevelt e do seu programa de desenvolvimento económico e social, conhecido por “New Deal”. Roosevelt desafiara as forças de esquerda para se associarem a este projecto de recuperação nacional, o que era sobretudo visível no campo artístico e literário. Por isso, quando Kazan surge na realização, é compreensível que mantenha e prolongue no cinema essa formação de empenhamento político, bem como as suas inquietações de raiz social, o que ficou bem testemunhado, por exemplo, em “Crime Sem Castigo”.
Depois, em meados da década de 40, quando Kazan já se encontrava fora das estruturas do Partido - fora expulso, acusado de pouca ortodoxia -, a Comissão das Actividades Anti-Americanas inicia a depuração da sociedade americana dos elementos comunistas, e avança deliberadamente contra o mundo do cinema, pois era o campo que maior cobertura jornalística forneceria, favorecendo dessa maneira a estrutura intimidatória do inquérito dirigido pelo tristemente célebre senador MacCarthy. O cinema seria o exemplo a brandir perante a sociedade.
Entre os vários realizadores, argumentistas, técnicos e actores intimados a comparecer perante essa comissão esteve Kazan. Enquanto alguns se recusaram a depor e outros falaram constrangidos, Kazan aceita depor, e aluga uma página de um diário para tornar pública a sua denúncia. Confessa ter sido comunista e aponta os que como ele o foram, alegando várias justificações para esta atitude, entre as quais o facto do PC americano se ter transformado numa estrutura intimidatória lesiva. 
Daí em diante, Kazan será acusado na América e no mundo por este seu acto, e os seus filmes posteriores não deixam de reflectir sobre este acontecimento traumatizante. “Viva Zapata!”, que é realizado em 1951, acompanha o desenrolar do processo, “Man on a Tightrope”, de 1954, é uma obra claramente anti comunista, e talvez das mais fracas de Kazan, “Há Lodo no Cais” é de 1954, e assume-se claramente como uma reflexão sobre a denúncia. Será que a denúncia é em si mesmo um acto negativo? Kazan irá mostrar, através da figura de Terry Malloy, que Marlon Brando interpreta de forma memorável, que a denúncia pode por vezes ser heróica.
É aqui que a interpretação desta obra adquire leituras diferenciadas. Se a denuncia de Kazan, por muito compreensíveis que sejam os factos em que se baseia, e que a História de alguma forma comprovou, é apesar de tudo condenável, pelo cenário histórico em que se inscreve - a ascensão de forças ultrareaccionárias na América, comandadas por ultra direitistas como o sinistro MacCarthy -, já a denúncia de Terry Malloy é efectivamente um acto de coragem cívica.
No mundo das docas, com os sindicatos dominados por uma Mafia que tudo corrompe em proveito próprio, Terry Malloy, antigo pugilista que passou ao lado de uma grande carreira porque aceitou perder um combate que era de ganhar, é chamado para atrair a uma cilada um operário que estava disposto a denunciar o "complot". Mas, a partir daí, este acto irá pesar na consciência de Terry Malloy, que lentamente começa a perceber quais os interesses que efectivamente se movimentam por detrás de Johnny Friendly e do seu próprio irmão Charley. O padre Barry coloca-se à frente da contestação, mas necessita de alguém que aceite depor no inquérito. Alguém que chegue vivo até ao tribunal.
O filme de Kazan é prodigiosamente construído, e admiravelmente interpretado. Basta analisar meia dúzia de planos iniciais para se perceber que estamos perante um cineasta invulgar. Das docas sai o grupo de Johnny Friendly e a imagem, com um navio acostado, é uma imagem de força e de poder. Num “contra-plongée” quase vertical, vê-se Terry Malloy, com um pombo-correio nas mãos, chamar um amigo. Num plano seguinte, o rosto de Malloy surge para lá de um gradeamento que aponta para o céu as suas ameaçadoras setas metálicas. E dá-se o irremediável.
As imagens preparam o acontecimento de forma fulgurante. Todo o filme irá jogar com esta mestria narrativa, este poder de sugestão, esta força expressiva que só os muito grandes conseguem realmente concretizar com uma economia de meios absolutamente genial. Elia Kazan é um realizador invulgar. O argumento de “On the Waterfront”, escrito por Budd Schulberg, segundo uma série de artigos de Malcolm Johnson, é de uma inteligência e lucidez notáveis. A fotografia a preto e branco de Boris Kaufman é igualmente admirável, pela dureza e rigor que imprime às imagens. A música de Leonard Bernstein ajuda a ritmar o pulsar desta sociedade violenta. Marlon Brando atinge aqui o estatuto de mito, mas todos os que o rodeiam são brilhantes, desde os sinistros Lee J. Cobb e Rod Steiger, à inocente e pura Eva Marie Saint, passando por Karl Malden na figura do padre Barry. 
Uma obra-prima que a Academia de Hollywood consagrou com 8 Oscars, entre os quais os de melhor filme, melhor realização, melhor actor, melhor actriz secundária, melhor argumento, melhor fotografia a preto e branco, melhor montagem e melhor direcção artística. Pela primeira vez na história de Hollywood um mesmo filme via três actores secundários serem nomeados para o Oscar da categoria - Karl Malden, Rod Steiger e Lee J. Cobb.  
E não se pode dizer que tenha sido somente a Academia a saldar a sua dívida para com Kazan, porque nos meios de Hollywood, entre aqueles mesmo que agora votavam os melhores, Kazan deixara muitas inimizades. Mas a força de “Há Lodo no Cais” a tudo resiste. Esperemos que funcione hoje como tremendo libelo contra um mundo onde as injustiças mais gritantes sobrevivem, e onde por vezes é necessário erguer corajosamente a voz.
Marlon Brando, na sua auto-biografia, explica desta forma a génese de “Há Lodo no Cais”: “Durante a década de trinta, vários membros do Group Theatre, incluindo Gadg, aderiram ao Partido Comunista - em grande parte, julgo, devido a uma crença idealista de que oferecia uma abordagem progressista para acabar com a Depressão e a crescente desigualdade económica no país, confrontava a injustiça racial e fazia frente ao fascismo. Muitos, incluindo Gadg, não tardaram a ficar desencantados com o partido, mas apelavam para as sua causas durante a histeria da era McCarthy.
“A House Un-American Activities Committee era liderada por J. Parnell, um honrado pilar da nossa comunidade política, que veio mais tarde a ser preso por fraude. Os outros membros da comissão estavam bastante mais preocupados em explorar o fascínio do público por Hollywood e em gerar publicidade para si próprios do que com qualquer outra coisa. Intimaram Gadg e o seu testemunho marcou-o para sempre. Não apenas admitiu que fora comunista, como identificou todos os restantes membros do Group Theatre que também o haviam sido. Muitos dos seus velhos amigos ficaram furiosos, consideraram o testemunho uma traição e recusaram-se a voltar a falar ou trabalhar com ele.”
“Até então, Gadg colaborara com Arthur Miller, para quem realizou “All My Sons”. Depois disso, presenteou-me com um argumento que tratava da vida nos cais de Nova Iorque. Quando Miller se retirou do projecto, Gadg chamou Budd Schulberg, o romancista que, tal como ele próprio, denunciara nomes perante a House Un-American Activities Committee. Schulberg estava a trabalhar num argumento acerca da corrupção nas docas baseado numa série de artigos de imprensa premiados que descreviam a forma como a Máfia se apoderava de parte da carga movimentada nos portos de Nova Iorque e Nova Jérsia. Gadg e Schulberg juntaram os dois argumentos e tentaram durante meses arranjar um estúdio que financiasse o filme.“
Sobre a personagem que interpretou, o actor esclarece: “Terry Malloy, um ex-pugilista, foi uma personagem baseada numa figura verídica que, apesar das ameaças contra a sua vida, testemunhou contra o Goodfellas, que dirigia o cais de Jérsia. Aceitei com relutância o papel porque não apreciara a atitude de Gadg e conhecia algumas das pessoas que haviam sido gravemente prejudicadas. Era especialmente estúpido, porque a maior parte das pessoas haviam deixado de ser comunistas. Pessoas inocentes foram também colocadas na lista negra, incluindo eu, embora nunca tivesse tido qualquer filiação política. Foi apenas porque tinha assinado uma petição contra o linchamento de um homem negro no Sul. A minha irmã Jocelyn, que aparecera na peça “Mister Roberts”, na Broadway, e se tornou uma actriz muito popular, foi também incluída na lista negra porque o seu nome de casada era Asinof e havia outro J. Asinof. Nessa época, pisar o passeio com o pé esquerdo em primeiro lugar já era motivo para suspeita de que se pertencia ao Partido Comunista. Julgo que escapámos por um triz a implantação do fascismo neste país.”
“Gadg tinha de justificar o que fizera e pareceu ter sinceramente acreditado na existência de uma conspiração global para se apoderar do mundo e em que o comunismo constituía uma perigosa ameaça para as liberdades americanas. Tal como os seus amigos, disse-me que se voltara para o comunismo porque, na altura, lhe parecera oferecer um mundo melhor, mas que o abandonara quando se apercebera de que não era assim. Falar sinceramente perante a comissão, opondo-se aos seus antigos amigos que não haviam abandonado a causa, fora uma decisão difícil, acrescentou, mas uma vez que fora por eles ostracizado não sentia remorsos pelo que fizera.”
“Decidi finalmente fazer o filme, mas do que não me apercebi na altura foi de que “Há Lodo no Cais” era na verdade um argumento metafórico da autoria de Gadg e Budd Schulberg; fizeram o filme para se justificarem por terem denunciado os amigos. Claro que, ao interpretar a figura de Terry Malloy, eu representava o espírito do homem destemido e corajoso que desafiava o mal. Nem Gadg nem Budd Schulberg tiveram alguma vez segundas intenções no seu testemunho perante a comissão.”
“Nessa época, Gadg era o realizador que estava no limiar da mudança do modo de fazer filmes. Fora influenciado por Stella Adler e pelas inovações que esta trouxera da Europa e tentava sempre criar espontaneidade e ilusão da realidade nos seus filmes. Contratou homens das docas para actuarem como figurantes. Filmou a maior parte das cenas nos bas-fonds da doca de Nova Jérsia. Ficou satisfeito por estar mesmo frio. Isso conferia um toque de realismo e ficou encantado pelo facto de o nosso bafo aparecer no filme. A maior ironia consistiu no facto de ter obtido autorização da Máfia para filmar nas docas. Quando o convidaram para almoçar, arrastou-me com ele e só mais tarde vim a saber que o homem com quem almoçámos era o líder do cais de Jérsia. Apesar de Gadg ter denunciado os amigos perante a House Committee over Communism, nem hesitou ao ter que cooperar com a Cosa Nostra. Tendo em conta os seus próprios critérios, isto pareceria um extraordinário acto de hipocrisia, mas quando Gadg queria fazer um filme e tinha de mexer alguns cordelinhos para o conseguir estava perfeitamente disposto a isso. Na realidade, conheci algumas pessoas da Cosa Nostra na altura e tê-los-ia preferido a bastantes políticos que temos.”
Muito interessante é ainda surpreender as relações entre actor e realizador, neste caso entre Elia Kazan e Marlon Brandon que aqui dá conta da sua versão:
“Uma das razões pelas quais Gadg era um óptimo realizador era por conseguir manipular as emoções das pessoas. Tentava descobrir tudo acerca dos seus actores e participava emocionalmente em todas as cenas. Vinha ter connosco nos intervalos das filmagens e dizia-nos algo que pudesse suscitar reacções para melhorar a cena. Por vezes, chegava a criar mal-entendidos com esta técnica. Em “Viva Zapata!” eu fazia de irmão de Tony Quinn e Gadg disse-lhe algumas mentiras a meu respeito. Isto intensificou o estado emocional de Tony e foi muito bom para o filme, porque fez acentuar o conflito entre irmãos; infelizmente, Gadg nunca se preocupou em desfazer o mal-entendido. Só vim a sabê-lo quinze anos depois, num talk-show, em que Tony fez referencia ao que se passara. Telefonei-Ihe e disse-lhe que nunca havia dito tais coisas e que Gadg o manipulara. Foi um alívio poder esclarecer esta trapalhada. Desde então, Tony e eu voltamos a falar-nos.”
“Gadg era fantástico a inspirar os actores a representar, mas isso tinha um preço. As pessoas comentaram muitas vezes comigo a cena de “Há Lodo no Cais” que tem lugar no banco de trás de um táxi. Ilustra bem o modo de trabalhar de Kazan. Eu desempenhava o papel de irmão bonzinho e ele era um líder sindical corrupto que tentava melhorar a minha posição com a Máfia. Haviam-Ihe insinuado de diversas formas que me armasse uma cilada porque eu iria testemunhar perante a Comissão do Cais acerca dos crimes de que tinha conhecimento. Segundo o argumento, Steiger era suposto puxar de uma pistola no táxi, apostar-ma e dizer “Decide-te antes de chegarmos a 437 River Street” - que era onde eu seria morto.
Disse a Kazan: “Não posso acreditar que ele dissesse uma coisa dessas ao irmão e o público também não vai acreditar que este tipo que viveu toda a vida com o irmão e que tomou conta dele durante trinta anos lhe apontasse de repente uma arma e ameaçasse matá-lo. Não é verosímil.
Esta situação era típica das discussões criativas que tínhamos.
- Não posso representar isto assim - insisti e Gadg respondeu: “-Claro que podes; é perfeitamente plausível.”
- É ridículo - protestei. - Ninguém falaria assim ao irmão. Representámos várias vezes a cena à maneira dele, mas eu continuei a dizer:
- Não pode ser assim, Gadg, a sério que não. Finalmente, ele disse: “Está bem, apresentem a vossa proposta”.
Rod e eu improvisámos a cena e acabámos por mudá-la por completo. Gadg ficou convencido e gravou-a.
Na nossa improvisação, quando o meu irmão me apontava a arma no táxi, eu olhava para a pistola e depois para ele com ar incrédulo. Não me passaria um segundo pela cabeça que ele premisse o gatilho. Senti pena dele. Depois Rod começa a falar da minha carreira de pugilista. “Se eu tivesse tido um agente melhor”, disse, “as coisas ter-me-iam corrido melhor no ringue. Ele foi demasiado apressado contigo.”
- Não foi ele, Charlie - disse eu -, foste tu. Lembras-te daquela noite no Garden quando foste ao meu camarim e me disseste “Miúdo, hoje não é a tua noite. Vamos apostar no Wilson?” - Lembras-te disso? “Esta não é a tua noite.” - A minha noite! Podia ter vencido o Wilson. Por isso, o que aconteceu? Ele ficou a um passo do título, como se fosse uma brincadeira e eu que é que consegui? Um bilhete de ida para Palookaville. Tu és meu irmão, Charlie, devias ter defendido melhor os meus interesses. Devias ter tomado melhor conta de mim, para que eu não tivesse que receber massa para fingir knock-outs... Podia ter tido classe. Podia ter sido um grande pugilista. Podia ter sido alguém, em vez de um vagabundo, que é o que eu sou, chamemos as coisas pelos nomes. Foste tu, Charlie...
Quando o filme estreou, imensas pessoas consideraram a minha actuação excelente e a cena comovente. Mas não precisava de um actor, era uma cena que demonstrava como o público se identifica com as personagens numa história bem contada. Quase toda a gente acredita que ele podia ter sido um grande pugilista, que podia ter sido alguém se tivesse tido outra sorte, por isso, ao verem a cena, identificam-se com ele. É essa a magia do teatro; todo o público se transforma em Terry Malloy, um homem que teve a coragem, não apenas de fazer frente à Máfia, como também de afirmar: “Sou um vagabundo. Chamemos as coisas pelos seus nomes...”
No dia em que Gadg me mostrou o filme, fiquei tão deprimido com a minha actuação que me levantei e abandonei a cabina de projecção. Pensei que o filme ia ser um fracasso e afastei-me sem dizer palavra. Estava muito envergonhado.
Ninguém é perfeito e penso que Gadg fez bastante mal a outras pessoas, mas sobretudo a si próprio. Estou em dívida para com ele por tudo o que me ensinou. Era um professor maravilhoso.
Tive alguns problemas de consciência em comparecer na cerimónia de entrega dos Óscares e aceitar um galardão. Nunca acreditara que o resultado fosse mais importante do que o esforço. Lembro-me de que me levaram para a cerimónia e eu ainda estava indeciso acerca do facto de ter vestido um smoking. Mas acabei por pensar “que se lixe”; as pessoas querem agradecer-nos e se é assim tão importante para elas, porque não comparecer? Desde então mudei de opinião acerca dos prémios em geral e não voltarei a aceitar nenhum. Isto não significa que não considere válido aquilo em que as outras pessoas acreditam; muitas pessoas que conheço e de quem gosto acreditam que os galardões são bastante valiosos e chegam mesmo a envolver-se no processo dos Óscares da Academia e outros. Não os desprezo por isso e espero que também não me desprezem a mim.”


HÁ LODO NO CAIS
Título original: On the Waterfront
Realização: Elia Kazan (EUA, 1954); Argumento: Budd Schulberg, segundo artigos de Malcolm Johnson; Música: Leonard Bernstein; Fotografia (p/b): Boris Kaufman; Montagem: Gene Milford; Direcção artística: Richard Day; Maquilhagem: Mary Roche, Fred C. Ryle; Direcção de produção: George Justin; Asistentes de realização: Charles H. Maguire, Arthur Steckler; Som: Jim Shields; Produção: Sam Spiegel; Intérpretes: Marlon Brando (Terry Malloy), Karl Malden (Padre Barry), Lee J. Cobb (Johnny Friendly), Rod Steiger (Charley Malloy), Pat Henning (Timothy J. 'Kayo' Dugan), Leif Erickson (Glover), James Westerfield (Big Mac), Tony Galento (Truck), Tami Mauriello (Tullio), John F. Hamilton ('Pop' Doyle), John Heldabrand, Rudy Bond, Don Blackman, Arthur Keegan, Abe Simon, Eva Marie Saint, Barry Macollum, Mike O'Dowd, Martin Balsam, Fred Gwynne, Thomas Handley, Anne Hegira, Dan Bergin, Jere Delaney, Michael V. Gazzo, Pat Hingle, Tiger Joe Marsh, Edward McNally, Nehemiah Persoff, Johnny Seven, etc. Duração:108 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Filmes; Columbia Tristar (DVD); Classificação Etária: M/12 anos.


MARLON BRANDO 
(1924 - 2004)
Considerado por muitos como “o melhor actor de cinema de todos os tempos”, Marlon Brando, que revolucionou decididamente as artes dramáticas nos Estados Unidos com suas actuações em “Um Eléctrico Chamado Desejo”, em 1951, e “Há Lodo no Cais”, em 1954, e que, depois, em 1972, criaria a mítica personagem de Don Vito Corleone em “O Padrinho”, morreu aos 80 anos, num hospital de Los Angeles. Foi o seu advogado, David J. Seeley quem fez a participação à imprensa, não querendo revelar o nome do hospital, nem a causa da morte. "Era um homem muito reservado", disse Seeley. Mais tarde, porém, Roxanne Moster, a porta-voz do centro médico da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, onde Brando estava internado, declarou que ele morreu na noite de 1 de Julho (de 2004), devido a uma insuficiência pulmonar. O funeral foi uma cerimónia íntima. Marlon Brando tinha deixado várias cassetes onde preparara a encenação do seu enterro, explicando quem deveria ou não ser convidado para a cerimónia fúnebre e dando indicações precisas quanto ao testamento. O seu desejo era ser cremado e que as suas cinzas fossem espalhadas pelas palmeiras da ilha no Tahiti da qual ele chegou a ser proprietário. Aquele que fora o homem mais sedutor da terra durante a década de 50, e ganhara depois disso fama de ser o melhor actor do mundo, morria sozinho num hospital, depois de ter passado os últimos anos de vida num pequeno apartamento, “de um único quarto”, em Mulholland Drive, Los Angeles, sobrevivendo unicamente com a pensão estatal de actor, e rodeado por dívidas que ascendiam a mais de 20 milhões dólares, muitas das quais devidas ao apoio jurídico que concedeu ao seu filho mais velho, Christian, que matara a tiro Dag Drollet, de 26 anos, amante tahitiano de sua meia-irmã Cheyenne. Este drama fatídico tivera lugar na mansão da família, em Beverly Hills, em Maio de 1990. Christian, de 31 anos, assumiu a culpa e foi condenado a dez anos de prisão. Mas a tragédia não abandonou a família e atingiu a intensidade máxima quando Cheyenne, deprimida com a morte de Drollet, se suicidou aos 25 anos de idade. Marlon Brando nunca mais voltou a ser o mesmo.
A boa estrela do actor já o havia abandonado há muito. Em 2002, Brando sofrera uma pneumonia, que o tinha deixado preso numa cadeira de rodas, respirando com a ajuda de uma máscara de oxigénio. Padecia também com o descomunal excesso de peso, causado por desregulamentos de todo o género: uma vida sedentária, alimentação desaconselhável, bebida sem limite, um gosto desmedido por guloseimas. Afirmam as manchetes dos jornais que, não muito tempo antes da morte, fora visto a comprar enormes copos de gelado, num supermercado perto de casa, dado que a enfermeira lhe havia fechado o frigorífico a cadeado.
Mas continuava activo: uma semana antes de morrer, Marlon Brando encontrara-se com o cineasta franco-tunisiano Ridha Behi para alterarem partes do guião de um novo filme, “Brando e Brando”, em que ele iria interpretar o seu próprio papel e cujas filmagens se anunciavam para breve. Ridha Behi garantiu que iria continuar a produção em homenagem ao actor.
Foi, desde o início da carreira no cinema, no princípio da década de 50, um actor que deu corpo e alma a um tipo de herói americano por excelência. Na América individualista, há vários géneros de heróis, do “self made man” vencedor, que faz a imagem dos Estados Unidos triunfalistas, ao anti-herói amargurado por dúvidas, com ou sem causas a defender, sacrificado e mortificado por uma sociedade desapiedada, onde só os mais fortes sem escrúpulos triunfam. Antes de Marlon Brando, tinha havido já ensaios tímidos desta personagem, com actores como John Garfield, depois dele alguns outros surgiram a dar corpo a essa imagem, como James Dean, Montgomery Clift, Paul Newman ou Steve McQueen. Mais recentemente, Sean Penn ou Leonardo di Caprio podem ser dados como sucessores da dinastia. São sedutores inatos, personagens românticas, almas transviadas, perdidas, incapazes de segurar momentos de perfeição ou plenitude. Momentos que atravessam, para se perderem logo a seguir, num ímpeto de rebeldia, num acesso de independência gratuita, que apenas procura marcar uma atitude.
Marlon Brando teve uma infância infeliz. Mas onde é que já se leu esta frase adaptada a actores norte-americanos, daqueles que para sempre marcaram a história do teatro e do cinema mundiais? Nasceu em Omaha, no Estado do Nebraska, a 3 de Abril de 1924, numa família que mesclava as suas origens irlandesas com antepassados franceses e ingleses. Chamavam-se originalmente Brandeau.
O pai, de nome Marlon Brando, era um vendedor de carbonato de cálcio e a mãe, cujo nome de solteira era Dorothy Pennebaker, trabalhava no Teatro Comunitário de Omaha, onde ocasionalmente era actriz. Foi ela quem levou Marlon Brando ao teatro pela primeira vez. Tinha duas irmãs mais velhas, Frances e Jocelyn. A família mudou-se para Evanston, Illinois. Quando a mãe se separa do pai, em 1935, ela parte para Santa Ana, Orange County, Califórnia, levando consigo os filhos; reagrupada a família novamente, em 1937, voltam finalmente a Illinois, mas instalam-se Libertyville, no norte de Chicago, perto do lago Michigan.
Na autobiografia que escreveu de colaboração com o jornalista Robert Lindsey, “Canções Que Minha Mãe Me Ensinou”, Brando relembrou a infância, como época difícil e triste da sua vida, que moldaria o adulto e o marcaria psicologicamente para sempre. Tanto o pai como a mãe eram bêbados sem resgate. À mãe, que progressivamente caminhava para um estado de loucura, Marlon Brando perdoou tudo, apesar de ser evidente que foi ela a complicar as suas relações futuras com as mulheres. O pai, ébrio e violento, mulherengo, que saía de casa para frequentar bordéis de prostitutas sem eira nem beira, batia no filho e acusava-o de que “nunca seria nada na vida”.
Brando era efectivamente um rapaz rebelde e o pai mandou-o para uma escola militar, a Shattuck Military Academy, em Fairbult, Minnesota, para o disciplinar, mas foi rapidamente expulso. Voltou a casa, por uns tempos, mas aos 19 anos mudou-se para Nova Iorque, dividindo um apartamento com sua irmã Frances. Era a independência. O gosto da liberdade, que não mais deixou de perseguir. Na academia militar, apenas um professor de inglês que também encenava peças de teatro, manifestara optimismo na carreira futura de Brando. Quando saiu da escola, despediu-se dele com um reconfortante “o mundo ainda há-de ouvir falar de ti!” Como só o tinham elogiado no teatro, pensou: “Vou ser actor!”
Em 1943, Brando inscreve-se num curso de teatro dirigido pelo emigrante alemão Erwin Piscator. Frequentou o Dramatic Workshop da New School for Social Research, tendo como professora Stella Adler, que vivera em Moscovo na década de 30 e estudara e trabalhara com Konstantin Stanislavsky no Teatro das Artes de Moscovo. Na América, animou o Group Theatre que usava o “método” de Stanislavsky, segundo o qual cada actor tinha de alimentar as personagens que criava com as emoções da sua própria personalidade. Marlon Brando sempre esteve mais próximo de Stella Adler do que do outro seguidor do método, Lee Strasberg, de quem, aliás, se distanciou tempos mais tarde, acusando-o de oportunismo e muito mais.
Sobre o trabalho de Stella, não se cansa de o elogiar: “Deixou um legado espantoso. Praticamente toda a representação nos filmes de hoje tem origem nela e teve um efeito extraordinário na cultura do seu tempo. (…) As técnicas que trouxe para este país e ensinou aos outros transformaram grandemente a arte de representar. Primeiro, transmitiu-as aos outros membros do Groupo Theatre e, depois, actores como eu, que foram seus alunos. Exercemos o nosso ofício de acordo com a forma e o estilo que nos ensinou e, dado que os filmes norte-americanos dominam o mercado mundial, os ensinamentos de Stella influenciaram actores em todo o mundo.” Mais adiante: “Representação metódica” foi um termo popularizado, abastardado e mal utilizado por Lee Strasberg, um homem por quem tinha pouco respeito e, por isso, hesito em usá-lo. O que Stella ensinava aos seus alunos era a descobrirem a natureza da sua própria mecânica emocional e, portanto, a de outros. Ensinou-me a ser verdadeiro e a não tentar representar uma emoção que não sentisse pessoalmente durante a representação.”
Em 1944, Brando estreia-se no teatro na companhia da Dramatic Workshops, no papel de Jesus, na peça de Gerhart Hauptmann, “Hannele”. Durante o verão, apresenta “Twelfth Night” num festival em Long Island. Fazia o papel de Sebastian, mas foi afastado da companhia por ter sido descoberto enrolado com uma rapariga. Piscator não perdoou, mas Marlon Brando afirma que mais tarde foi o próprio Piscator surpreendido com uma das actrizes da companhia.
No mesmo ano, aparece na Broadway, na obra – não musical - de Rodgers and Hammerstein "I Remember Mama", que esteve dois anos em cena. Estreou a 19 de Outubro de 1944. Por essa altura, inventava biografias exóticas para si. No “Playbill” dessa época, tão depressa nascera na China como em Banguecoque, e o pai era geólogo ou zoófilo. No camarim tinha “A Crítica da Razão Pura”, de Kant, “Os Discursos”, de Eicteto, ou obras de Thoreau, Gibbon ou Rousseau. 
Em 1946, Brando interpreta o drama de Maxwell Anderson “Truckline Café”, dirigido por Elia Kazan, o mesmo encenador que lhe daria o papel de Kowalski em “Um Eléctrico Chamado Desejo”, em 1947. Interpreta ainda “A Águia das Duas Cabeças”, de Jean Cocteau, ao lado de Tallulah Bankhead, uma “vamp” célebre por essa década, que muitos consideravam lésbica, que Marlon Brando nunca viu nessa condição, mas de cujo assédio constante se lamenta. A peça estreou em New England e o actor não aguentou durante muito tempo os beijos devoradores da voluptuosa Tallulah. Foi despedido seis semanas depois, e depois também de bochechar com tudo o que tinha à mão para afastar a língua invasora da sua amante de palco, que o não poupava a novas arremetidas. Chegou a Nova Iorque sem dinheiro, roubado durante a viagem, e sem trabalho. Mas a sorte não o abandonou e Tennessee Williams, que andava à procura de um protagonista para a sua nova peça, escolhe-o, após uma audição histórica. É o próprio dramaturgo quem explica a “descoberta”, em carta enviada à sua agente Audrey Wood: “Não me tinha ocorrido antes como a peça ficaria enriquecida se contratasse um jovem actor para interpretar este papel. Humaniza o carácter de Stanley tornando-o mais produto da brutalidade e insensibilidade da juventude do que de um velho maldoso. Não quero focar a culpa ou o remorso numa personagem determinada, mas mostrar a tragédia da incompreensão e da insensibilidade relativamente aos outros. “
Ou ainda: “A leitura de Brando veio acrescentar um novo valor à peça e foi de longe a melhor que ouvi. Ele parecia ter já criado uma personagem dimensional, do género que a guerra produziu entre os jovens veteranos. Este é um valor que vai muito além de tudo aquilo com que Garfield podia ter contribuído e, para além dos dotes de actor, possui ainda uma extraordinária atracão física e sensualidade, pelo menos tão grande como a de Burt Lancaster.”
A personagem do brutal marido de Stella na obra-prima de Tennessee Williams, que interpretou durante dois anos na Broadway, lança-o definitivamente no sucesso. Entretanto ainda apareceu em “Candida”, de George Bernard e “A Flag Is Born”, uma peça de Ben Hecht, sobre a fundação do estado de Israel.
Por esta altura, impressionado pelas imagens que vai vendo e as notícias que lhe chegavam dos campos de concentração nazis, junta-se à “The American League for a Free Palestine” (Liga Americana para uma Palestina Livre) e recolhe fundos para o movimento judeu clandestino. Havia dois movimentos que actuavam por forma diferenciada, um mais legalista, dirigido pelo leader histórico David Ben-Gurion, outro mais radical, roçando o terrorismo, que tinham como dirigentes mais conhecidos Stern Gang e Irgun Zvai Leumi. Marlon Brando aderiu a estes últimos, embora sentindo alguma simpatia por Ben-Gurion. Data desta época o início da sua actividade política em prol dos direitos humanos, contra o racismo de qualquer espécie e a favor especificamente dos índios americanos.
Entretanto, estreia-se no cinema em 1950, em “The Men”, de Fred Zinnemann, ao lado de Teresa Wright, num papel que à partida não se imaginaria entregue ao recém-criado “sex symbol” que apaixonara Nova Iorque no teatro. Mas a verdade é que Brando é um paraplégico, preso a uma cama ou a uma cadeira de rodas. 
Ken Wilocek, um jovem tenente do exército, é um entre vários inválidos que se encontra num hospital de veteranos na Califórnia. O filme tinha um argumento forte e dramático de Carl Foreman e era uma produção de Stanley Kramer. Marlon Brando, para adquirir alguma experiência como paraplégico, fez-se admitir no Birmingham Vererans Hospital, no sul da Califórnia, onde passou três semanas ambientando-se ao tipo de vida e hábitos dos doentes, sem que tanto pessoal como enfermos tenham sido informados. Apenas alguns sabiam que se tratava de um actor. Foi o início de uma carreira brilhante, com algumas dezenas de filmes inesquecíveis.

Filmografia
1. Como Actor
1950: The Men ou “Battle Stripe” (O Desesperado), de Fred Zinnemann
1951: A Streetcar Named Desire (Um Eléctrico Chamado Desejo), de Elia Kazan
1952: Viva Zapata! (Viva Zapata!), de Elia Kazan
1953: Julius Caesar ou “William Shakespeare's Julius Caesar” (Júlio César), de Joseph L. Mankiewicz
1953: The Wild One (O Selvagem), de László Benedek
1954: On the Waterfront (Há Lodo No Cais), de Elia Kazan
1954: Desirée (Desirée, O Primeiro Amor de Napoleão), de Henry Koster
1955: Guys and Dolls (Eles e Elas), de Joseph L. Mankiewicz
1956: The Teahouse of the August Moon (A Casa de Chá do Luar de Agosto), de Daniel Mann
1957: Sayonara (Sayonara), de Joshua Logan
1958: The Young Lions (Os Jovens Leões), de Edward Dmytryk
1959: The Fugitive Kind (O Homem na Pele da Serpente), de Sidney Lumet
1961: One-Eyed Jacks (Cinco Anos Depois), de Marlon Brando
1962: Mutiny on the Bounty (Revolta na Bounty), de Lewis Milestone, Carol Reed (não creditado)
1963: The Ugly American (Sua Excelência, o Embaixador), de George Englund
1964: Bedtime Story (Os Sedutores), de Ralph Levy
1965: Morituri ou “The Saboteur, Code Name Morituri” (Morituri), de Bernhard Wicki
1966: The Chase (Perseguição Impiedosa), de Arthur Penn
1966: The Appaloosa ou “Southwest to Sonora” (Um Homem sem Medo), de Sidney J. Furie
1967: A Countess from Hong Kong (A Condessa de Hong Kong), de Charles Chaplin
1967: Reflections in a Golden Eye (Reflexos num Olho Dourado), de John Huston
1968: Candy ou “Candy e il suo pazzo mondo” (Candy), de Christian Marquand
1968: The Night of the Following Day (A Noite do Último Dia), de Hubert Cornfield
1969: Queimada (Queimada), de Gillo Pontecorvo
1972: The Nightcomers (Os Perversos), de Michael Winner
1972: The Godfather (O Padrinho), de Francis Ford Coppola
1972: Ultimo Tango a Parigi ou “Last Tango in Paris” ou “Le Dernier Tango à Paris” (O Último Tango em Paris), de Bernardo Bertolucci
1976: The Missouri Breaks (Duelo no Missouri), de Arthur Penn
1978: Superman ou “Superman: The Movie” (Super-Homem, o Filme), de Richard Donner
1979: Apocalypse Now (1979) Apocalypse Now Redux (2001) (Apocalipse Now e Apocalipse Now Redux), de Francis Ford Coppola
1979: Roots: The Next Generations (Raizes: A Próxima Geração), de Lloyd Richards, John Erman, Charles S. Dubin, Georg Stanford Brown (mini-série para TV)
1980: The Formula (A Fórmula), de de John G. Avildsen
1989: A Dry White Season, de Euzhan Palcy
1990: The Freshman (O Caloiro da Máfia), de Andrew Bergman
1992: Christopher Columbus: The Discovery (Cristovão Colombo: A Descoberta), de John Glen
1992: The Godfather Trilogy (O Padrinho – A Trilogia), de Francis Ford Coppola
1995: Don Juan DeMarco (Don Juan de Marco), de Jeremy Leven
1996: The Island of Dr. Moreau (A Ilha do Dr. Moreau), de John Frankenheimer, Richard Stanley (não creditado, despedido e substituido por John Frankenheimer)
1997: The Brave (O Bravo), de Johnny Depp
1998: Free Money, de Yves Simoneau
2001: The Score (Sem Saída), de Frank Oz, Robert De Niro (não creditado)
2006: Big Bug Man, de Bob Bendetson, Peter Shin

2. Como Realizador
1961: One-Eyed Jacks (Cinco Anos Depois), deMarlon Brando

SESSÃO 29: 28 DE ABRIL DE 2014

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HÁ LODO NO CAIS (1954)


“On the Waterfront” (Há Lodo no Cais) é uma das obras máximas de Elia Kazan e também um dos seus títulos mais contestados. Não pela qualidade intrínseca da obra, que raros põem em causa, mas pelas implicações que a mesma acarreta, relativas a um período extremamente polémico da vida da América e do próprio cineasta.
Deve, aliás, dizer-se que “Há Lodo no Cais” poderá justificar duas formas de aproximação quase antagónicas, uma integrando o filme no caso específico do comportamento individual do realizador durante o "maccartismo", outra olhando-o como obra autónoma que seja analisada por um espectador desprevenido que atente apenas naquilo que as imagens mostram.
Para se compreender melhor este filme é necessário conhecer um pouco da história pessoal deste cineasta. Já com alguma fama como encenador, Elia Kazan foi convidado, no início da década de 40, a viajar até Hollywood.
Durante os anos 30, ainda em Nova Iorque, militara no Partido Comunista americano, numa época em que este partido tinha alguma influência no quadro da sociedade norte americana, sobretudo por causa de Roosevelt e do seu programa de desenvolvimento económico e social, conhecido por “New Deal”. Roosevelt desafiara as forças de esquerda para se associarem a este projecto de recuperação nacional, o que era sobretudo visível no campo artístico e literário. Por isso, quando Kazan surge na realização, é compreensível que mantenha e prolongue no cinema essa formação de empenhamento político, bem como as suas inquietações de raiz social, o que ficou bem testemunhado, por exemplo, em “Crime Sem Castigo”.
Depois, em meados da década de 40, quando Kazan já se encontrava fora das estruturas do Partido - fora expulso, acusado de pouca ortodoxia -, a Comissão das Actividades Anti-Americanas inicia a depuração da sociedade americana dos elementos comunistas, e avança deliberadamente contra o mundo do cinema, pois era o campo que maior cobertura jornalística forneceria, favorecendo dessa maneira a estrutura intimidatória do inquérito dirigido pelo tristemente célebre senador MacCarthy. O cinema seria o exemplo a brandir perante a sociedade.
Entre os vários realizadores, argumentistas, técnicos e actores intimados a comparecer perante essa comissão esteve Kazan. Enquanto alguns se recusaram a depor e outros falaram constrangidos, Kazan aceita depor, e aluga uma página de um diário para tornar pública a sua denúncia. Confessa ter sido comunista e aponta os que como ele o foram, alegando várias justificações para esta atitude, entre as quais o facto do PC americano se ter transformado numa estrutura intimidatória lesiva. 
Daí em diante, Kazan será acusado na América e no mundo por este seu acto, e os seus filmes posteriores não deixam de reflectir sobre este acontecimento traumatizante. “Viva Zapata!”, que é realizado em 1951, acompanha o desenrolar do processo, “Man on a Tightrope”, de 1954, é uma obra claramente anti comunista, e talvez das mais fracas de Kazan, “Há Lodo no Cais” é de 1954, e assume-se claramente como uma reflexão sobre a denúncia. Será que a denúncia é em si mesmo um acto negativo? Kazan irá mostrar, através da figura de Terry Malloy, que Marlon Brando interpreta de forma memorável, que a denúncia pode por vezes ser heróica.
É aqui que a interpretação desta obra adquire leituras diferenciadas. Se a denuncia de Kazan, por muito compreensíveis que sejam os factos em que se baseia, e que a História de alguma forma comprovou, é apesar de tudo condenável, pelo cenário histórico em que se inscreve - a ascensão de forças ultrareaccionárias na América, comandadas por ultra direitistas como o sinistro MacCarthy -, já a denúncia de Terry Malloy é efectivamente um acto de coragem cívica.
No mundo das docas, com os sindicatos dominados por uma Mafia que tudo corrompe em proveito próprio, Terry Malloy, antigo pugilista que passou ao lado de uma grande carreira porque aceitou perder um combate que era de ganhar, é chamado para atrair a uma cilada um operário que estava disposto a denunciar o "complot". Mas, a partir daí, este acto irá pesar na consciência de Terry Malloy, que lentamente começa a perceber quais os interesses que efectivamente se movimentam por detrás de Johnny Friendly e do seu próprio irmão Charley. O padre Barry coloca-se à frente da contestação, mas necessita de alguém que aceite depor no inquérito. Alguém que chegue vivo até ao tribunal.
O filme de Kazan é prodigiosamente construído, e admiravelmente interpretado. Basta analisar meia dúzia de planos iniciais para se perceber que estamos perante um cineasta invulgar. Das docas sai o grupo de Johnny Friendly e a imagem, com um navio acostado, é uma imagem de força e de poder. Num “contra-plongée” quase vertical, vê-se Terry Malloy, com um pombo-correio nas mãos, chamar um amigo. Num plano seguinte, o rosto de Malloy surge para lá de um gradeamento que aponta para o céu as suas ameaçadoras setas metálicas. E dá-se o irremediável.
As imagens preparam o acontecimento de forma fulgurante. Todo o filme irá jogar com esta mestria narrativa, este poder de sugestão, esta força expressiva que só os muito grandes conseguem realmente concretizar com uma economia de meios absolutamente genial. Elia Kazan é um realizador invulgar. O argumento de “On the Waterfront”, escrito por Budd Schulberg, segundo uma série de artigos de Malcolm Johnson, é de uma inteligência e lucidez notáveis. A fotografia a preto e branco de Boris Kaufman é igualmente admirável, pela dureza e rigor que imprime às imagens. A música de Leonard Bernstein ajuda a ritmar o pulsar desta sociedade violenta. Marlon Brando atinge aqui o estatuto de mito, mas todos os que o rodeiam são brilhantes, desde os sinistros Lee J. Cobb e Rod Steiger, à inocente e pura Eva Marie Saint, passando por Karl Malden na figura do padre Barry. 
Uma obra-prima que a Academia de Hollywood consagrou com 8 Oscars, entre os quais os de melhor filme, melhor realização, melhor actor, melhor actriz secundária, melhor argumento, melhor fotografia a preto e branco, melhor montagem e melhor direcção artística. Pela primeira vez na história de Hollywood um mesmo filme via três actores secundários serem nomeados para o Oscar da categoria - Karl Malden, Rod Steiger e Lee J. Cobb.  
E não se pode dizer que tenha sido somente a Academia a saldar a sua dívida para com Kazan, porque nos meios de Hollywood, entre aqueles mesmo que agora votavam os melhores, Kazan deixara muitas inimizades. Mas a força de “Há Lodo no Cais” a tudo resiste. Esperemos que funcione hoje como tremendo libelo contra um mundo onde as injustiças mais gritantes sobrevivem, e onde por vezes é necessário erguer corajosamente a voz.
Marlon Brando, na sua auto-biografia, explica desta forma a génese de “Há Lodo no Cais”: “Durante a década de trinta, vários membros do Group Theatre, incluindo Gadg, aderiram ao Partido Comunista - em grande parte, julgo, devido a uma crença idealista de que oferecia uma abordagem progressista para acabar com a Depressão e a crescente desigualdade económica no país, confrontava a injustiça racial e fazia frente ao fascismo. Muitos, incluindo Gadg, não tardaram a ficar desencantados com o partido, mas apelavam para as sua causas durante a histeria da era McCarthy.
“A House Un-American Activities Committee era liderada por J. Parnell, um honrado pilar da nossa comunidade política, que veio mais tarde a ser preso por fraude. Os outros membros da comissão estavam bastante mais preocupados em explorar o fascínio do público por Hollywood e em gerar publicidade para si próprios do que com qualquer outra coisa. Intimaram Gadg e o seu testemunho marcou-o para sempre. Não apenas admitiu que fora comunista, como identificou todos os restantes membros do Group Theatre que também o haviam sido. Muitos dos seus velhos amigos ficaram furiosos, consideraram o testemunho uma traição e recusaram-se a voltar a falar ou trabalhar com ele.”
“Até então, Gadg colaborara com Arthur Miller, para quem realizou “All My Sons”. Depois disso, presenteou-me com um argumento que tratava da vida nos cais de Nova Iorque. Quando Miller se retirou do projecto, Gadg chamou Budd Schulberg, o romancista que, tal como ele próprio, denunciara nomes perante a House Un-American Activities Committee. Schulberg estava a trabalhar num argumento acerca da corrupção nas docas baseado numa série de artigos de imprensa premiados que descreviam a forma como a Máfia se apoderava de parte da carga movimentada nos portos de Nova Iorque e Nova Jérsia. Gadg e Schulberg juntaram os dois argumentos e tentaram durante meses arranjar um estúdio que financiasse o filme.“
Sobre a personagem que interpretou, o actor esclarece: “Terry Malloy, um ex-pugilista, foi uma personagem baseada numa figura verídica que, apesar das ameaças contra a sua vida, testemunhou contra o Goodfellas, que dirigia o cais de Jérsia. Aceitei com relutância o papel porque não apreciara a atitude de Gadg e conhecia algumas das pessoas que haviam sido gravemente prejudicadas. Era especialmente estúpido, porque a maior parte das pessoas haviam deixado de ser comunistas. Pessoas inocentes foram também colocadas na lista negra, incluindo eu, embora nunca tivesse tido qualquer filiação política. Foi apenas porque tinha assinado uma petição contra o linchamento de um homem negro no Sul. A minha irmã Jocelyn, que aparecera na peça “Mister Roberts”, na Broadway, e se tornou uma actriz muito popular, foi também incluída na lista negra porque o seu nome de casada era Asinof e havia outro J. Asinof. Nessa época, pisar o passeio com o pé esquerdo em primeiro lugar já era motivo para suspeita de que se pertencia ao Partido Comunista. Julgo que escapámos por um triz a implantação do fascismo neste país.”
“Gadg tinha de justificar o que fizera e pareceu ter sinceramente acreditado na existência de uma conspiração global para se apoderar do mundo e em que o comunismo constituía uma perigosa ameaça para as liberdades americanas. Tal como os seus amigos, disse-me que se voltara para o comunismo porque, na altura, lhe parecera oferecer um mundo melhor, mas que o abandonara quando se apercebera de que não era assim. Falar sinceramente perante a comissão, opondo-se aos seus antigos amigos que não haviam abandonado a causa, fora uma decisão difícil, acrescentou, mas uma vez que fora por eles ostracizado não sentia remorsos pelo que fizera.”
“Decidi finalmente fazer o filme, mas do que não me apercebi na altura foi de que “Há Lodo no Cais” era na verdade um argumento metafórico da autoria de Gadg e Budd Schulberg; fizeram o filme para se justificarem por terem denunciado os amigos. Claro que, ao interpretar a figura de Terry Malloy, eu representava o espírito do homem destemido e corajoso que desafiava o mal. Nem Gadg nem Budd Schulberg tiveram alguma vez segundas intenções no seu testemunho perante a comissão.”
“Nessa época, Gadg era o realizador que estava no limiar da mudança do modo de fazer filmes. Fora influenciado por Stella Adler e pelas inovações que esta trouxera da Europa e tentava sempre criar espontaneidade e ilusão da realidade nos seus filmes. Contratou homens das docas para actuarem como figurantes. Filmou a maior parte das cenas nos bas-fonds da doca de Nova Jérsia. Ficou satisfeito por estar mesmo frio. Isso conferia um toque de realismo e ficou encantado pelo facto de o nosso bafo aparecer no filme. A maior ironia consistiu no facto de ter obtido autorização da Máfia para filmar nas docas. Quando o convidaram para almoçar, arrastou-me com ele e só mais tarde vim a saber que o homem com quem almoçámos era o líder do cais de Jérsia. Apesar de Gadg ter denunciado os amigos perante a House Committee over Communism, nem hesitou ao ter que cooperar com a Cosa Nostra. Tendo em conta os seus próprios critérios, isto pareceria um extraordinário acto de hipocrisia, mas quando Gadg queria fazer um filme e tinha de mexer alguns cordelinhos para o conseguir estava perfeitamente disposto a isso. Na realidade, conheci algumas pessoas da Cosa Nostra na altura e tê-los-ia preferido a bastantes políticos que temos.”
Muito interessante é ainda surpreender as relações entre actor e realizador, neste caso entre Elia Kazan e Marlon Brandon que aqui dá conta da sua versão:
“Uma das razões pelas quais Gadg era um óptimo realizador era por conseguir manipular as emoções das pessoas. Tentava descobrir tudo acerca dos seus actores e participava emocionalmente em todas as cenas. Vinha ter connosco nos intervalos das filmagens e dizia-nos algo que pudesse suscitar reacções para melhorar a cena. Por vezes, chegava a criar mal-entendidos com esta técnica. Em “Viva Zapata!” eu fazia de irmão de Tony Quinn e Gadg disse-lhe algumas mentiras a meu respeito. Isto intensificou o estado emocional de Tony e foi muito bom para o filme, porque fez acentuar o conflito entre irmãos; infelizmente, Gadg nunca se preocupou em desfazer o mal-entendido. Só vim a sabê-lo quinze anos depois, num talk-show, em que Tony fez referencia ao que se passara. Telefonei-Ihe e disse-lhe que nunca havia dito tais coisas e que Gadg o manipulara. Foi um alívio poder esclarecer esta trapalhada. Desde então, Tony e eu voltamos a falar-nos.”
“Gadg era fantástico a inspirar os actores a representar, mas isso tinha um preço. As pessoas comentaram muitas vezes comigo a cena de “Há Lodo no Cais” que tem lugar no banco de trás de um táxi. Ilustra bem o modo de trabalhar de Kazan. Eu desempenhava o papel de irmão bonzinho e ele era um líder sindical corrupto que tentava melhorar a minha posição com a Máfia. Haviam-Ihe insinuado de diversas formas que me armasse uma cilada porque eu iria testemunhar perante a Comissão do Cais acerca dos crimes de que tinha conhecimento. Segundo o argumento, Steiger era suposto puxar de uma pistola no táxi, apostar-ma e dizer “Decide-te antes de chegarmos a 437 River Street” - que era onde eu seria morto.
Disse a Kazan: “Não posso acreditar que ele dissesse uma coisa dessas ao irmão e o público também não vai acreditar que este tipo que viveu toda a vida com o irmão e que tomou conta dele durante trinta anos lhe apontasse de repente uma arma e ameaçasse matá-lo. Não é verosímil.
Esta situação era típica das discussões criativas que tínhamos.
- Não posso representar isto assim - insisti e Gadg respondeu: “-Claro que podes; é perfeitamente plausível.”
- É ridículo - protestei. - Ninguém falaria assim ao irmão. Representámos várias vezes a cena à maneira dele, mas eu continuei a dizer:
- Não pode ser assim, Gadg, a sério que não. Finalmente, ele disse: “Está bem, apresentem a vossa proposta”.
Rod e eu improvisámos a cena e acabámos por mudá-la por completo. Gadg ficou convencido e gravou-a.
Na nossa improvisação, quando o meu irmão me apontava a arma no táxi, eu olhava para a pistola e depois para ele com ar incrédulo. Não me passaria um segundo pela cabeça que ele premisse o gatilho. Senti pena dele. Depois Rod começa a falar da minha carreira de pugilista. “Se eu tivesse tido um agente melhor”, disse, “as coisas ter-me-iam corrido melhor no ringue. Ele foi demasiado apressado contigo.”
- Não foi ele, Charlie - disse eu -, foste tu. Lembras-te daquela noite no Garden quando foste ao meu camarim e me disseste “Miúdo, hoje não é a tua noite. Vamos apostar no Wilson?” - Lembras-te disso? “Esta não é a tua noite.” - A minha noite! Podia ter vencido o Wilson. Por isso, o que aconteceu? Ele ficou a um passo do título, como se fosse uma brincadeira e eu que é que consegui? Um bilhete de ida para Palookaville. Tu és meu irmão, Charlie, devias ter defendido melhor os meus interesses. Devias ter tomado melhor conta de mim, para que eu não tivesse que receber massa para fingir knock-outs... Podia ter tido classe. Podia ter sido um grande pugilista. Podia ter sido alguém, em vez de um vagabundo, que é o que eu sou, chamemos as coisas pelos nomes. Foste tu, Charlie...
Quando o filme estreou, imensas pessoas consideraram a minha actuação excelente e a cena comovente. Mas não precisava de um actor, era uma cena que demonstrava como o público se identifica com as personagens numa história bem contada. Quase toda a gente acredita que ele podia ter sido um grande pugilista, que podia ter sido alguém se tivesse tido outra sorte, por isso, ao verem a cena, identificam-se com ele. É essa a magia do teatro; todo o público se transforma em Terry Malloy, um homem que teve a coragem, não apenas de fazer frente à Máfia, como também de afirmar: “Sou um vagabundo. Chamemos as coisas pelos seus nomes...”
No dia em que Gadg me mostrou o filme, fiquei tão deprimido com a minha actuação que me levantei e abandonei a cabina de projecção. Pensei que o filme ia ser um fracasso e afastei-me sem dizer palavra. Estava muito envergonhado.
Ninguém é perfeito e penso que Gadg fez bastante mal a outras pessoas, mas sobretudo a si próprio. Estou em dívida para com ele por tudo o que me ensinou. Era um professor maravilhoso.
Tive alguns problemas de consciência em comparecer na cerimónia de entrega dos Óscares e aceitar um galardão. Nunca acreditara que o resultado fosse mais importante do que o esforço. Lembro-me de que me levaram para a cerimónia e eu ainda estava indeciso acerca do facto de ter vestido um smoking. Mas acabei por pensar “que se lixe”; as pessoas querem agradecer-nos e se é assim tão importante para elas, porque não comparecer? Desde então mudei de opinião acerca dos prémios em geral e não voltarei a aceitar nenhum. Isto não significa que não considere válido aquilo em que as outras pessoas acreditam; muitas pessoas que conheço e de quem gosto acreditam que os galardões são bastante valiosos e chegam mesmo a envolver-se no processo dos Óscares da Academia e outros. Não os desprezo por isso e espero que também não me desprezem a mim.”


HÁ LODO NO CAIS
Título original: On the Waterfront
Realização: Elia Kazan (EUA, 1954); Argumento: Budd Schulberg, segundo artigos de Malcolm Johnson; Música: Leonard Bernstein; Fotografia (p/b): Boris Kaufman; Montagem: Gene Milford; Direcção artística: Richard Day; Maquilhagem: Mary Roche, Fred C. Ryle; Direcção de produção: George Justin; Asistentes de realização: Charles H. Maguire, Arthur Steckler; Som: Jim Shields; Produção: Sam Spiegel; Intérpretes: Marlon Brando (Terry Malloy), Karl Malden (Padre Barry), Lee J. Cobb (Johnny Friendly), Rod Steiger (Charley Malloy), Pat Henning (Timothy J. 'Kayo' Dugan), Leif Erickson (Glover), James Westerfield (Big Mac), Tony Galento (Truck), Tami Mauriello (Tullio), John F. Hamilton ('Pop' Doyle), John Heldabrand, Rudy Bond, Don Blackman, Arthur Keegan, Abe Simon, Eva Marie Saint, Barry Macollum, Mike O'Dowd, Martin Balsam, Fred Gwynne, Thomas Handley, Anne Hegira, Dan Bergin, Jere Delaney, Michael V. Gazzo, Pat Hingle, Tiger Joe Marsh, Edward McNally, Nehemiah Persoff, Johnny Seven, etc. Duração:108 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Filmes; Columbia Tristar (DVD); Classificação Etária: M/12 anos.


MARLON BRANDO 
(1924 - 2004)
Considerado por muitos como “o melhor actor de cinema de todos os tempos”, Marlon Brando, que revolucionou decididamente as artes dramáticas nos Estados Unidos com suas actuações em “Um Eléctrico Chamado Desejo”, em 1951, e “Há Lodo no Cais”, em 1954, e que, depois, em 1972, criaria a mítica personagem de Don Vito Corleone em “O Padrinho”, morreu aos 80 anos, num hospital de Los Angeles. Foi o seu advogado, David J. Seeley quem fez a participação à imprensa, não querendo revelar o nome do hospital, nem a causa da morte. "Era um homem muito reservado", disse Seeley. Mais tarde, porém, Roxanne Moster, a porta-voz do centro médico da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, onde Brando estava internado, declarou que ele morreu na noite de 1 de Julho (de 2004), devido a uma insuficiência pulmonar. O funeral foi uma cerimónia íntima. Marlon Brando tinha deixado várias cassetes onde preparara a encenação do seu enterro, explicando quem deveria ou não ser convidado para a cerimónia fúnebre e dando indicações precisas quanto ao testamento. O seu desejo era ser cremado e que as suas cinzas fossem espalhadas pelas palmeiras da ilha no Tahiti da qual ele chegou a ser proprietário. Aquele que fora o homem mais sedutor da terra durante a década de 50, e ganhara depois disso fama de ser o melhor actor do mundo, morria sozinho num hospital, depois de ter passado os últimos anos de vida num pequeno apartamento, “de um único quarto”, em Mulholland Drive, Los Angeles, sobrevivendo unicamente com a pensão estatal de actor, e rodeado por dívidas que ascendiam a mais de 20 milhões dólares, muitas das quais devidas ao apoio jurídico que concedeu ao seu filho mais velho, Christian, que matara a tiro Dag Drollet, de 26 anos, amante tahitiano de sua meia-irmã Cheyenne. Este drama fatídico tivera lugar na mansão da família, em Beverly Hills, em Maio de 1990. Christian, de 31 anos, assumiu a culpa e foi condenado a dez anos de prisão. Mas a tragédia não abandonou a família e atingiu a intensidade máxima quando Cheyenne, deprimida com a morte de Drollet, se suicidou aos 25 anos de idade. Marlon Brando nunca mais voltou a ser o mesmo.
A boa estrela do actor já o havia abandonado há muito. Em 2002, Brando sofrera uma pneumonia, que o tinha deixado preso numa cadeira de rodas, respirando com a ajuda de uma máscara de oxigénio. Padecia também com o descomunal excesso de peso, causado por desregulamentos de todo o género: uma vida sedentária, alimentação desaconselhável, bebida sem limite, um gosto desmedido por guloseimas. Afirmam as manchetes dos jornais que, não muito tempo antes da morte, fora visto a comprar enormes copos de gelado, num supermercado perto de casa, dado que a enfermeira lhe havia fechado o frigorífico a cadeado.
Mas continuava activo: uma semana antes de morrer, Marlon Brando encontrara-se com o cineasta franco-tunisiano Ridha Behi para alterarem partes do guião de um novo filme, “Brando e Brando”, em que ele iria interpretar o seu próprio papel e cujas filmagens se anunciavam para breve. Ridha Behi garantiu que iria continuar a produção em homenagem ao actor.
Foi, desde o início da carreira no cinema, no princípio da década de 50, um actor que deu corpo e alma a um tipo de herói americano por excelência. Na América individualista, há vários géneros de heróis, do “self made man” vencedor, que faz a imagem dos Estados Unidos triunfalistas, ao anti-herói amargurado por dúvidas, com ou sem causas a defender, sacrificado e mortificado por uma sociedade desapiedada, onde só os mais fortes sem escrúpulos triunfam. Antes de Marlon Brando, tinha havido já ensaios tímidos desta personagem, com actores como John Garfield, depois dele alguns outros surgiram a dar corpo a essa imagem, como James Dean, Montgomery Clift, Paul Newman ou Steve McQueen. Mais recentemente, Sean Penn ou Leonardo di Caprio podem ser dados como sucessores da dinastia. São sedutores inatos, personagens românticas, almas transviadas, perdidas, incapazes de segurar momentos de perfeição ou plenitude. Momentos que atravessam, para se perderem logo a seguir, num ímpeto de rebeldia, num acesso de independência gratuita, que apenas procura marcar uma atitude.
Marlon Brando teve uma infância infeliz. Mas onde é que já se leu esta frase adaptada a actores norte-americanos, daqueles que para sempre marcaram a história do teatro e do cinema mundiais? Nasceu em Omaha, no Estado do Nebraska, a 3 de Abril de 1924, numa família que mesclava as suas origens irlandesas com antepassados franceses e ingleses. Chamavam-se originalmente Brandeau.
O pai, de nome Marlon Brando, era um vendedor de carbonato de cálcio e a mãe, cujo nome de solteira era Dorothy Pennebaker, trabalhava no Teatro Comunitário de Omaha, onde ocasionalmente era actriz. Foi ela quem levou Marlon Brando ao teatro pela primeira vez. Tinha duas irmãs mais velhas, Frances e Jocelyn. A família mudou-se para Evanston, Illinois. Quando a mãe se separa do pai, em 1935, ela parte para Santa Ana, Orange County, Califórnia, levando consigo os filhos; reagrupada a família novamente, em 1937, voltam finalmente a Illinois, mas instalam-se Libertyville, no norte de Chicago, perto do lago Michigan.
Na autobiografia que escreveu de colaboração com o jornalista Robert Lindsey, “Canções Que Minha Mãe Me Ensinou”, Brando relembrou a infância, como época difícil e triste da sua vida, que moldaria o adulto e o marcaria psicologicamente para sempre. Tanto o pai como a mãe eram bêbados sem resgate. À mãe, que progressivamente caminhava para um estado de loucura, Marlon Brando perdoou tudo, apesar de ser evidente que foi ela a complicar as suas relações futuras com as mulheres. O pai, ébrio e violento, mulherengo, que saía de casa para frequentar bordéis de prostitutas sem eira nem beira, batia no filho e acusava-o de que “nunca seria nada na vida”.
Brando era efectivamente um rapaz rebelde e o pai mandou-o para uma escola militar, a Shattuck Military Academy, em Fairbult, Minnesota, para o disciplinar, mas foi rapidamente expulso. Voltou a casa, por uns tempos, mas aos 19 anos mudou-se para Nova Iorque, dividindo um apartamento com sua irmã Frances. Era a independência. O gosto da liberdade, que não mais deixou de perseguir. Na academia militar, apenas um professor de inglês que também encenava peças de teatro, manifestara optimismo na carreira futura de Brando. Quando saiu da escola, despediu-se dele com um reconfortante “o mundo ainda há-de ouvir falar de ti!” Como só o tinham elogiado no teatro, pensou: “Vou ser actor!”
Em 1943, Brando inscreve-se num curso de teatro dirigido pelo emigrante alemão Erwin Piscator. Frequentou o Dramatic Workshop da New School for Social Research, tendo como professora Stella Adler, que vivera em Moscovo na década de 30 e estudara e trabalhara com Konstantin Stanislavsky no Teatro das Artes de Moscovo. Na América, animou o Group Theatre que usava o “método” de Stanislavsky, segundo o qual cada actor tinha de alimentar as personagens que criava com as emoções da sua própria personalidade. Marlon Brando sempre esteve mais próximo de Stella Adler do que do outro seguidor do método, Lee Strasberg, de quem, aliás, se distanciou tempos mais tarde, acusando-o de oportunismo e muito mais.
Sobre o trabalho de Stella, não se cansa de o elogiar: “Deixou um legado espantoso. Praticamente toda a representação nos filmes de hoje tem origem nela e teve um efeito extraordinário na cultura do seu tempo. (…) As técnicas que trouxe para este país e ensinou aos outros transformaram grandemente a arte de representar. Primeiro, transmitiu-as aos outros membros do Groupo Theatre e, depois, actores como eu, que foram seus alunos. Exercemos o nosso ofício de acordo com a forma e o estilo que nos ensinou e, dado que os filmes norte-americanos dominam o mercado mundial, os ensinamentos de Stella influenciaram actores em todo o mundo.” Mais adiante: “Representação metódica” foi um termo popularizado, abastardado e mal utilizado por Lee Strasberg, um homem por quem tinha pouco respeito e, por isso, hesito em usá-lo. O que Stella ensinava aos seus alunos era a descobrirem a natureza da sua própria mecânica emocional e, portanto, a de outros. Ensinou-me a ser verdadeiro e a não tentar representar uma emoção que não sentisse pessoalmente durante a representação.”
Em 1944, Brando estreia-se no teatro na companhia da Dramatic Workshops, no papel de Jesus, na peça de Gerhart Hauptmann, “Hannele”. Durante o verão, apresenta “Twelfth Night” num festival em Long Island. Fazia o papel de Sebastian, mas foi afastado da companhia por ter sido descoberto enrolado com uma rapariga. Piscator não perdoou, mas Marlon Brando afirma que mais tarde foi o próprio Piscator surpreendido com uma das actrizes da companhia.
No mesmo ano, aparece na Broadway, na obra – não musical - de Rodgers and Hammerstein "I Remember Mama", que esteve dois anos em cena. Estreou a 19 de Outubro de 1944. Por essa altura, inventava biografias exóticas para si. No “Playbill” dessa época, tão depressa nascera na China como em Banguecoque, e o pai era geólogo ou zoófilo. No camarim tinha “A Crítica da Razão Pura”, de Kant, “Os Discursos”, de Eicteto, ou obras de Thoreau, Gibbon ou Rousseau. 
Em 1946, Brando interpreta o drama de Maxwell Anderson “Truckline Café”, dirigido por Elia Kazan, o mesmo encenador que lhe daria o papel de Kowalski em “Um Eléctrico Chamado Desejo”, em 1947. Interpreta ainda “A Águia das Duas Cabeças”, de Jean Cocteau, ao lado de Tallulah Bankhead, uma “vamp” célebre por essa década, que muitos consideravam lésbica, que Marlon Brando nunca viu nessa condição, mas de cujo assédio constante se lamenta. A peça estreou em New England e o actor não aguentou durante muito tempo os beijos devoradores da voluptuosa Tallulah. Foi despedido seis semanas depois, e depois também de bochechar com tudo o que tinha à mão para afastar a língua invasora da sua amante de palco, que o não poupava a novas arremetidas. Chegou a Nova Iorque sem dinheiro, roubado durante a viagem, e sem trabalho. Mas a sorte não o abandonou e Tennessee Williams, que andava à procura de um protagonista para a sua nova peça, escolhe-o, após uma audição histórica. É o próprio dramaturgo quem explica a “descoberta”, em carta enviada à sua agente Audrey Wood: “Não me tinha ocorrido antes como a peça ficaria enriquecida se contratasse um jovem actor para interpretar este papel. Humaniza o carácter de Stanley tornando-o mais produto da brutalidade e insensibilidade da juventude do que de um velho maldoso. Não quero focar a culpa ou o remorso numa personagem determinada, mas mostrar a tragédia da incompreensão e da insensibilidade relativamente aos outros. “
Ou ainda: “A leitura de Brando veio acrescentar um novo valor à peça e foi de longe a melhor que ouvi. Ele parecia ter já criado uma personagem dimensional, do género que a guerra produziu entre os jovens veteranos. Este é um valor que vai muito além de tudo aquilo com que Garfield podia ter contribuído e, para além dos dotes de actor, possui ainda uma extraordinária atracão física e sensualidade, pelo menos tão grande como a de Burt Lancaster.”
A personagem do brutal marido de Stella na obra-prima de Tennessee Williams, que interpretou durante dois anos na Broadway, lança-o definitivamente no sucesso. Entretanto ainda apareceu em “Candida”, de George Bernard e “A Flag Is Born”, uma peça de Ben Hecht, sobre a fundação do estado de Israel.
Por esta altura, impressionado pelas imagens que vai vendo e as notícias que lhe chegavam dos campos de concentração nazis, junta-se à “The American League for a Free Palestine” (Liga Americana para uma Palestina Livre) e recolhe fundos para o movimento judeu clandestino. Havia dois movimentos que actuavam por forma diferenciada, um mais legalista, dirigido pelo leader histórico David Ben-Gurion, outro mais radical, roçando o terrorismo, que tinham como dirigentes mais conhecidos Stern Gang e Irgun Zvai Leumi. Marlon Brando aderiu a estes últimos, embora sentindo alguma simpatia por Ben-Gurion. Data desta época o início da sua actividade política em prol dos direitos humanos, contra o racismo de qualquer espécie e a favor especificamente dos índios americanos.
Entretanto, estreia-se no cinema em 1950, em “The Men”, de Fred Zinnemann, ao lado de Teresa Wright, num papel que à partida não se imaginaria entregue ao recém-criado “sex symbol” que apaixonara Nova Iorque no teatro. Mas a verdade é que Brando é um paraplégico, preso a uma cama ou a uma cadeira de rodas. 
Ken Wilocek, um jovem tenente do exército, é um entre vários inválidos que se encontra num hospital de veteranos na Califórnia. O filme tinha um argumento forte e dramático de Carl Foreman e era uma produção de Stanley Kramer. Marlon Brando, para adquirir alguma experiência como paraplégico, fez-se admitir no Birmingham Vererans Hospital, no sul da Califórnia, onde passou três semanas ambientando-se ao tipo de vida e hábitos dos doentes, sem que tanto pessoal como enfermos tenham sido informados. Apenas alguns sabiam que se tratava de um actor. Foi o início de uma carreira brilhante, com algumas dezenas de filmes inesquecíveis.

Filmografia
1. Como Actor
1950: The Men ou “Battle Stripe” (O Desesperado), de Fred Zinnemann
1951: A Streetcar Named Desire (Um Eléctrico Chamado Desejo), de Elia Kazan
1952: Viva Zapata! (Viva Zapata!), de Elia Kazan
1953: Julius Caesar ou “William Shakespeare's Julius Caesar” (Júlio César), de Joseph L. Mankiewicz
1953: The Wild One (O Selvagem), de László Benedek
1954: On the Waterfront (Há Lodo No Cais), de Elia Kazan
1954: Desirée (Desirée, O Primeiro Amor de Napoleão), de Henry Koster
1955: Guys and Dolls (Eles e Elas), de Joseph L. Mankiewicz
1956: The Teahouse of the August Moon (A Casa de Chá do Luar de Agosto), de Daniel Mann
1957: Sayonara (Sayonara), de Joshua Logan
1958: The Young Lions (Os Jovens Leões), de Edward Dmytryk
1959: The Fugitive Kind (O Homem na Pele da Serpente), de Sidney Lumet
1961: One-Eyed Jacks (Cinco Anos Depois), de Marlon Brando
1962: Mutiny on the Bounty (Revolta na Bounty), de Lewis Milestone, Carol Reed (não creditado)
1963: The Ugly American (Sua Excelência, o Embaixador), de George Englund
1964: Bedtime Story (Os Sedutores), de Ralph Levy
1965: Morituri ou “The Saboteur, Code Name Morituri” (Morituri), de Bernhard Wicki
1966: The Chase (Perseguição Impiedosa), de Arthur Penn
1966: The Appaloosa ou “Southwest to Sonora” (Um Homem sem Medo), de Sidney J. Furie
1967: A Countess from Hong Kong (A Condessa de Hong Kong), de Charles Chaplin
1967: Reflections in a Golden Eye (Reflexos num Olho Dourado), de John Huston
1968: Candy ou “Candy e il suo pazzo mondo” (Candy), de Christian Marquand
1968: The Night of the Following Day (A Noite do Último Dia), de Hubert Cornfield
1969: Queimada (Queimada), de Gillo Pontecorvo
1972: The Nightcomers (Os Perversos), de Michael Winner
1972: The Godfather (O Padrinho), de Francis Ford Coppola
1972: Ultimo Tango a Parigi ou “Last Tango in Paris” ou “Le Dernier Tango à Paris” (O Último Tango em Paris), de Bernardo Bertolucci
1976: The Missouri Breaks (Duelo no Missouri), de Arthur Penn
1978: Superman ou “Superman: The Movie” (Super-Homem, o Filme), de Richard Donner
1979: Apocalypse Now (1979) Apocalypse Now Redux (2001) (Apocalipse Now e Apocalipse Now Redux), de Francis Ford Coppola
1979: Roots: The Next Generations (Raizes: A Próxima Geração), de Lloyd Richards, John Erman, Charles S. Dubin, Georg Stanford Brown (mini-série para TV)
1980: The Formula (A Fórmula), de de John G. Avildsen
1989: A Dry White Season, de Euzhan Palcy
1990: The Freshman (O Caloiro da Máfia), de Andrew Bergman
1992: Christopher Columbus: The Discovery (Cristovão Colombo: A Descoberta), de John Glen
1992: The Godfather Trilogy (O Padrinho – A Trilogia), de Francis Ford Coppola
1995: Don Juan DeMarco (Don Juan de Marco), de Jeremy Leven
1996: The Island of Dr. Moreau (A Ilha do Dr. Moreau), de John Frankenheimer, Richard Stanley (não creditado, despedido e substituido por John Frankenheimer)
1997: The Brave (O Bravo), de Johnny Depp
1998: Free Money, de Yves Simoneau
2001: The Score (Sem Saída), de Frank Oz, Robert De Niro (não creditado)
2006: Big Bug Man, de Bob Bendetson, Peter Shin

2. Como Realizador
1961: One-Eyed Jacks (Cinco Anos Depois), deMarlon Brando

SESSÃO 30: 5 DE MAIO DE 2014

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 A JANELA INDISCRETA (1954)
“Janela Indiscreta”, rodado quase integralmente nos estúdios da Paramount, em Los Angeles, entre Novembro de 1953 e Janeiro de 1954, é indiscutivelmente uma das obras-primas de Alfred Hitchcock e igualmente um dos filmes mais fascinantes e interessantes sobre o que é o cinema. Muitos atacaram esta obra, por altura da sua estreia, acusando-a de voyeurismo. Nunca vi obra que o fosse mais, apesar de haver outras que o são tanto, mas calculo igualmente que muito raros são os filmes que não sejam voyeuristas, ou então não são cinema. O cinema, quase por definição, é observar os outros, através de uma objectiva. Olhá-los e registá-los em movimento. Se os olharmos e registarmos em plano fixo, a câmara é fotográfica e quem está por detrás dela é um fotógrafo. Em “Janela Indiscreta”, temos um pouco de tudo isso. Um fotógrafo que observa através da objectiva de uma máquina fotográfica, um cineasta que observa através de uma objectiva de câmara de filmar, e nós, espectadores de ambos, que assistimos a um registo através de uma janela que se abre no início da sessão e nos coloca na perspectiva de um ou dos dois anteriores voyeuristas. Este é um universo de voyeuristas, como nunca houve outro.
Porque se acusa alguém de ser voyeurista? Esta é uma questão essencial, que se deve colocar de início. Em termos de psicanálise, o termo é de entendimento complexo consoante as escolas que dele se abeiram desde Freud. Mas está sempre relacionado com uma prática de um indivíduo que gosta de ver outros, de forma mais ou menos escondida, retirando prazer, quase sempre de raiz sexual, libidinal, desse acto. Há quem aceite que o voyeurista necessita de um qualquer gesto de aquiescência do outro, do observado, há quem sustente o contrário, que é precisamente a ausência desse pacto que cria excitação no voyeur.
Parece-me uma definição muito redutora, levando sempre para um campo de patologia sexual, algo que pode ter outros significados. Olhar os outros, mesmo com alguma fixidez, pertence ao domínio do humano. O homem interessa-se normalmente pelo seu semelhante. Não é necessário existir um par nu num parque, ou no interior de um quarto, para justificar esse interesse. Neste caso, o voyeurista (se não está na presença de um exibicionista, o que faria que um ao outro se completassem harmoniosamente) incorreria num falta grave, imiscuindo-se na intimidade de outro, sem sua autorização. Seja ou não para satisfação sexual. O voyeurismo não é saudável, nem legalmente consentido, quando praticado por patologias sexuais, mas também não o é por paparazzis intrometidos, polícias que extravasam das suas competências, vigias abusadores, e tantas outras práticas culposas. Olhar o voyeurismo unicamente como desvio sexual parece-me, como já disse, redutor. 
O filme de Hitchcock, e outros, de alguns realizadores que depois dele abordaram a mesma questão, como Brian De Palma, em “Testemunha de Um Crime” (Body Double, 1984), ou Michael Haneke, em “Nada a Esconder” (Cache, 2005), para não citar senão os mais flagrantes, creio que aponta numa perspectiva mais ampla do que pode ser o voyeurismo.
Vejamos:
L. B. Jeffries, ou simplesmente Jeff (James Stewart), vive em Nova Iorque, mais precisamente num prédio de Greenwich Village, é fotógrafo profissional, teve um acidente em trabalho, partiu uma perna e encontra-se preso dentro do seu apartamento, com uma perna estendida e engessada. Recebe a visita da sua elegante noiva Lisa Carol Fremont (Grace Kelly) e, por vezes, a da sua empertigada e prestável empregada, Stella (Thelma Ritter). De resto, dorme, durante os dias e as noites quentes de verão, e, quando está acordado, vira a cadeira de rodas para a janela que dá para um pátio interno, rodeado de traseiras de outros edifícios residenciais. O que lhe permite olhar a vizinhança e entrar na privacidade compartilhada de alguns apartamentos com janelas abertas. Com a sua lente de grande alcance, vai acompanhando a bailarina que se exercita e toma o pequeno-almoço logo pela manhã, o casal de meia-idade que dorme de pijama nas escadas de serviço, a senhora que trata de uma gaiola com um passarinho, o pianista que se exercita em busca de inspiração, as festas dadas com algum burburinho, os recém-casados que deixam adivinhar uma actividade constante por detrás das cortinas corridas, e um outro casal de comportamento estranho, ela doente e agarrada a uma cama, ele entrando e saindo em suspeitas incursões. Jeff começa a desconfiar do senhor Lars Thorwald (Raymond Burr), depois do súbito desaparecimento da mulher, e resolve investigar, mesmo sem sair da sua janela. Com a colaboração de Lisa, de Stella e do tenente Thomas J. Doyle (Wendell Corey) tenta chegar à verdade. 
L. B. Jeffries é bisbilhoteiro, sim é. A janela da sua casa é o seu espectáculo, por força das circunstâncias. Mas não há em Jeff qualquer comportamento menos digno. Limita-se a olhar e a comentar com um sorriso ou um esgar. Aquele é um espectáculo idêntico ao de quem pára no meio da rua ou se senta num banco de jardim e se limita a ver passar quem se lhe atravessa à frente. Para Jeff, esse é o objecto do seu olhar. Para Hitch a sua câmara acompanha o espectáculo de Jeff olhando os outros. Para nós, espectadores, a cortina sobe logo no genérico, dando-se início à representação preparada para nós pelo mestre do suspense. Um olhar sobre um olhar sobre um olhar. A essência do cinema, que só existe enquanto tal, quando permanecem olhares de espectadores na sala escura. O olhar, enquanto tal, com o seu defeito que permite sobrepor imagens e imaginar o movimento (a persistência retiniana), é o objecto central desta “Janela Indiscreta”.
A tradução portuguesa de “Rear Window” ajuda a tornar mais ambígua a intenção da obra. “Rear” quer dizer traseira, “Rear Window” é simplesmente a “Janela Traseira”, sem qualquer carga de indiscrição.  
Mas olhar pode ser relancear a vista sobre algo ou “ver”, isto é, tentar interpretar o que se olha, aprofundar o significado do que se vê. Quando se vê um filme, um quadro, uma obra de arte, não se deve olhar só, mas “ver”, interrogar a realidade, interpretá-la, criticar as aparências, ir mais além. A um fotógrafo profissional, habituado a esse exercício diário, não se pode exigir indiferença. É o que faz quando suspeita de que o que vê não será apenas isso.
Portanto, voyeurismo sim, mas algo que nada tem de patológico, antes uma lição para o espectador distraído que deve ser mais exigente perante tudo o que lhe passa pela frente, quer seja um filme, um jornal de actualidades, um discurso oficial, uma promessa eleitoral. É essencial não ficar pela camada exterior, pelas aparências, e ir ao fundo das questões. Saber o porquê do que se vê.
Neste aspecto, “Rear Window” é mais um exercício brilhante de um dos grandes mestres do cinema, e uma lição sobre o próprio cinema. A forma como está construído é brilhante, profundamente cinematográfica, visual, expondo o essencial através da imagem e solicitando ao olhar do espectador uma constante atenção a cada pormenor para melhor entender a globalidade da obra. James Stewart é magistral, preso a uma cadeira, durante quase duas horas, e nuanceando a expressão à medida das necessidades, criando a inquietação através dos reflexos da realidade no seu olhar. Grace Kelly torna-se a diva inspiradora de Hitch apenas com este filme. Hitchcock teria encontrado a sua actriz para o resto da sua carreira, se Grace não tivesse encontrado o seu príncipe encantando. A sua beleza, elegância e talento explodem nesta obra de uma sensualidade contida, refreada, tal como o mestre do suspense gostava dela. O cenário é magnífico, a fotografia notável, a música envolvente, o resultado final uma obra-prima. 

A JANELA INDISCRETA
Título original: Rear Window
Realização: Alfred Hitchcock (EUA, 1954); Argumento: John Michael Hayes, segundo conto de Cornell Woolrich ("It Had to Be Murder"); Produção: James C. Katz, Alfred Hitchcock; Música: Franz Waxman; Fotografia (cor):Robert Burks; Montagem: George Tomasini; Direcção artística: J. McMillan Johnson, Hal Pereira; Decoração: Sam Comer, Ray Moyer; Maquilhagem:Wally Westmore; Direcção de produção: C.O. Erickson; Assistentes de realização: Herbert Coleman; Departamento de arte: Dorothea Holt, Gene Lauritzen; Som: John Cope, Harry Lindgren, Harry E. Snodgrass; Efeitos visuais: John P. Fulton, Irmin Roberts; Companhias de produção: Paramount Pictures, Patron Inc.; Intérpretes: James Stewart (L.B. 'Jeff' Jeffries), Grace Kelly (Lisa Carol Fremont), Wendell Corey (Det. Lt. Thomas J. Doyle), Thelma Ritter (Stella), Raymond Burr (Lars Thorwald), Judith Evelyn (Miss Lonelyhearts), Ross Bagdasarian, Georgine Darcy, Sara Berner, Frank Cady, Jesslyn Fax, Rand Harper, Irene Winston, Havis Davenport, Alfred Hitchcock (homem com relógio no apartamento do escritor de canções), etc.Duração: 112 minutos; Distribuição em Portugal: Universal (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 23 March 1955.

ALFRED HITCHCOCK
 (1899-1980)
Alfred Joseph Hitchcock nasceu a 13 de Agosto de 1899, em Leytonstone, Essex, Londres, segundo filho dos três que o casal William Hitchcock (1862–1914) e Emma Jane Hitchcock (Whelan de nome de nascimento: 1863–1942) deram à luz. O pai tinha um lugar de venda de frutas e hortaliças e uma forte convicção religiosa, católica e puritana, que o levou a enviar o filho para uma escola londrina, o St. Ignatius College, em Stamford Hill, de forte inspiração jesuíta, baseado nos ensinamentos de Inácio de Loyola.
Aos 14 anos, Hitchcock ficou órfão de pai, teve de abandonar a escola que frequentava e passou a cursar a London County Council School of Engineering and Navigation, em Poplar. Principia a trabalhar, o que faz na W. T. Henley Telegraph and Cable Company, como fabricante de cabos eléctricos, onde desenvolveu igualmente trabalhos em design gráfico de publicidade. Pouco depois começa a interessar-se por fotografia e cinema, e o seu primeiro trabalho nesta área é desenhar genéricos e intertítulos para filmes mudos. Em 1920 vamos encontrá-lo nos Islington Studios, uma sucursal de estúdios norte-americanos, da Famous Players-Lasky, e da sua sucessora inglesa, Gainsborough Pictures. Colabora numa série de obras de que, na actualidade, se desconhecem cópias. Sabem-se os títulos: “The Call of Youth”, “The Great Day”, “Appearances”, “The Mystery Road”, “The Princess of New York”, “Dangerous Lies” ou  “The Bonnie Brier Bush”, todos de 1921. De designer gráfico, passou rapidamente a director de arte, a assistente de realização, argumentista, e realizador. São deste período filmes como “The White Shadow”, “The Prude's Fall”, “The Passionate Adventure” ou “Die Prinzessin und der Geiger”, rodado na Alemanha, no Studio Babelsberg, em Potsdam, perto de Berlim, e dirigido por Graham Cutts. Na Alemanha, Hitchcock observa o labor de Fritz Lang, Pabst e Murnau, cineastas que o irão influenciar a partir daí. “Com Murnau, aprendi a contar uma história sem palavras.”
Entretanto, tem os seus escritores preferidos, desde a juventude, Dickens, Poe, Chesterton, Conan Doyle, Wilkie Collins, entre outros. Perde-se a frequentar museus. Detesta o escuro: “A escuridão representa o desconhecido e sempre preferi o que me era familiar. Uma pessoa nunca sabe o que pode estar à espreita na escuridão.”
O início da sua carreira como realizador parece ter sido difícil. Em 1921, por doença do director Hugh Croise, termina, de colaboração com Seymour Hicks, “Always Tell Your Wife”, uma curta-metragem, onde o seu nome não aparece creditado. Em 1922, inicia “Number 13”, que nunca terminou e de que, tudo indica, se terá perdido todo o material. Segue-se “The Pleasure Garden” (O Jardim do Prazer) cuja realização Michael Balcon, da Gainsborough Pictures, entrega a Hitchcock que o roda nos estúdios da UFA, na Alemanha, mas que se transforma num verdadeiro desastre comercial. Em 1926, o drama “The Mountain Eagle” (na América distribuído sob o título “Fear of God”, ao que tudo indica), filmado nos Alpes do Tirol, desapareceu de circulação. O primeiro grande sucesso de Hitchcock como director surge em 1926, com um filme de “suspense”, bem à sua maneira, com um falso culpado e tudo. É mais uma variação sobre o caso de Jack, o Estripador, adaptando um romance de Marie Belloc Lowndes. “The Lodger: A Story of the London Fog” foi o maior sucesso do cinema britânico em 1927 e assinala influências muito seguras do expressionismo alemão, que, aliás, irão perseguir o autor ao longo de toda a sua carreira. Esta será, igualmente, a primeira obra que conta com a sua rápida aparição física (num “cameo”), como figurante, efeito que se irá tornar obsessivamente uma das suas marcas. Para Hitch, este terá sido o seu primeiro filme verdadeiramente “hitchcockeano”.
No seu período inglês cimenta uma reputação que o faz chegar triunfalmente à América. O êxito de obras como “O Homem que Sabia Demasiado”, “Os 39 Degraus” ou “Desaparecida” chamaram a atenção dos grandes estúdios de Hollywood e Alfred Hitchcock, a convite do produtor David O. Selznick, parte para os EUA, em 1939. O primeiro filme rodado em território americano foi “Rebecca”, com o qual foi de imediato nomeado como melhor realizador e a obra melhor filme do ano, estatueta esta que viria a vencer. Os seus trabalhos seguintes confirmam-no como um dos maiores cineastas de sempre.
Casado com Alma Reville, sua companheira e colaboradora ao longo de toda a vida, em Setembro de 1940, a família compra um rancho perto de Scotts Valley nas Santa Cruz Mountains. Trata-se do Cornwall Ranch, que passará, a partir daí, a ser a residência oficial, quando não permanecem na sua casa de Bel Air. Hitchcock morre no dia 29 de Abril de 1980, de insuficiência renal, na sua casa de Bel Air, Los Angeles. Tinha 80 anos. O corpo foi cremado e as cinzas lançadas sobre o Oceano Pacífico. Quatro meses antes, recebera das mãos da Rainha Isabel II a comenda de Cavaleiro da Ordem do Império Britânico. Entretanto, em 1979, a AFI entregara-lhe o “Life Achievement Award” desse ano.
Afirmar Alfred Hitchcock como “o mestre do suspense” é dizer muito pouco. Ele foi-o incontestavelmente, mas ao analisar globalmente a sua obra não se deve ficar com a ideia de que Hitch era um mero realizador de divertimentos macabros que empolgaram as plateias de todo o mundo. Alfred Hitchcock foi um dos grandes autores da história do cinema, por muito que ele procurasse aligeirar a concepção e repetisse amiudadas vezes que “Não passa de um filme!”.
A sua filmografia é das que maior coerência ostenta em toda a história do cinema. Hitch era homem de convicções fortes, de obsessões firmes, de temática constante, de um rigor formal e estilístico que assombram. Ainda hoje, a maioria dos seus filmes não se deixou corromper por uma ruga, não envelheceu um minuto e mantém uma modernidade de olhar e de construção que espantam. Alfred Hitchcock abordou os assuntos do seu tema, mas interessou-se sobretudo pela condição humana. O que é eterno. Fê-lo, simultaneamente, com um entusiasmo e um distanciamento, um humor e uma profundidade, um realismo e uma intuição que o tornam impar. Foi contemporâneo do seu tempo sem se deixar aprisionar pelo imediatismo das questões.
Parece lenda, mas a família corrobora, inclusive a sua filha Patricia Hitchcock: quando era muito jovem, Alfred Hitchcock foi apanhado pelo pai numa qualquer traquinice que a severidade da educação católica não permitia. Como castigo, William Hitchcock escreveu um rápido recado num bilhete, meteu-o na mão do filho, e mandou-o levar a um polícia amigo, numa esquadra próxima. O recado dizia que o jovem devia ser enclausurado numa cela. Assim se fez e Alfred Hitchcock conheceu o terror, não mais de alguns minutos, é certo, mas o bastante para o marcar para a vida toda.
Em virtude da sua obra futura, quase poderíamos saudar o acontecimento, tanto mais que a sua vida privada não parece ter sido particularmente aterrorizada pela ocorrência. Mas todas as peripécias da sua juventude ter-se-ão vincado bem na obra que viria a construir. Também a mãe parece não ter sido branda nos castigos que impunha. Obrigava muitas vezes o jovem Hitch a ficar horas, de pé, ao lado da sua cama, como punição para qualquer pequena travessura. Obeso desde criança, Hitch sentia-se só e mal amado. O seu modelo de homem era Gary Grant, confessa anos mais tarde, mas o seu humor fazia-o ultrapassar os possíveis traumas. “O meu maior sonho era entrar numa loja de roupa de homem e comprar um fato já feito.” Terá transportado para os seus filmes todas estas experiências, numa espécie de exorcismo, ou de sublimação.

Filmografia:
Como realizador:
Período inglês
1922: Number 13 (não terminado, possivelmente perdido);
1923: Always Tell Your Wife  
1925: The Pleasure Garden (O Jardim do Prazer)
1926: The Mountain Eagle (A Águia da Montanha) 
1927: The Lodger, a Story of the London Fog (O Hóspede)
1927: Downhill (O Declive)  
1927: The Ring (O Anel)
1928: Easy Virtue (Virtude Fácil)
1928: The Farmer's Wife (A Mulher do Lavrador)
1928: Champagne (Champagne)
1929: The Manxman (Pobre Pete)
1929: Harmony Heaven (Céu Harmonioso)
1929: Blackmail (Chantagem)
1930: Elstree Calling (Elstree Chama) 
1930: An Elastic Affair
1930: Juno and the Paycock (Juno e Paycock)
1930: Murder! (Assassínio)
1931: The Skin Game (Jogo Fraudulento)
1931: Mary (Maria)
1932: Rich and Strange (Ricos e Estranhos)
1932: Number Seventeen (Número Dezassete)
1932: Lord Camber’s Ladies
1934: The Man Who Knew Too Much (O Homem Que Sabia Demasiado)
1933: Waltzes from Vienna (Valsas de Viena)
1935: The 39 Steps (Os 39 Degraus)
1936: Secret Agent (Os 4 Espiões)
1936: Sabotage (À 1 e 45)
1937: Young and Innocent (Jovem e Inocente)
1938: The Lady Vanishes (Desaparecida!)
1939: Jamaica Inn (A Pousada da Jamaica)

Período americano
1940: Rebecca (Rebecca)
1940: Foreign Correspondent (Correspondente de Guerra)
1941: Mr. & Mrs. Smith (O Sr. e Sra. Smith)
1941: Suspicion (Suspeita)
1942: Saboteur (Sabotagem)
1943: Shadow of a Doubt (Mentira)
1944: Aventure Malgache (Aventura Malgache)
1944: Bon Voyage (Boa Viagem) 
1944: Lifeboat (Um Barco e Nove Destinos)
1944: The Fighting Generation
1945: Watchtower Over Tomorrow  
1945: Spellbound (A Casa Encantada)
1946: Notorious (Difamação)
1947: The Paradine Case (O Caso Paradine)
1948: Rope (A Corda)
1949: Under Capricorn (Sob o Signo de Capricórnio)
1950: Stage Fright (Pânico nos Bastidores)
1951: Strangers on a Train (O Desconhecido do Norte-Expresso)
1953: I Confess (Confesso!)
1954: Dial M for Murder (Chamada para a Morte)
1954: Rear Window (A Janela Indiscreta)
1955: To Catch a Thief (Ladrão de Casaca)
1955: The Trouble with Harry (O Terceiro Tiro)
1956: The Man Who Knew Too Much (O Homem Que Sabia Demais)
1956: The Wrong Man (O Falso Culpado)
1958: Vertigo (A Mulher Que Viveu Duas Vezes)
1959: North by Northwest (Intriga Internacional)
1960: Psycho (Psico)
1963: The Birds (Os Pássaros)
1964: Marnie (Marnie)
1966: Torn Curtain (Cortina Rasgada)
1969: Topaz (Topázio)
1972: Frenzy (Perigo na Noite)
1976: Family Plot (Intriga em Família)

Realizador e produtor de TV
1955-1962: Alfred Hitchcock Presents: 268 episódios, dos quais alguns dirigidos por si:
1955: "Revenge", "Breakdown", "The Case of Mr. Pelham".
1956: "Back for Christmas", "Wet Saturday", "Mr. Blanchard's Secret".
1957: "One More Mile to Go", “Four O’Clock”, "The Perfect Crime".
1958: "Lamb to the Slaughter", "Dip in the Pool", "Poison".
1959: "Banquo's Chair", "Arthur", "The Crystal Trench".
1960: “Incident at Corner”, "Mrs. Bixby and the Colonel's Coat".
1961: "The Horseplayer", "Bang! You're Dead", “I Saw The Whole Thing”.
1962-1965: The Alfred Hitchcock Hour: 92 episódios, tendo dirigido apenas 1 deles, "I Saw the Whole Thing" (1962).
1957: dirigiu o episódio "Four O'Clock" da série “Suspicion”.
1960: dirigiu o episódio "Incident at a Corner" da série “Startime”.

GRACE KELLY (1929 – 1982)
Grace Patricia Kelly nasceu a 12 de Novembro de 1929, em Filadélfia, Pensilvânia, EUA, e faleceu a 14 de Setembro de 1982, no Mónaco, vítima de um acidente de automóvel.
De ascendência irlandesa e alemã, era a segunda filha de Jack Kelly e Margaret Katherine Maier, o pai campeão olímpico de remo e a mãe treinadora desportiva. Grace Kelly desde muito nova demonstrou interesse pelo teatro, tendo actuado, ainda quando criança, em várias peças escolares. Estudou na Ravenhill Academy e na Stevens School, onde se graduou, ambas em Germantown, Pensilvânia. Mudou então para Nova Iorque para estudar teatro na Academia Americana de Artes Dramáticas. Tendo na família vários parentes que gostavam e praticavam artes cénicas, Grace foi por eles encorajada. Passou a viver no “Barbizon Hotel for Women”, um hotel de prestígio para mulheres endinheiradas, onde era impedida a entrada de homens depois das 22 horas, e começou a trabalhar como modelo para sustentar os estudos. A sua estreia nos palcos da Broadway foi em “The Father”, de August Strindberg. O produtor e realizador Delbert Mann, após ver Grace Kelly num dos vários episódios por si interpretados na TV, convida-a a integrar o elenco da produção televisiva “Bethel Merriday”, uma adaptação da obra de Sinclair Lewis, e depois para integrar o elenco do filme “Fourteen Hours”, de Henry Hathaway. Foi durante a rodagem desta obra que Gary Cooper a notou, afirmando que ela era "diferente de todas as actrizes que ele via com frequência”. Pouco depois recebia um convite de Stanley Kramer, que lhe ofereceu o papel principal do filme “High Noon”, de Fred Zinnemann. O filme trouxe-lhe um contrato de oito anos com a MGM. Em 1953, foi convidada por John Ford para integrar o elenco de “Mogambo”, dado que Gene Tierney desistira do papel. Grace Kelly recebeu um Globo de Ouro na categoria Melhor Actriz Secundária, e uma nomeação ao Oscar na mesma categoria. Em 1954, Alfred Hitchcock chama-a para “Dial M for Murder”, a que se seguem “Rear Window” e “To Catch a Thief”. Grace ficou conhecida como a “Musa de Hitchcock”. Com “The Country Girl”, de George Seaton, ganha o Oscar, e até 1956, data em que abandona o cinema, ainda interpreta “Green Fire”, de Andrew Marton, “The Bridges at Toko-Ri”, de Mark Robson, “The Swan”, de Charles Vidor e “High Society”, de Charles Walters.             Pouco depois, casa com o Príncipe Rainier do Monaco, tornando-se assim princesa, muito badalada em revistas de jet set. Teve três filhos, Carolina, Alberto II e Estefânia. Morreu em 1982, num acidente de automóvel, com 52 anos de idade. Está sepultada na Catedral de São Nicolau, na cidade do Mónaco.

Filmografia:
1948-1954 Kraft Television Theatre (série de TV) – episódios “Old Lady Robbins”, “The Small House”, “The Cricket on the Hearth”, “Boy of Mine” e “The Thankful Heart”
1950: Somerset Maugham TV Theatre (série de TV) – um episódio
1950: The Clock (série de TV) – episódio “Vengeance”
1950: Big Town (série de TV) – episódio “The Pay-Off”
1950: Actor's Studio (série de TV) - episódios “The Swan”, “The Token”, “The Apple Tree” 
1950: Believe It or Not (série de TV) – episódio “The Voice of Obsession”
1950-1952 Studio One (série de TV) – episódios “The Kill”, “The Rockingham Tea Set”
1950-1952: Lights Out (série de TV) – episódios – “The Borgia Lamp” (1952)
“The Devil to Pay” (1950)
1950-1952: Danger (série de TV) – episódios – “Prelude to Death2 (1952)
“The Sergeant and the Doll” (1950)
1950-1953 The Philco Television Playhouse (série de TV) – episódios “The Way of the Eagle”, “Rich Boy”, “The Sisters”, “Leaf out of a Book”, “Ann Rutledge”, “Bethel Merriday”
1951: Fourteen Hours (14 Horas), de Henry Hathaway
1951: Nash Airflyte Theatre (série de TV) – episódio “A Kiss for Mr. Lincoln”
1951: The Prudential Family Playhouse (série de TV) - episódio “Berkeley Square” (1951)
1951-1952 Armstrong Circle Theatre (série de TV) – episódios “Recapture”, “City Editor”, “Brand from the Burning”, “Lover's Leap”
1952: High Noon (O Comboio Apitou Três Vezes), de Fred Zinnemann
1952: Goodyear Television Playhouse (série de TV) – episódio “Leaf Out of a Book”
1952: The Big Build Up (teledramático) – episódio “Don Quixote”
1952: Suspense (série de TV) – episódio “Fifty Beautiful Girls”
1952: Robert Montgomery Presents (série de TV) – episódio “Candles for Theresa”
1952-1953 Lux Video Theatre (série de TV) – episódios “The Betrayer”, “A Message for Janice”, “Life, Liberty and Orrin Dudley”
1953: Mogambo (Mogambo), de John Ford
1954: Dial M for Murder (Chamada para a Morte), de Alfred Hitchcock
1954: Rear Window (Janela Indiscreta), de Alfred Hitchcock
1954: The Country Girl (Para Sempre), de George Seaton   
1954: Green Fire (Tentação verde) de Andrew Marton
1954: The Bridges at Toko-Ri (As Pontes de Toko-Ri), de Mark Robson
1955: To Catch a Thief (1955 Ladrão de Casaca), de Alfred Hitchcock
1956: The Swan (O Cisne), de Charles Vidor
1956: High Society (Alta Sociedade), de Charles Walters

SESSÃO 31: 12 DE MAIO DE 2014

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JOHNNY GUITAR (1954)
“Johnny Guitar” é um dos meus westerns preferidos, e posso confessar também que o western é um género de minha particular estima. Estamos, portanto, num território sagrado para uma grande maioria de cinéfilos.
"Play guitar, play guitar..., nunca houve um homem como Jonhny, como aquele a quem chamam Guitar”. Esta é uma das frases finais da canção que serve de fundo musical às derradeiras imagens de “Johnny Guitar”, um western de Nicholas Ray, dirigido em 1953. Glosando o tema, poderia dizer-se que nunca houve um western como este (de um cineasta de quem Jean Luc Godard, nos seus bons velhos tempos, dizia "O cinema é Nicholas Ray").
“Johnny Guitar” é, antes de ser tudo o mais, um vibrante poema de amor, de um lirismo violento e brutal. Um poema que atravessa os terrenos da tragédia e aí se purifica numa catarse radical que tem o fogo e a água como elementos redentores. “Johnny Guitar” é, aliás, uma obra que repousa no jogo dialéctico dos elementos e das cores. Um clima de ameaça estende-se ao longo de toda a película, a que o "trucolor" da "Republic Pictures" dá forma real e contornos definidos. Oscilando entre o vermelho-castanho e o azul-cinza-negro, “Johnny Guitar” é, subitamente, marcado pela aparição de um branco purificador, nessa sequência admirável em que Joan Crawford espera a chegada dos vigilantes tocando piano num "saloon" deserto. Mercedes MacCambridge, na fabulosa composição da puritana e frustrada Emma, invade então o terreno sagrado, violando com uma seta de negros presságios esse espaço de liberdade e amor. Nessa altura, a ameaça não são só as cores dos fatos que envolvem os homens, mas a própria coreografia das marcações que cria aves de rapina e carrascos prontos a desferir o golpe decisivo nas vítimas indefesas.
Realizado em 1953, na América, “Johnny Guitar” conta com um argumento admirável de um especialista do género, Philp Yordan, que adapta o que nos dizem ser um romance medíocre. Obra excepcionalmente trabalhada, “Johnny Guitar” é ainda uma tomada de posição frente a questões de natureza social e política que dominaram os EUA nos inícios da década de 50. Nessa perspectiva, os linchamentos de Turkey e Vienna adquirem significados precisos, bem assim como todo o cruel interrogatório de Turkey, pouco depois de ser descoberto moribundo. Os métodos revelam-se subitamente actuais. Por ali passava a sombra de MacCarthy, senador da "caça às bruxas".
Johnny Guitar regressa a Vienna cinco anos depois de ter partido. Havia-a conhecido num "saloon", vem encontrá-la noutro. Com a diferença de que este é dela. Cada pedra dessa construção barroca tem um significado profundo para essa mulher que conheceu da vida o melhor e pior. Quando Johnny e Vienna se reencontram, procuram enterrar o passado. As perguntas que se esboçam ficam sem resposta, num dos mais fulgurantes e míticos diálogos de toda a história do cinema. Mas o passado vai ressuscitando pouco a pouco. Johnny Guitar voltará a ser Johnny Logan, depois de ter retomado o revólver e esquecido a guitarra no "saloon" envolto em chamas.
Os heróis de Ray são homens cansados e vividos que, no entanto, acreditam ainda nos ideais de juventude, que procuram no amor uma razão de ser e de agir. O amor, em “Johnny Guitar”, ocupa um lugar destacado sobretudo no que se refere às relações entre Johnny e Vienna, que se concretizam num misto de atracção-desejo e protecção maternal (da parte de Vienna) ou protecção física, fase às ameaças exteriores (da parte de Johnny Logan).
"O que funda o western é, não o herói ou o aventureiro, mas um certo acordo realizado entre o mundo, natural e social, e o homem,"disse Bernard  Dort numa obra dedicada ao western. É em busca dessa ordem perdida que Johnny Guitar intervém. Numa das sequências iniciais, um copo de uísque entornado roda sobre si próprio, até quase cair do balcão. Johnny Guitar irá impedir a queda no segundo preciso. Da mesma maneira, será Guitar que, algum tempo depois, salvará Vienna da corda que lhe enrolaram ao pescoço.
Johnny Guitar é o homem que vem de longe para reequilibrar as situações, suspendendo movimentos em situações de perigo. Ele é o homem que procura a felicidade perdida, o equilíbrio inicial, esse estado de graça em que, para um homem se sentir verdadeiramente homem, lhe bastam "uma chávena de café e um bom cigarro." Mas, curiosamente, este é um western onde são duas mulheres que detêm os elementos essenciais do confronto, aquelas entre quem se estabelecem as grandes linhas de tensão. Na verdade, é entre Vienna e Emma que tudo se joga, entre o futuro de uma região e o seu passado, entre o progresso e a estagnação, entre a tolerância e o fanatismo, entre o desejo satisfeito e o desejo frustrado. Entre o Amor e o Ódio.
Contrariando quase todas as regras do género (em lugar dos grandes espaços abertos, este é um western que se encerra deliberadamente em interiores, sendo simultaneamente uma obra onde a palavra adquire uma importância decisiva), “Johnny Guitar” é, apesar disso, ou por causa disso, um dos mais espantosos e fulgurantes westerns de toda a sua história. Seguramente também um dos mais belos diálogos escritos para cinema, em toda a sua historia. E Nicholas Ray, certamente, um dos mais extraordinários cineastas norte-americanos.

JOHNNY GUITAR
Título original: Johnny Guitar
Realização: Nicholas Ray (EUA, 1954); Argumento: Philip Yordan, Ben Maddow, Nicholas Ray, segundo romance de Roy Chanslor; Produção: Herbert J. Yates e Nicholas Ray;Música: Victor Young; Fotografia (cor): Harry Stradling Sr.; Montagem: Richard L. Van Enger; Direcção artística: James W. Sullivan; Decoração: Edward G. Boyle, John McCarthy Jr.; Guarda-roupa: Sheila O'Brien; Maquilhagem: Peggy Gray, Bob Mark; Assistentes de realização: Herbert E. Mendelson; Som: T.A. Carman, Howard Wilson; Efeitos especiais: Howard Lydecken, Theodore Lydecker; Companhias de produção: Republic Pictures; Intérpretes: Joan Crawford (Vienna), Sterling Hayden (Johnny 'Guitar' Logan), Mercedes McCambridge (Emma Small), Scott Brady (Dancin' Kid), Ward Bond (John McIvers), Ben Cooper (Turkey Ralston), Ernest Borgnine (Bart Lonergan), John Carradine (Old Tom), Royal Dano, Frank Ferguson, Paul Fix, Rhys Williams, Ian MacDonald, etc. Duração: 110 minutos; Distribuição em Portugal: Cine Digital (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 28 de Janeiro de 1955.

NICHOLAS RAY (1911 – 1979)
Raymond Nicholas Kienzle, nome de baptismo de Nicholas Ray, nasceu em Galesville, Wisconsin, EUA, a 7 de Agosto de 1911, e viria a falecer em Nova Iorque, a 16 de Junho de 1979. Estudou arquitectura, tendo contactado com Frank Lloyd Wright. Foi actor de teatro, aluno de Elia Kazan e John Houseman, participou em espectáculos itinerantes e depois integrou elencos da Broadway. Em 1938 interessou-se pelo folclore americano. Escreveu e produziu um programa radiofónico, “Back Where I Came From”. De 1942 a 1948 foi encenador teatral na Broadway. Começou a carreira cinematográfica como assistente de realização de Elia Kazan, em “A Tree Grows in Brooklyn”.
O seu cinema deu sempre especial atenção a marginais e heróis frágeis em confronto com uma sociedade onde dificilmente se integram, o que é tão visível na figura de Cristo como na de alguns fora-da-lei ou jovens em revolta. Esta fragilidade é posta em contacto com situações de grade violência psicológica e física, onde acabam normalmente por ser trucidados. Apenas o amor, arrebatado e infinito, os pode salvar, mesmo que metaforicamente. Éric Rohmer, então crítico da revista “Cahiers du Cinema”, considerou-o “o mais importante cineasta do pós-guerra” e Jean-Luc Godard acreditava ser Ray a expressão pura do cinema.
Após o falhanço de “55 Days at Peking” abandonou o cinema comercial, dedicou-se ao ensino em universidades e em palestras, até se retirar quando soube que tinha um cancro. Mas Wim Wenders, que muito o admirava, convidou-o para interpretar um papel em “O Amigo Americano”, de 1977, e co-dirigiu com ele o documentário “Lightning Over Water”, sobre os últimos momentos de Nicholas Ray na sua luta contra o cancro. Foi cremado e suas cinzas foram enterradas no jazigo de sua mãe.
Nicholas Ray foi casado com Jean Evans (1930 – 1940), Gloria Grahame, (1948 – 1952), Betty Utey, e  Susan Ray (1969 – 1979). Em 1960, Gloria Grahame, ex-mulher de Nicholas Ray, casou-se com Anthony Ray, filho do realizador, e seu ex-enteado, o que provocou grande escândalo em Hollywood.

Filmografia
1945: A Tree Grows in Brooklyn (Laços Humanos), de Elia Kazan (assistente de realização)           
1949: They Live By Night (Os Filhos da Noite)
1949: A Woman's Secret (O Segredo Íntimo de uma Mulher)
1949: Knock on Any Door (O Crime não Compensa)   
1949: Ódios Eternos (não creditado)
1950: Born To Be Bad (A Deusa do Mal)         
1950: In a Lonely Place (Matar ou não Matar)
1951: Flying Leathernecks (Inferno nas Alturas)      
1951: On Dangerous Ground (Cega Paixão)
1951: Suborno (não creditado)
1952: The Lusty Men (Idílio Selvagem)          
1952: Androcles and the Lion (não creditado)
1952: Macau (Macau) (não creditado)
1954: Johnny Guitar (Johnny Guitar)
1954: General Electric Theater (TV series) episódio “The High Green Wall”
1955: Rebel Without a Cause (Fúria de Viver)
1950: Run For Cover (O Fugitivo)      
1956: Bigger Than Life (Atrás do Espelho)    
1950: Hot Blood (Sangue Cigano)       
1957: Bitter Victory/Amere Victoire (Cruel Vitória)  
1950: The True Story Of Jesse James (A Justiça de Jesse James)
1958: Party Girl (A Rapariga Daquela noite)  
1950: Wind Across The Everglades (A Floresta Interdita)     
1959: On Trial (série de TV) episódio High Green Wall
1959: The Savage Innocents (Sombras Brancas)
1961: King of Kings (Rei dos Reis)
1963: 55 Days at Peking (55 Dias de Pequim)           
1964: Circus World (O Mundo do Circo), de Henry Hathaway (co-argumentista)
1974: I'm a Stranger Here Myself      
1974: Wet Dreams (Sonhos Húmidos), de Lasse Braun, Max Fischer, Oscar Gigard, Hans Kanters, Geert Koolman, Lee Kraft, Dusan Makavejev, Nicholas Ray (episódio "The Janitor"), Jens Jørgen Thorsen e Heathcote Williams
1976: We Can't Go Home Again
1977: Der Amerikanische Freund (O Amigo Americano), de Wim Wenders (só actor)
1978: Marco (curta-metragem)
1979: Hair (Hair) de Milos Forman (só actor)
1980: Lightning Over Water ou Nick's Movie - Um Acto de Amor, de Wim Wenders e Nicholas Ray (também actor)  
1982: Crystal Gazing (só actor)

JOAN CRAWFORD (1905-1977)
De seu verdadeiro nome Lucille Fay LeSueur, Joan Crawford nasceu a 23 de Março de 1905, em San Antonio, Texas, EUA, e faleceu a 10 de Maio de 1977, com 72 anos, em Nova Iorque, NY, EUA. Teve uma infância difícil e uma vida esmaltada de casos e escândalos. Cedo se tornou dançarina, o que lhe garantia a sobrevivência. Trabalhava num bar, dirigido por Henry Richman, quando conheceu Nils Granlund, um dos amantes da actriz Clara Bow. Como precisava de andar bem vestida, conta-se, Granlund facultou-lhe o dinheiro para ela comprar a roupa necessária, e, quando Lucille foi ao seu escritório para passar o modelo, e se encontrava despida a prová-lo, entrou, sem bater à porta, Marcos Loew, da MGM, que gostou tanto do que viu que a contratou por cinco anos para a Metro Goldwyn Mayer. Assinou contrato em 1925 e estreou-se no cinema em “Pretty Ladies”, ainda na época do cinema mudo. Lucille Fay LeSueur aprendeu rapidamente a subir na vida, e como o fazer, o que era uma quase norma na Holywood de então. Lá foi demonstrando o seu talento de responsável em responsável. Mas o nome não agradava e havia que mudá-lo. A revista “Movie Weekly” organizou um concurso e a proposta vencedora foi a que Lucille adoptou, Joan Crawford.
Nomeada por três vezes para o Oscar de Melhor Actriz: em 1945, por “Mildred Pierce” (Alma em Suplício), de Michael Curtiz, que venceu, em 1947, por “Possessed” (Loucura de Amor), de Curtis Bernhardt, e, em 1952, por Sudden Fear (Medo Súbito), de David Miller. Uma das suas coras de glória é “Johnny Guitar”, mas, curiosamente, um dos seus filmes mais queridos, que se tornou um cult movie, é “What Ever Happened to Baby Jane?” (Que Teria Acontecido a Baby Jane?), de Robert Aldrich, de 1962, quando já nela nada refulgia como nos seus tempos de juventude, e se encontrava, mais um vez, em confronto, desta feita directo, com a sua rival de sempre, Bette Davis.
Foi casada quatro vezes. Com os actores Douglas Fairbanks Jr., Franchot Tone e Philip Terry e, o quarto casamento, com o empresário Alfred Steele, o maior accionista da Pepsi Cola, de quem ficou viúva em 1959, herdando o cargo de presidente do conselho da empresa. Não teve filhos mas adoptou quatro crianças: Christina, Christopher e as gémeas Cynthia "Cindy" e Cathy. No seu testamento, escrito pouco tempo antes de sua morte, Joan Crawford deserdou os seus dois filhos mais velhos, Christina e Christopher, legando uma parcela ínfima da sua fortuna, avaliada em cerca de dois milhões de dólares, aos outros dois. Morreu em 1977 e encontra-se sepultada no Ferncliff Cemetery, Hartsdale, Condado de Westchester, Nova Iorque, EUA.
Após a morte, a sua filha mais velha, Christina Crawford, publicou “Mommie Dearest”, um livro autobiográfico que se tornou rapidamente “best-seller”, onde descrevia Joan como uma megera, alcoólica e péssima mãe, cujos filhos teria adoptado com fins apenas publicitários. O livro foi mais tarde adaptado ao cinema, com Faye Dunaway no papel de Crawford.

Filmografia:
Filmes mudos
1925: Pretty Ladies de Monta Bell (com o nome de Lucille Le Sueur)
1925: Lady of the Night (A Ave Nocturna), de de Monta Bell
1925: Proud Flesh (Orgulho Vencido), de King Vidor            
1925: A Slave of Fashion (A Escrava da Moda), de Hobart Henley
1925: The Merry Widow (A Viúva Alegre), de Erich von Stroheim    
1925: Pretty Ladies (A Mosca Negra), de Monta Bell 
1925: The Circle (A Eterna História), de Frank Borzage       
1925: The Midshipman (O Guarda-Marinha, de Christy Cabanne
1925: Old Clothes (O Trapeiro), de Edward F. Cline
1925: The Only Thing, de Jack Conway
1925: Sally, Irene and Mary (A Lindíssima Trindade), de Edmund Goulding 
1925: Ben-Hur: A Tale of the Christ, de Fred Niblo, e ainda Charles Brabin, Christy Cabanne, J.J. Cohn e Rex Ingram (não creditados)
1926: Tramp, Tramp, Tramp (Sempre a Andar), de Harry Edwards
1926: The Boob (Como se Faz um Herói), de William A. Wellman     
1926: Paris (Uma Aventura em Paris), de Edmund Goulding 
1927: Winners of the Wilderness (A Conquista da América), de W.S. Van Dyke
1927: The Taxi Dancer (Castelo de Cartas), de Harry F. Millarde     
1927: The Understanding Heart, de Jack Conway    
1927: The Unknown (O Homem Sem Braços), de Tod Browning        
1927: Twelve Miles Out (Fora da Lei Seca), de Jack Conway            
1927: Spring Fever (O Rei do Golf), de Edward Sedgwick     
1928: West Point (Cadete de West Point), de Edward Sedgwick      
1928: The Law of the Range, de William Nigh           
1928: Rose Marie (Rosa Maria), de Lucien Hubbard  
1928: Across to Singapore (Uma Noite em Singapura), de William Nigh       
1928: Four Walls (Prisão Redentora), de William Nigh
1928: Our Dancing Daughters (Meninas da Moda), de Harry Beaumont          
1928: Dream of Love (Sonho de Amor), de Fred Niblo          
1929: The Duke Steps Out (O Novo Campeão), de James Cruze       
1929: Tide of Empire, de Allan Dwan            
1929: Our Modern Maidens (Mocidade Ardente), de Jack Conway   

Filmes sonoros
1929: The Hollywood Revue of 1929, de Charles Reisner
1929: Untamed (Indómita), de Jack Conway
2930: Great Day, de Harry Beaumont
1930: Montana Moon (O Coração Manda), de Malcolm St. Clair         
1930: Our Blushing Brides (Três Destinos), de Malcolm St. Clair
1930: Paid (Dentro da Lei), de Sam Wood
1931: The Stolen Jools (curta-metragem)
1931: Dance, Fools, Dance (Virtudes Modernas), de Harry Beaumont          
1931: Laughing Sinners (Pecadores Alegres), de Harry Beaumont   
1931: This Modern Age (Esta Idade Moderna), de Nick Grinde         
1931: Possessed (Fascinação), de Clarence Brown   
1931: The Slippery Pearls, de William C. McGann (cameo)
1932: Grand Hotel (Grande Hotel), de Edmund Goulding
1932: Letty Lynton (Enfeitiçados), de Clarence Brown         
1932: Rain (Chuva), de Lewis Milestone        
1933: Today We Live (A Vida É o Dia de Hoje), de Howard Hawks    
1933: Dancing Lady (O Turbilhão da Dança), de Robert Z. Leonard
1934: Sadie McKee (Uma Mulher Que Venceu), de Clarence Brown
1934: Chained (Os Dois Amores de Diana), de Clarence Brown        
1934: Forsaking All Others (Os Noivos de Mary), de W.S. Van Dyke
1935: No More Ladies (Basta de Mulheres), de George Cukor e Edward H. Griffith
1935: I Live My Life (Quero Viver a Vida), de W.S. Van Dyke
1936: The Gorgeous Hussy (A Alegre Locandeira), de Clarence Brown
1936: Love on the Run (Doidos & Cª), de W.S. Van Dyke
1937: The Last of Mrs. Cheyney (A Última Conquista), de Richard Boleslawski        
1937: The Bride Wore Red (A Noiva de Vermelho), de Dorothy Arzner
1937: Mannequin (Manequim), de Frank Borzage     
1938: The Shining Hour (Tentação), de Frank Borzage        
1939: Ice Follies of 1939 (O Turbilhão de Gelo), de Reinhold Schünzel      
1939: The Women (Mulheres), de George Cukor
1940: Strange Cargo (Os Fugitivos da Guiana), de Frank Borzage
1940: Susan and God (As Teorias de Susana), de George Cukor       
1941: A Woman's Face (A Cicatriz do Mal), de George Cukor            
1941: When Ladies Meet (Quando Elas se Encontram), de Robert Z. Leonard          
1942: They All Kissed the Bride (Quem Manda sou Eu), de Alexander Hall  
1942: Reunion in France (Encontro em França), de Jules Dassin     
1943: Above Suspicion (Insuspeitos), de Richard Thorpe     
1944: Hollywood Canteen (Sonho em Hollywood), de Delmer Daves 
1945: Mildred Pierce (Alma em Suplício), de Michael Curtiz
1946: Humoresque (Fascinação), de Jean Negulesco           
1947: Possessed (Loucura de Amor), de Curtis Bernhardt    
1947: Daisy Kenyon (Entre o Amor e o Pecado), de Otto Preminger 
1949: Flamingo Road (O Caminho da Redenção), de Michael Curtiz 
1949: It's a Great Feeling, de David Butler   
1950: The Damned Don't Cry!, de Vincent Sherman 
1950: Harriet Craig (A Última Mentira), de Vincent Sherman           
1951: Goodbye, My Fancy (Sonho Desfeito), de Vincent Sherman                
1952: This Woman is Dangerous (Esta Mulher é Perigosa), de Felix E. Feist
1952: Sudden Fear (Medo Súbito), de David Miller   
1953: Torch Song (Corpo Sem Alma), de Charles Walters     
1954: Johnny Guitar (Johnny Guitar), de Nicholas Ray         
1955: Female on the Beach (A Casa da Praia), de Joseph Pevney    
1955: Queen Bee (A Abelha Mestra), de Ranald MacDougall
1956: Autumn Leaves (Folhas de Outono), de Robert Aldrich          
1957: The Story of Esther Costello, de David Miller  
1959: The Best of Everything, de Jean Negulesco    
1962: What Ever Happened to Baby Jane? (Que Teria Acontecido a Baby Jane?), de Robert Aldrich
1963: The Caretakers (Mulheres Sem Destino), de Hall Bartlett      
1964: Della, de Robert Gist
1964: Strait-Jacket (Volúpia do Crime), de William Castle    
1964: Hush... Hush, Sweet Charlotte, de Robert Aldrich
1965: I Saw What You Did (O Telefone Fatal), de William Castle      
1967: The Karate Killers, de Barry Shear
1967: Berserk!, de Jim O'Connolly    
1970: Trog, de Freddie Francis
1971: Journey to Murder, de John Gibson e Gerry O'Hara

Televisão e documentários :
1953: The Revlon Mirror Theater - Série de TV (1 episódio)
1954: General Electric Theater – Série de TV (3 episódios) ´
1959: Woman on the Run - Teledramático
1959 - 1961: Zane Grey Theater - Série de TV (2 episódios)
1959: On Trial - Série de TV (1 episódio)
1961: The Foxes - Teledramático
1962: Your First Impression - Série de TV (1 episódio)
1962: Lykke og krone - Documentário
1963: Route 66 - Série de TV (1 episódio)
1964: The Big Parade of Comedy - Documentário
1967: The Man from U.N.C.L.E. - Série de TV (1 episódio)
1968: The Secret Storm - Série de TV (5 episódios)
1969: Journey to the Unknown - Teledramático
1969: Night Gallery - Teledramático
1970: The Virginian - Série de TV (1 episódio)
1971: The Name of the Game - Série de TV (1 episódio)
1972: Beyond the Water's Edge - Teledramático
1972: The Sixth Sense - Série de TV (1 episódio)
1972: Hollywood: The Dream Factory - Documentário TV
1974: That's Entertainement Part I, de Jack Haley Jr
1976: That's Entertainment, Part II, de Gene Kelly
1977: That's Action - Documentário
1984: Terror in the Aisles - Documentário
1985: That's Dancing ! - Documentário
1988: Going Hollywood: The War Years - Documentário
1995: Legends of Entertainment Video - Documentário TV
1995: The Casting Couch - Documentário TV
1997: Judy Garland's Hollywood - Documentário TV
1998: Warner Bros. 75th Anniversary: No Guts, No Glory - Documentário TV


SESSÃO 32: 19 DE MAIO DE 2014

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 SEMENTES DE VIOLÊNCIA (1955)
“Sementes de Violência” é um dos momentos altos da cinematografia norte-americana dos anos 50 do século XX. Não só por se tratar de um excelente filme, cinematograficamente exemplar, tecnicamente perfeito, impecavelmente interpretado, dirigido por um dos cineastas mais influentes deste período, Richard Brooks, um homem corajosamente independente e liberal, uma voz incómoda numa época difícil da política e da cultura nos EUA, como por ser igualmente um retrato invulgarmente eficaz e seguro desse tempo, da sua juventude à deriva, de uma rebeldia sem causa aparente (veja-se sobre este tema o filme de Nicholas Ray, “Fúria de Viver”, Rebeld Without a Cause, 1955, ou o de László Benedek, “O Selvagem”, The Wild One, 1953). Acrescente-se ainda o facto de este ser um dos primeiros exemplos de filmes que discutem problemas de educação e ensino através do cinema, partindo de um bom romance de Evan Hunter, “Blackboard Jungle”, muito bem adaptado ao cinema pelo próprio Richard Brooks (que era, para além de um excelente realizador, um dos grandes argumentistas desta década e das seguintes).
Richard Dadier (Glenn Ford) volta da II Guerra Mundial e procura um lugar de professor de inglês numa escola de um bairro pobre de Nova Iorque. O director, Sr. Warnecke (John Hoyt), durante a entrevista, assegura-lhe que na North Manual High não há problemas disciplinares. Mas, ao reunir com outros professores, alguns não veteranos da guerra como Dadier, mas veteranos naquele estabelecimento, mostram-se de parecer contrário. Um deles, Jim Murdock (Louis Calhern), declara mesmo que aquela escola é “o caixote de lixo do ensino”, e que é conveniente Dadier “nunca voltar as costas à turma”. 
Mas o jovem professor sente-se feliz por ter conseguido trabalho, e sobretudo porque gosta de ensinar. Casado com Anne (Anne Francis), que espera um filho, depois de uma primeira tentativa malograda, resolve mesmo comemorar a efeméride com champanhe, num jantar romântico num pequeno restaurante à medida das suas posses.
Iniciadas as aulas, os primeiros dias são reveladores. A sua turma é um verdadeiro gang de delinquentes juvenis, provenientes de classes baixas e de famílias destruturadas, com grandes diferenças rácicas, brancos pobres, negros, latino americanos, irlandeses, etc. Não respeitam ninguém, gritam e protestam por tudo ou nada, tratam o professor por “Daddy-O”, e, num fim de tarde, quando Lois Judby Hammond (Margaret Hayes), uma professora que confessa um fraquinho por Daddier, se apresta para sair da escola, é raptada e quase violada, o que é impedido pela aparição de Daddier, que salva a colega e esmurra o agressor. Esta manifestação de coragem não cai bem entre os seus alunos, que juram vingança.
Num dos dias seguintes, à saída da escola, Dadier e Joshua Edwards (Richard Kiley), um professor de matemática que colecciona vinis de jazz e swing, adora Stan Getz, e julga que a matemática tem muito a ver com a música, são brutalmente agredidos por um grupo de estudantes comandados por Artie West (Vic Morrow), o chefe do gang que impõe o terror na escola. Dadier fica desolado e muito ferido, tal como o colega. Será um antigo professor universitário que lhe mostra que as escolas urbanas precisam de bons professores que se esforcem por encontra uma forma de “tocar” o coração dos alunos mais problemáticos e sensibilizá-los para a necessidade do estudo e da aprendizagem. Nem que seja para escrever ou responder a um anúncio. 
Mas as vinganças sucedem-se. Dadier é injustamente acusado de intolerante e racista junto do director e a mulher começa a receber cartas anónimas denunciando um possível adultério do marido. Joshua Edwards vê destruída a sua colecção de discos, alguns dos quais insubstituíveis, e demite-se. Quando o desespero parece abater-se sobre Dadier este descobre que Gregory W. Miller (Sidney Poitier) tem um conjunto musical e a festa de Natal que se avizinha pode trazer alguma esperança à comunidade.
A conclusão tende a reconhecer que a educação é um trabalho árduo, onde por vezes há que afastar os elementos perniciosos (e dados como irrecuperáveis) do convívio do grupo, mas que existe sempre a possibilidade de encontrar uma forma de recuperar para a sociedade os jovens transviados. Más companhias, famílias com problemas estruturais que deixam as crianças ao abandono, deficientes perspectivas de vida, sociedade egoísta virada sobre si própria, demissão do pessoal docente que não sente vocação, mas apenas procura um emprego onde ganhar um ordenado, mesmo que “a 2 dólares a hora”, tudo isso, e muito mais, conduziu (e conduz ainda hoje, noutros contextos, mas com circunstâncias muito idênticas) a este estado de aparente beco sem saída para a educação, nos EUA, como um pouco por todo o mundo.
Em 1955, estávamos em plena explosão do “rock-and-roll”, e a banda sonora de “Blackboard Jungle” conta com uma inesquecível criação, "Rock Around The Clock", interpretada por “Bill Haley and his Comets”, que ficaria para sempre ligada a esta obra. Mas o filme ostenta ainda uma magnífica fotografia de Russell Harlan, e uma montagem de Ferris Webster igualmente a valorizar, bem como a direcção artística de Cedric Gibbons e Randall Duell. Todos eles nomeados para os Oscars de forma merecida. Igualmente o argumento recebeu nomeação para o Oscar do ano. 
Glenn Ford tem aqui um dos seus trabalhos de referência, ao lado de um bom corpo docente: Louis Calhern, Margaret Hayes, John Hoyt ou Richard Kiley. Entre os “alunos”, Vic Morrow é brilhante, e Sidney Poitier, desde logo uma boa promessa. Curioso que, alguns anos depois (1967), tenha interpretado o papel de um professor, num filme não tão brilhante como o de Richard Brook, mas igualmente interessante, tratando de uma problemática semelhante, “O Ódio Que Gerou o Amor” (To Sir, with Love), de James Clavell. Mas há outras curiosidades a reter: Paul Mazursky iniciava aqui uma carreira longa de actor e depois de realizador, dando-nos obras extremamente curiosas, como  “Bob & Carol & Ted & Alice” (1969), “Alex no País das Maravilhas” (1970), “Harry e Tonto” (1974), “Paragem no Bairro Boémio” (1976), “Uma Mulher Só” (1978), entre algumas mais; John Erman tornou-se igualmente um conhecido e respeitado realizador, sobretudo de televisão; Vic Morrow enveredaria por uma carreira de actor (e também de realizador) de filmes de acção e violência.
“Sementes de Violência” é, pois, um daqueles filmes que se recordam como um marco na história do cinema e uma data charneira para muitos que nele colaboraram.



SEMENTES DE VIOLÊNCIA
Título original: Blackboard Jungle
Realização: Richard Brooks (EUA, 1955); Argumento: Richard Brooks, segundo romance de Evan Hunter ("The Blackboard Jungle"); Produção: Pandro S. Berman; Música: Scott Bradley, Charles Wolcott; Fotografia (p/b): Russell Harlan; Montagem: Ferris Webster; Direcção artística: Randall Duell, Cedric Gibbons; Decoração: Henry Grace, Edwin B. Willis; Maquilhagem: William Tuttle, Dave Grayson; Assistentes de realização: Joel Freeman, Hank Moonjean; Som: Wesley C. Miller; Companhias de produção: Metro-Goldwyn-Mayer; Intérpretes: Glenn Ford (Richard Dadier), Anne Francis (Anne Dadier), Louis Calhern (Jim Murdock), Margaret Hayes (Lois Judby Hammond), John Hoyt (Mr. Warneke), Richard Kiley (Joshua Y. Edwards), Emile Meyer (Mr. Halloran), Warner Anderson (Dr. Bradley), Basil Ruysdael (Prof. A.R. Kraal), Sidney Poitier (Gregory W. Miller), Vic Morrow (Artie West), Dan Terranova, Rafael Campos, Paul Mazursky, Horace McMahon, Jamie Farr, Danny Dennis, John Erman, etc. Duração: 101 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros. (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 29 de Novembro de 1955.


RICHARD BROOKS (1912-1992)
Richard Brooks (Ruben Sax por baptismo) nasceu a 18 de Maio de 1912, Filadélfia, Pensilvânia, EUA, e viria a falecer a 11 de Março de 1992, em Beverly Hills, Los Angeles, Califórnia, de ataque de coração. Os pais eram judeus russos emigrantes. Estudou na West Philadephia HS, depois na Philadelphia's Temple University, e, durante os anos 30, começou a actividade como jornalista desportivo e repórter de rádio. Começou no cinema como argumentista, passou dois anos nas forças armadas durante a II Guerra Mundial e estreou-se na realização, na MGM, em 1950, com “Crisis”
Escreveu e dirigiu excelentes adaptações de “Os Irmãos Karamazov” (1958) e “Gata em Telhado de Zinco Quente” (1958) e, em 1960, ganha o Oscar de Melhor Argumento com “O Falso Profeta”. Foi nomeado por seis vezes para melhor realizador e produtor e os seus filmes receberam 25 outras nomeações. Liberal e progressista, desde cedo se mostra independente da política de Hollywood, mesmo antes de cortar, em 1965, com os grandes estúdios. A sua carreira não é muito volumosa em número de obras, mas deixa um legado importante. Para lá das já citadas, há que referir “A Última Ameaça”, “O Circo Infernal”, “A Última Vez que Vi Paris”, “Sementes de Violência”, “A Última Caçada”, “O Carnaval dos Deuses”, “Corações na Penumbra”, “Lord Jim”, “Os Profissionais”, “A Sangue Frio”, “Amar sem Amor”, “Desafio à Coragem”, “À Procura de Um Homem” ou “O Homem das Lentes Mortais”.
Casado com Jean Brooks (1941 - 1944) e Jean Simmons (1960 - 1977). Richard Brooks morre em 1992, e encontra-se sepultado no Hillside Memorial Park Cemetery, em Culver City, Califórnia. A sua estrela no “Passeio da Fama” encontra-se junto a 6422 Hollywood Blvd.
Em 2007, ele era um dos seis realizadores que tinham dirigido a mulher num filme onde elas tinham sido nomeadas para o Oscar de Melhor Actriz (Jean Simmons, em “Amar Sem Amor” (1969)). Os outros foram Joel Coen (Frances McDormand, em “Fargo”, 1996), John Cassavetes (Gena Rowlands, em “Uma Mulher Sob Influência”, 1974; e “Glória”, 1980), Blake Edwards (Julie Andrews, em “Victor/Victoria”, 1982), Paul Czinner (Elisabeth Bergner, em “Unidos Eternamente”, 1935) e Paul Newman (Joanne Woodward, em “Raquel, Raquel”, 1968). Jules Dassin também dirigiu a futura mulher, Melina Mercouri, em “Nunca Aos Domingos”, (1960), mas não estavam casados aquando da nomeação.
Para explicar o seu interesse na rodagem de “Looking for Mr. Goodbar”, disse algo ainda hoje, muito esclarecedor: “Interessou-me a possibilidade de dizer qualquer coisa acerca da falta de empenho que os jovens parecem ter hoje. A sua valorização do que é meramente sensacional. O desejo pela satisfação e recompense imediatas. A sua ausência de alegria sexual. E a sua decepção por concluírem que nem tudo correu como prometido nos anúscios da TV”.

Filmografia
como realizador
1950: Crisis
1951: The Light Touch (O Milagre do Quadro)
1952: Deadline,U.S.A. (A Última Ameaça)
1953: Battle Circus (O Circo Infernal)
1953: Take the High Groung! (Como se Fazem Heróis)
1954: Flame and the Flesh (Conflito de Paixões)
1954: The Last Time I Saw Paris (A Última Vez que Vi Paris)
1955: Blackboard Jungle (Sementes de Violência)
1956: The Last Hunt (A Última Caçada)
1956: MGM Parade (série de TV) – 1 episódio
1956: The Catered Affair
1957: Something of Value (O Carnaval dos Deuses)
1958: The Brothers Karamazov (Os Irmãos Karamazov)
1958: Cat on a Hot Tin Roof (Gata em Telhado de Zinco Quente)
1960: Elmer Gantry (O Falso Profeta)
1961: Sweet Bird of Youth (Corações na Penumbra)
1964: Lord Jim (Lord Jim)
1966: The Professionals (Os Profissionais)
1967: In Cold Blood (A Sangue Frio)
1969: The Happy Ending (Amar sem Amor)
1971: Dollars (O Assalto)
1975: Bite The Bullet (Desafio à Coragem)
1977: Looking For Mr.Goodbar (À Procura de Um Homem)
1982: Wrong Is Right (O Homem das Lentes Mortais)
1985: Fever Pitch (A Febre do Jogo)

GLENN FORD (1916-2006)
Glenn Ford, de nome de baptismo Gwyllyn Samuel Newton Ford, nasceu a 1 de Maio de 1916, no Quebeque, Canadá, e faleceu a 30 de Agosto de 2006, com 90 anos, em Beverly Hills, Califórnia, EUA. Filho de um executivo ferroviário, com oito anos de idade muda-se para Santa Mónica, na Califórnia, e torna-se cidadão americano em 1939. Estudou na High School de Santa Mónica, e estreia-se como actor aos 19 anos, integra várias companhias, até chegar à Broadway. Contratado pela 20th Century Fox, passa para a Columbia, onde roda cerca de 50 filmes em 18 anos, sobretudo westerns de pequeno orçamento e de realizadores medianos. Passa pelos US Marines Corps, durante a II Guerra Mundial e, de regresso, integra-se no elenco da Columbia, onde assegura um lugar destacado. A partir de “Gilda”, a sua áurea aumenta e durante alguns anos tentam reeditar o êxito da dupla Hayworth-Ford, sem nunca atingir a intensidade do original. Mas interpretou muitos e bons papéis, dirigido por grandes cineastas, como Fritz Lang, Richard Brooks, Vincente Minnelli, e manteve uma clientela fiel, tanto no cinema, como posteriormente na televisão. Envelheceu mal, dado ao álcool e a irascibilidade. Casado com Eleanor Powell (1943-1959), Kathryn Hays (1966-1969), Cynthia Hayward (1974-1977) e Jeanne Baus (1993-1994). Teve ainda conhecidas ligações com Zsa Zsa Gabor, Hope Lange, Rita Hayworth, Connie Stevens, Joan Crawford, Dinah Shore, Brigitte Bardot, Debbie Reynolds, María Schell, Linda Christian, Judy Garland, entre outras, que não acabaram em casamento. Glenn Ford sofreu de problemas cardíacos durante a fase final da sua vida. Ganhou um Globo de Ouro, em 1962, pelo seu desempenho em “Pocketful of Miracles”. Tem uma estrela no “Passeio da Fama”, em 6933 Hollywood Blvd.

Filmografía:
1937: Night in Manhattan, de Herbert Moulton (curta-metragem)
1939: Heaven with a Barbed Wire Fence, de Ricardo Cortez
1939: My Son Is Guilty (O Filho de um Gangster), de Charles Barton
1940: Convicted Woman (Prisão com Grades), de Nick Grinde
1940: Men Without Souls (Homens sem Coração), de Nick Grinde
1940: Babies for Sale (Crianças à Venda), de Charles Barton
1940: The Lady in Question (Acusada, Levante-se!), de Charles Vidor
1940: Blondie Plays Cupid, de Frank R. Strayer
1941: So Ends Our Night (Regresso a Berlim), de John Cromwell
1941: Texas (Texas), de George Marshall
1941: Go West, Young Lady (Uma Mulher de Armas), de Frank R. Strayer
1942: Flight Lieutenant (O Tenente Aviador), de Sydney Salkow
1942: The Adventures of Martin Eden (Aventuras de Martin Eden), de Sydney Salkow
1943: Destroyer (Destroyer), de William Seiter
1943: The Desperadoes (Bandidos), de Charles Vidor
1943: A Stolen Life (Uma Vida Roubada), de Curtis Bernhardt
1946: Gilda (Gilda), de Charles Vidor
1946: Gallant Journey (Jornada Gloriosa), de William Wellman
1947: Framed (Paula), de Richard Wallace
1948: The Loves of Carmen (Amores de Carmen), de Charles Vidor
1948: The Return of October (Encontro com o Destino), de Joseph H. Lewis
1948: The Man From Colorado (Pena de Talião), de Henry Levin
1948: The Mating of Millie (O Homem dos Meus Sonhos), de Henry Levin
1949: The Undercover Man (Todos Os Que Falaram Morreram), de Joseph H. Lewis.
1949: Lust for Gold (Oiro Maldito), de S. S. Simon
1949: Mr. Soft Touch (A Vida é um Jogo), de Gordon Douglas e Henry Levin
1949: The Doctor and the Girl (A Grande Profissão), de Curtis Bernhardt
1950: The Flying Missile, de Henry Levin
1950: The White Tower (A Torre Branca), de Ted Tetzlaff
1950: Convicted (Código Penal), de Henry Levin
1951: The Redhead and the Cowboy (Mensagem de Renegados), de L. Fenton
1951: Follow the Sun, de Sidney Lanfield
1951: The Secret of Convict Lake (O Segredo do Evadido), de Michael Gordon
1952: Young Man with Ideas (Um Jovem com Ideias), de M. Leisen
1952: The Green Glove (A Luva de Ferro), de Rudolph Maté
1952: Affair in Trinidad (Calypso, a Feiticeira da Ilha), de Vincent Sherman
1953: The Man from Alamo (Invasores), de Budd Boetticher
1953: The Big Heat (Corrupção), de Fritz Lang
1953: Appointment in Honduras (Encontro nas Honduras), de Jacques Tourneur
1953: Time Bomb (A Bomba de Relógio), de Ted Tetzlaff
1953: Plunder of the Sun (O Tesouro do Templo), de John Farrow
1954: City Story, de William Beaudine (curta-metragem) (narrador)
1954: Human Desire (Desejo Humano), de Fritz Lang
1955: The Americano (O Americano), de William Castle
1955: The Violent Men (Homens Violentos), de Rudolph Maté
1955: The Blackboard Jungle (Sementes de Violência), de Richard Brooks
1955: Interrupted Melody (Melodia Interrompida), de Curtis Bernhardt
1955: Trial (A Fúria dos Justos), de Mark Robson
1956: Ransom! (O Resgate), de Alex Segal
1956: Jubal (Jubal), de Delmer Daves
1956: The Teahouse of the August Moon (A Casa de Chá do Luar de Agosto), de Delbert Mann
1956: The Fastest Gun Alive (A Vida ou a Morte), de Russell Rouse
1957: 3:10 to Yuma (O Comboio das 3 e 10), de Delmer Daves
1957: Don't Go Near the Water (Marujos de Água Doce), de Charles Walters
1958: Cowboy (Cowboy, Como Nasce um Bravo), de Delmer Daves
1958: The Sheepman (O Irresistível Forasteiro), de George Marshall
1958: Torpedo Run (Rumo a Tóquio), de Joseph Pevney
1958: Imitation General (O Falso General), de George Marshall
1959: It Started With a Kiss (Começou com um Beijo), de George Marshall
1960: Cimarrón (Cimarron), de Anthony Mann.
1960: The Gazebo (Sem Talento para Matar"), de George Marshall.
1961: Cry for Happy (O Amor é Belo), de George Marshall
1961: Pocketful of Miracles (Milagre por um Dia), de Frank Capra.
1962: The Four Horsemen of the Apocalypse (Os Quatro Cavaleiros do Apocalipso), de Vincente Minnelli.
1962: Experiment in Terror (Uma Voz na Escuridão), de Blake Edwards.
1963: Love Is a Ball (Negócio de Casamentos), de David Swift.
1963: The Courtship of Eddie's Father (As Noivas do Papá), de Vincente Minnelli.
1964: Dear Heart (Uma Vida por Viver), de Delbert Mann
1964: Advance to the Rear (Avançar para a Rectaguarda ), de George Marshall.
1964: Fate Is the Hunter (O Mistério do Voo 22), de Ralph Nelson.
1965: The Rounders (2 Incorrigíveis Teimosos), de Burt Kennedy.
1966: The Money Trap (A Tentação do Dinheiro), de Burt Kennedy.
1966: The Rage (48 Horas de Angústia), de Gilberto Gazcon.
1966: Paris Brûle-t-il? (Paris Já Está a Arder?), de René Clément.
1967: The Last Challenge (O Último Desafio), de Richard Thorpe.
1967: A Time for Killing (Batalha sem Regresso), de Phil Karlson.
1968: Day of the Evil Gun (A Pistola do Mal), de Jerry Thorpe
1969: Smith!, de M. O’Herlihy
1969: Heaven with a Gun (À Mão Armada), de Lee H. Katzin.
1970: Howdy (TV)
1970: The Brotherhood of the Bell (TV)
1971-72: Cade's County (série TV)
1971: Santee, de Gary Nelson
1973: Jarrett (TV)
1974: The Disappearance of Flight 412 (TV)
1974: The Greatest Gift (TV)
1974: Target Eva Jones, de Luciano B. Carlos
1974: Punch and Jody (TV)
1975: The Family Holvak (série TV)
1976: Midway (Batalha de Midway), de Jack Smight.
1976: Once an Eagle (série de TV)
1977: The 3,000 Mile Chase) (TV)
1978: Superman (Super-Homem), de Richard Donner.
1978: Police Story (série de TV) – episódio No Margin for Error
1978: Evening in Byzantium (TV)
1979: The Sacketts (TV)
1979: Beggarman, Thief (TV)
1979: The Gift (TV)
1979: Day of the Assassin, de Brian Trenchard-Smith
1979: The Visitor, de Giulio Paradisi.
1980: Virus (Ameaça Planetária), de Kinji Fukasaku.
1981: Happy Birthday To Me (Aniversário Macabro), de J. Lee Thompson.
1986: My Town (TV)
1989: Randado, ville sans loi (Law at Randado) (TV)
1989: Casablanca Express (O Expresso de Casablanca), de Sergio Martino
1990: Border Shootout, de Chris McIntyre
1991: Raw Nerve, de David A. Prior
1991: Final Verdict (TV)

SESSÃO 33: 23 DE JUNHO DE 2014

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 FÚRIA DE VIVER (1955)
“Rebel Without a Cause”, como todos os grandes filmes, é uma obra eterna e, em simultâneo, datada. É um reflexo do seu tempo e lugar e, ao mesmo tempo, um olhar de sempre sobre a condição humana. Executado com uma exemplaridade formal notável e uma sensibilidade invulgar, com um rigor de estilo que ainda hoje surpreende e uma acutilância na crítica social que, apesar de, aqui e ali se poder dizer datada, ultrapassa essa condição pela singularidade da sua arte e postura. Depois teve a sorte e o engenho de estar habitada por alguns jovens que se tornaram ícones de um tempo e o conseguiram igualmente superar, mostrando que eram maiores do que essa época, que eram imagens de sempre e para sempre. James Dean, Natalie Wood, Sal Mineo, Dennis Hopper, entre outros, ganharam a imortalidade quando foram escolhidos para simbolizarem os jovens dos anos 50 na América, mas não só da América, do mundo, e não só dos anos 50, da eternidade que os aguardava.
Nicholas Ray sempre foi um cineasta particularmente virado para uma certa marginalidade que resulta de uma revolta contra a injustiça da sociedade em que se procura integrar, mas da qual é rechaçada, de uma forma ou de outra. Pela educação, pela família, pelas forças da ordem, pelas instituições, quaisquer que elas sejam. Em “Rebel Without a Cause”, que por cá se chamou “Fúria de Viver”, o que altera subtilmente o sentido do filme, tudo isso está presente, mas o que sobressai é o confronto de gerações, a crise de comunicação entre pais e filhos, a solidão que por vezes é de uns e outros, desenquadrados entre si, o que provoca fricções por vezes inultrapassáveis, irremediáveis, fatais.  
Os anos 50 no cinema americano foram férteis em títulos a merecerem atenção especial neste contexto, a começar por este e por “Sementes de Violência”, mas também por “A Leste do Paraíso”, com o mesmo James Dean, a que se poderiam acrescentar muitos outros. Alguns protagonizados por Marlon Brando, outros por Elvis Presley, por Marilyn Monroe, e por aí fora.
Estes “rebeldes sem causa” são exemplares na forma como acompanham o desacerto de jovens em formação, e pais que se desenquadram dessa educação, por uma ou outra razão. Não está em causa o amor dos pais para com os filhos, o problema é outro, e talvez mais grave, porque mais difícil de resolver. Por vezes é o amor dos pais a sufocarem os filhos, outras a falta de força que os jovens sentem nos progenitores, a incompreensão, muitas vezes o alheamento. A tragédia nasce dessa aparentemente inexplicável falha entre seres que procuram o amor. 
Jim Stark (James Dean), por exemplo, é um jovem desenquadrado que a família leva de cidade em cidade para o “salvar” dos problemas que provoca. Mas o problema de Jim está em casa, numa família que hoje se diria desestruturada, com uma mãe possessiva, uma avó recriminativa, um pai sem autoridade que se humilha perante tudo e todos, a quem o filho exige um pouco de dignidade, um assomo de energia, algum vigor que ele procura encontrar como suporte e não vislumbra nunca. A verdade é que cada um dos membros desta família quer o melhor para Jim, mas não o sabe, ou não o pode concretizar, mercê das suas próprias fragilidades. Judy (Nathalie Wood), por seu lado, não tem melhor sorte, com um certo puritanismo paternal que inviabiliza qualquer aproximação, uma mãe fraca, e uma liberalização de comportamentos que a deixam entregue a si própria e lhe provocam a angústia dessa solidão insanável, que a leva a procurar nos gangs do liceu a companhia e o amor, mesmo que apenas físico, que não encontra em casa. Platão (Sal Mineo) é um exemplo, ainda que diferente, filho de um casal ausente, entregue a uma ama que o procura amparar da melhor forma, mas que não consegue substituir o insubstituível. Esta geração rebelde e problemática, que tende à autodestruição, é o centro de “Rebel Without a Cause”. O que transformou esta obra num momento de raro acerto de olhar, invulgar quando se estreou, provocatória mesmo, premonitória certamente. Os tempos alteraram-se, mas alguns dos problemas mantêm-se, senão se agravaram mesmo.
Jim tem horror a que o chamem “medricas”, não quer ser comparado ao pai, desafia quem o provoca, e aceita o repto do chefe do gang do liceu para uma corrida suicida de carros, que se lançam num precipício. A demonstração de “coragem” está em ser o último a saltar do carro, antes deste se despenhar. Claro que a tragédia paira, e tudo se precipita desde aí. Jim, Judy e Platão são os seres frágeis desta história sem heróis, apenas com vítimas de uma época onde o rock-and-roll dava os primeiros passos e se erigia como símbolo musical de uma geração que ou explodia em violência desbragada, ou se consumia numa solidão sofrida. 
Com tons quentes e cores saturadas, onde o blusão vermelho de sangue de James Dean brilha de desespero de princípio a fim, Nicholas Ray oferece-nos um retrato (aqui e ali algo ingénuo na sua formulação psicanalítica, própria dos anos 50) vigoroso, complexo, sem demagogias, sem acusações fáceis, mas transmitindo uma desesperada fome de viver que a sociedade destroça. Os anos 50 trouxeram uma prosperidade à América que se expressou em facilitismos e consumismo. Os pais acreditavam que o melhor que poderiam dar aos filhos era oferecerem-lhes os carros, as motos, os blusões, os “gadgtes” de momento. Nicholas Ray mostra-nos como errados estavam numa poderosa e sombria lição de cinema, engrandecida por um elenco de mitos que tornaram o filme num momento inolvidável na História do Cinema. 
 
FÚRIA DE VIVER
Título original: Rebel Without a Cause
Realização: Nicholas Ray (EUA, 1955); Argumento: Stewart Stern, Irving Shulman, Nicholas Ray; Produção: David Weisbart; Música: Leonard Rosenman; Fotografia (cor): Ernest Haller; Montagem: William H. Ziegler, James Moore; Design de produção: Malcolm C. Bert; Direcção artística: Malcolm C. Bert; Decoração: William Wallace; Guarda-roupa: Moss Mabry; Maquilhagem: Gordon Bau, Tillie Starriett; Assistentes de realização: Don Alvarado, Robert Farfan, Gary Nelson; Som: Stanley Jones; Companhias de produção: A Warner Bros.-First National Picture; Intérpretes: James Dean (Jim Stark), Natalie Wood (Judy), Sal Mineo (John 'Plato' Crawford), Jim Backus (Frank Stark), Ann Doran (Mrs. Carol Stark), Corey Allen (Buzz Gunderson), William Hopper (pai de Judy), Rochelle Hudson (mãe de Judy), Dennis Hopper (Goon), Edward Platt, Steffi Sidney, Marietta Canty, Virginia Brissac, Beverly Long, Ian Wolfe, Frank Mazzola, Robert Foulk, Jack Simmons, Tom Bernard, Nick Adams, Jack Grinnage, Clifford Morris, etc. Duração: 111 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros. (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 6 de Novembro de 1956.

 Nicholas Ray entre Nathalie Wood e James Dean, em ensaios

JAMES DEAN (1931-1955)
James Byron Dean nasceu a 8 de Fevereiro de 1931, em Marion, Indiana, EUA, e faleceu a 30 de Setembro de 1955, em Cholame, Califórnia, EUA, vítima de acidente de viação. Depois de passar grande parte da sua juventude numa quinta dos tios, em Fairmount, Indiana, viajou até Nova Iorque com o sonho de vir a ser actor. Depois de alguns trabalhos sem grande significado, e de uma nomeação de melhor “revelação” em "The Immoralist”, na Broadway, mudou-se para Hollywood, onde de início não teve igualmente muita sorte, pois só conseguiu papéis sem qualquer relevo, em filmes como a obra de Samuel Fuller, “Baionetas Caladas” (1951), onde era um soldado na Guerra da Coreia; a comédia de Dean Martin e Jerry Lewis, “Marujo, o Conquistador” (1952); ou uma aparição irrelevante numa outra comédia com Piper Laurie e Rock Hudson, “Viram a Minha Noiva?” (1952).
Mas rapidamente passou a protagonista de três filmes que lhe conferiram o lugar de imortal e de ícone na galeria das mais lendárias estrelas de Hollywood. Na adaptação da obra de John Steinbeck, realizada por Elia Kazan, “A Leste do Paraíso” (1955), na personagem de Jim Stark o rebelde sem causa do mítico filme de Nicholas Ray, “Fúria de Viver” (1955), e finalmente na adaptação de um romance de Edna Ferber, O Gigante (1956), com a assinatura de outro mestre, George Stevens.
No dia 30 de Setembro de 1955, ao volante de um Porsche Spyder, colidiu com outro carro numa estrada perto de Cholame, na Califórnia, e teve morte quase instantânea. Duas horas antes tinha sido multado por excesso de velocidade. Tinha 24 anos, milhões de admiradores, e esta trágica ocorrência, acrescida do seu talento e carisma, transformaram-no num mito insubstituível. O funeral foi uma manifestação de pesar sem paralelo. Sepultado no Park Cemetery, Fairmount, Indiana, EUA. Recebeu duas nomeações (póstumas – até hoje únicas!) para Oscar de Melhor Actor, em “A Leste do Paraíso” e “O Gigante”.
A sua vida privada foi vasculhada ao pormenor, contando-se várias ligações, umas com actrizes como Pier Angeli (que antes de se suicidar confessou que James Dean tinha sido o seu verdadeiro amor) ou Liz Sheridan, outras com elementos masculinos, sublinhando a sua tendência homossexual. William Bast, seu companheiro, escreveu um livro sobre a sua relação com Dean, "Surviving James Dean". Era um admirador confesso de Marlon Brando, que o acusava de lhe copiar comportamento, etilo de vida, gestos, etc., e uma das suas aspirações era ser escritor (tal como Brando).
A sua interpretação de Jim Stark, em “Fúria de Viver” (1955), foi considerada a 43ª melhor de toda a história do cinema, no inquérito da “Premiere Magazine”, “100 Greatest Performances of All Time” (2006).
Antes de falecer, assinara um contrato com a Warner Bros., no valor de 900,000 dólares, contra a participação em nove filmes, entre os quais se alinhavam "The Corn is Green", “Marcado Pelo Ódio” (1956), “Vício de Matar” (1958), “Gun for a Coward” (1957), “This Angry Age” (1958) e “Gata em Telhado de Zinco Quente” (1958). Paul Newman substituiu-o por três vezes.

Filmografia:
Cinema e televisão
1951: The Stu Erwin Show (Série de TV)
1951: The Bigelow Theatre (Série de TV)
1951: Family Theatre (Série de TV)
1951: Fixed Bayonets! (Baionetas Caladas), de Samuel Fuller
1952: Has Anybody Seen My Gal? (Viram a Minha Noiva?), de Douglas Sirk
1952: Forgotten Children (TV movie)
1952: Deadline (A Última Ameaça), de Richard Brooks (participação não confirmada)
1952: CBS Television Workshop (Série de TV)
1952: Sailor Beware (Marujo, o Conquistador), de Hal Walker
1952:-1953 Studio One (Série de TV)
1952:-1953 Kraft Television Theatre (Série de TV)
1952:-1955 Lux Video Theatre (Série de TV)
1953: Tales of Tomorrow (Série de TV)
1953: Treasury Men in Action (Série de TV)
1953: Trouble Along The Way (Barreiras Vencidas), de
1953: You Are There (Série de TV)
1953: The Kate Smith Hour (Série de TV)
1953: Campbell Playhouse (Série de TV)
1953: Omnibus (Série de TV)
1953: The Big Story (Série de TV)
1953: Robert Montgomery Presents (Série de TV)
1953: Armstrong Circle Theatre (Série de TV)
1953-1954: Danger (Série de TV)
1954: General Electric Theater (Série de TV)
1954: The Philco Television Playhouse (Série de TV)
1955: Crossroads (Série de TV)
1955: East of Eden (A Leste do Paraíso), de Elia Kazan
1955: Rebel Without a Cause (Fúria de Viver), de Nicholas Ray
1955: Schlitz Playhouse of Stars (Série de TV)
1955: The United States Steel Hour (Série de TV)
1956: Giant (O Gigante), de George Stevens

Teatro
Na Broadway
“See the Jaguar” (1953) e “The Immoralist” (1954), segundo André Gide.
Off-Broadway
“The Metamorphosis” (1952), segundo Franz Kafka, “The Scarecrow” (1954) e “Women of Trachis” (1954), traduzido por Ezra Pound.

NATALIE WOOD (1938-1981)
Natasha Nikolaevna Zakharenko ou Natasha Nikolaevna Gurdin, nome de baptismo de Natalie Wood, nasceu a 20 de Julho de 1938, em San Francisco, Califórnia, EUA, e viria a falecer a 29 de Novembro de 1981, com 43 anos, na Ilha de Santa Catalina, Califórnia, EUA. Em 1943, com apenas quatro anos de idade, Natalie Wood estreia-se no cinema, nos filmes “The Moon Is Down” e “Happy Land”. Como actriz infantil, participa em muitas obras, inclusive no clássico natalício, “Miracle on 34th Street” (1947). A partir de 1955, com 17 anos, Natalie lança-se numa carreira adulta, no filme de Nicholas Ray, “Fúria de Viver”, ao lado de outros jovens como James Dean e Sal Mineo. Segundo Suzanne Finstad, autora de “Natasha: The Biography of Natalie Wood”, publicado em 2001, Natalie Wood terá tido uma relação com o realizador Nicholas Ray, para conseguir o papel de protagonista. Depois do sucesso de “Rebel Without a Cause”, protagoniza um conjunto de filmes onde impõe a sua beleza, elegância e talento, entre os quais é justo destacar “The Searchers”, “Splendor in the Grass”, “West Side Story”, “Love with the Proper Stranger”, “Sex and the Single Girl”, “The Great Race”, “Inside Daisy Clover”, ou “This Property Is Condemned”, ao mesmo tempo que mantinha uma continua actividade na televisão. Em 1981, enquanto decorriam as filmagens de “Brainstorm”, com Christopher Walken, faleceu num acidente estranho e nunca totalmente esclarecido. Em Novembro desse ano, enquanto navegava num iate, com o marido Robert Wagner e o colega de ambos Christopher Walken, morreu afogada. Tinha 43 anos de idade. Encontra-se sepultada no Westwood Memorial Park, Los Angeles, Califórnia.
Nomeada para o Oscar de Melhor Actriz por três vezes: 1955 - Rebel Without a Cause; 1961 - Splendor in the Grass; e 1963 - Love with the Proper Stranger; Golden Globe: Melhor Actriz de TV (Drama): 1980 - From Here To Eternity. Casada por duas vezes com Robert Wagner (1957 - 1962) e (1972 - 1981) e ainda com Richard Gregson (1969 - 1972).
Filmografia
Cinema
1943: The Moon Is Down (Noite sem Lua), de Irving Pichel
1943: Happy Land (Terra Sagrada), de Irving Pichel       
1946: The Bride Wore Boots, de Irving Pichel     
1946: Tomorrow Is Forever (Amanhã Viveremos), de Irving Pichel
1947: Driftwood, de Allan Dwan
1947: The Ghost and Mrs. Muir (O Fantasma Apaixonado), de Joseph L. Mankiewicz
1947: Miracle on 34th Street (De Ilusão Também Se Vive), de George Seaton       
1948: Scudda Hoo! Scudda Hay! (Encanto da Mocidade), de F. Hugh Herbert
1949: Father Was a Fullback, de John M. Stahl  
1949: The Green Promise (Terra de Promissão), de William D. Russell    
1949: Chicken Every Sunday, de George Seaton  
1950: Never a Dull Moment (Convite ao Amor), de George Marshall        
1950: The Jackpot (Cautela com os Fiscais), de Walter Lang       
1950: Our Very Own (Entre Duas Mães), de David Miller  
1950: No Sad Songs for Me (Destino Amargo), de Rudolph Maté
1951: The Blue Veil (O Véu Azul), de Curtis Bernhardt
1951: Dear Brat, de William A. Seiter    
1952: The Star (A Estrela), de Stuart Heisler      
1952: Just for You' (Só Para Ti), de Elliott Nugent
1952: The Rose Bowl Story, de William Beaudine
1954: The Silver Chalice (O Cálice de Prata), de Victor Saville
1955: Rebel Without a Cause (Fúria de Viver), de Nicholas Ray
1955: One Desire (Um Só Desejo), de Jerry Hopper
1956: The Girl He Left Behind (Quero-te, mas Deixa-me), de David Butler          
1956: The Burning Hills (O Monte do Desespero), de Stuart Heisler
1956: A Cry in the Night (Um Grito na Escuridão), de Frank Tuttle
1956: The Searchers (A Desaparecida), de John Ford
1957: Bombers B-52 (Bombardeiro B-52), de Gordon Douglas     
1958: Kings Go Forth (Só Ficou a Saudade), de Delmer Daves
1958: Marjorie Morningstar (Fúria de Amar), de Irving Rapper
1960: All the Fine Young Cannibals (Escândalo na Sociedade), de Michael Anderson         
1960: Cash McCall (O que são as Mulheres), de Joseph Pevney    
1961: West Side Story (Amor Sem Barreiras), de Jerome Robbins e Robert Wise
1961: Splendor in the Grass (Esplendor na Relva), de Elia Kazan
1962: Gypsy (Gypsy), de Mervyn LeRoy
1963: Love with the Proper Stranger (Amar Um Desconhecido), de Robert Mulligan
1964: Sex and the Single Girl (A Solteira e o Atrevido), de Richard Quine
1965: Inside Daisy Clover (O Estranho Mundo de Daisy Clover), de Robert Mulligan           
1965: The Great Race (A Grande Corrida à Volta do Mundo), de Blake Edwards   
1966: Penelope (Os Prazeres de Penélope), de Arthur Hiller       
1966: This Property Is Condemned (Flor à Beira do Pântano), de Sydney Pollack
1969: Bob & Carol & Ted & Alice (Bob & Carol & Ted & Alice), de Paul Mazursky
1972: The Candidate (O Candidato), de  Michael Ritchie (cameo)
1975: Peeper, de Peter Hyams  
1979: Meteor (Meteoro), de Ronald Neame
1980: The Last Married Couple in America (Os Bem Casados), de Gilbert Cates    
1980: Willie & Phil (O Trio do Amor), de Paul Mazursky (cameo)
1983: Brainstorm (Projecto Brainstorm), de Douglas Trumbull

Televisão
1952: The Schaefer Century Theatre
1952: Gruen Guild Playhouse
1953: Jukebox Jury
1953: The Pride of the Family
1954: The Public Defender
1954: Mayor of the Town
1969: Bracken's World
1973: The Affair
1976: Cat on a Hot Tin Roof
1978: Switch
1979: Hart to Hart          
1979: From Here to Eternity
1979: The Cracker Factory
1980: The Memory of Eva Ryker            
1980: Willie & Phil 


SESSÃO 34: 30 DE JUNHO DE 2014

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 A SOMBRA DO CAÇADOR (1955)

"The Night of the Hunter” é um dos casos mais estranhos da história do cinema mundial. Um filme inusitado, cuja realização é assinada por um dos maiores actores anglo-saxónicos de sempre, que apenas dirigiu um filme (e uma pequena participação num outro), e que, apesar da modesta recepção de público e de crítica aquando da sua estreia, se afirma presentemente como uma obra de culto, uma obra-prima inquestionável, e um dos marcos indiscutíveis do cinema de autor norte-americano. O facto de vir assinado por Charles Laughton é, desde logo, um bom princípio pois este foi seguramente um dos actores (e não só, também encenador, dramaturgo, tradutor, leitor, etc.) mais cultos, mais sensíveis e empenhados que o mundo anglo-saxónico conheceu. Mas estranha-se realmente que um cineasta que conseguiu criar uma tal obra se tenha quedado por esta aproximação à direcção, e depois dela tenha desistido de outras tentativas. A crer no que o próprio autor confessou, a reacção que a obra conheceu no seu tempo desiludiu-o de tal forma que o terá renunciado a prosseguir a carreira por esta via. O que se afigurou, posteriormente, como um crime de lesa cinema. Mas o que conta é o que existe, e o que vemos apenas é esta admirável “A Sombra do Caçador”, filme único de um cineasta único.  
O argumento vem assinado por James Agee e o próprio Charles Laughton, que adaptam um romance de Davis Grubb. O resultado é uma obra incatalogável, que se aproxima do cinema expressionista, surrealista, simbólico, poético, mas que recusa qualquer classificação. É único e assim permanecerá, obrigando o espectador a olhá-lo tal e qual, com um olhar límpido e uma predisposição à diferença.
Robert Mitchum desempenha aqui um dos papéis da sua vida, ao interpretar a figura do "Reverendo'' Harry Powell, que se passeia de terra em terra com as suas mãos tatuadas. Em quatro dedos da mão direita tem escrito L-O-V-E, enquanto nos equivalentes dedos da mão esquerda tem H-A-T-E. E conta, a quem se predispuser a ouvi-lo, a história da luta entre o A-M-O-R e o Ó-D-I-O, numa interpretação muito sua. Mas o filme inicia-se logo por uma imagem premonitória, um grande plano de Rachel (Lillian Gish), rodeada por rostos de crianças, que nos avisa que devemos “livrar-nos dos falsos pregadores”, e que “não pode a árvore corrompida dar bons frutos”.
Harry Powell faz depois a sua aparição e ele nos guiará nessa peregrinação de horror. Ele anda pelas povoações rurais da América a espalhar o que ele chama “a palavra do Senhor”, servindo-se dela para cometer os piores crimes, casando com viúvas solitárias a quem rouba as economias para depois as assassinar. Quando descobre que Willa Harper (Shelley Winters) acaba de ficar viúva, depois do marido ser condenado à morte após ter roubado 10.000 dólares para dar de comer à família e que não os restituiu, vem ter com ela e os seus dois filhos, para localizar o dinheiro. Mas quem sabe onde os dólares se encontram escondidos são as duas crianças e este facto é o bastante para o "Reverendo'' Harry Powell tudo fazer para ganhar primeiro a confiança de John (Billy Chapin) e Pearl (Sally Jane Bruce), para a seguir, não conseguindo os seus intentos, persegui-los da forma mais terrível.  
Esta descida pelas águas de um rio é um dos momentos perturbantes desta obra. Enquanto a barcaça avança na noite, nas margens um verdadeiro bestiário se descobre, a começar por uma aranha tecendo a sua teia, passando depois sucessivamente por rãs, coelhos, tartarugas, mochos, vacas, cães, cabras, raposas, que vão espiando os movimentos dos dois miúdos, enquanto, recortada no fio do horizonte, se vai assistindo à passagem de Harry Powell, montado num cavalo, entoando cânticos religiosos. É o puro terror, a ameaça mais temível, inspirada pelo que deveriam ser toadas de amor e generosidade. Perturbante.
A acção decorre nos anos 30, em plena depressão económica na América profunda, e esta exploração dos sentimentos mais puros e primitivos de cidadãos sem defesa chega a ser trágica. “A vida é dura para os pequenos”, diz Rachel, que aqui personifica a verdadeira religiosidade que não se exime a defender pela força o seu rebanho. Os “pequenos” são obviamente as crianças, mas, de uma forma mais vasta, também todos os desprotegidos e explorados, todos os simples e puros. 
Curiosamente, este filme de horror como poucos, acaba num clima de filme natalício, mostrando assim a forma como a Humanidade balanceia entre o Bem e o Mal, o Amor e o Ódio de que falava Harry Powell. Mas a imagem do corrupto e puritano “Reverendo” que se apavora com a imagem de uma bailarina, e se serve da boa vontade da crédula comunidade ode se instala e que desfruta, acompanhará para sempre a recordação dos seus espectadores.
O filme vive muito, igualmente, de uma fotografia a preto e branco (com assinatura de Stanley Cortez), contrastada, iluminada de forma expressionista, jogando com sombras e luz, como nessa admirável cena passada no interior e exterior de um estábulo, onde as crianças de refugiam, ou nas sequências finais, em casa de Rachel. O momento em que Harry Powell se coloca frente a essa casa, como um animal à espera da sua vítima, e o jogo que se estabelece entre o interior e o exterior da casa, com sombras que se agigantam e sons que atemorizam, é outro momento de sublime inspiração. Não esquecer ainda a banda sonora, onde a música e a escolha dos sons, é primorosa para criar a genuína tensão e inquietação que justificam.
Mitchum é magistral e há quem diga que este é o seu papel mais “pessoal”, onde terá deixado vir ao de cima um pouco da sua própria personalidade, aliada à genialidade do seu talento. Shelly Winters e os cidadãos da pequena cidade são magníficos, bem como as duas crianças. Mas deverá ainda ressalvar-se o trabalho notável de uma das maiores actrizes do cinema mudo norte-americano, Lillian Gish, que consegue um desempenho admirável, conjugando determinação e generosidade de forma expressiva e singular.
Creio que quem assistir uma vez a “The Night of the Hunter” não se sentirá o mesmo após a sua exibição. Honra seja feita a Charles Laughton e ao seu filme único. 

A SOMBRA DO CAÇADOR
Título original: The Night of the Hunter
Realização: Charles Laughton (e ainda Robert Mitchum e Terry Sanders, não creditados) (EUA, 1955); Argumento: James Agee, Charles Laughton, segundo romance de Davis Grubb; Produção: Paul Gregory; Música: Walter Schumann; Fotografia (p/b): Stanley Cortez; Montagem: Robert Golden; Casting: Millie Gusse; Direcção artística: Hilyard M. Brown; Decoração: Alfred E. Spencer; Maquilhagem: Don L. Cash, Kay Shea; Direcção de produção: Ruby Rosenberg, Frank Parmenter; Assistentes de realização: Milton Carter, Frank Parmenter, Terry Sanders, Jack Sonntag; Departamento de arte: Joe LaBella; Som: Stanford Houghton; Efeitos especiais: Louis DeWitt, Jack Rabin; Companhias de produção: Paul Gregory Productions; Intérpretes: Robert Mitchum (Harry Powell), Shelley Winters (Willa Harper), Lillian Gish (Rachel Cooper), James Gleason (Birdie Steptoe), Evelyn Varden (Icey Spoon), Peter Graves (Ben Harper), Don Beddoe (Walt Spoon), Billy Chapin (John Harper), Sally Jane Bruce (Pearl Harper), Gloria Castillo, Emmett Lynn, Corey Allen, Michael Chapin, George Wallace, etc. Duração:93 minutos; Distribuição em Portugal: MGM (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 15 de Maio de 1963.

CHARLES LAUGHTON (1899-1962)
Charles Laughton nasceu a 1 de Julho de 1899, em Scarborough, Yorkshire, Inglaterra, UK, e faleceu a 15 de Dezembro de 1962, em Hollywood, Los Angeles, Califórnia, EUA, vítima de cancro. Sepultado no Forest Lawn, Hollywood Hills, Los Angeles, no “Court of Remembrance”.
Filho de Robert Laughton e Elizabeth Conlon, hoteleiros, começou a trabalhar com os pais a partir de 1915, sendo recrutado para a I Guerra Mundial, onde serviu numa unidade de bicicletas. Estudou depois na Royal Academy of Dramatic Art, em Londres, estreando-se no palco em 1926. Criou uma companhia produtora de filmes, juntamente com Erich Pommer, a Mayflower Pictures Corp. (1937). Encontra Elsa Lanchester, actriz, com quem casa em 1929 e com quem vive até à morte, apesar de ser notoriamente homossexual. Partiu para a América, tendo-se naturalizado cidadão americano em 1950. Tornou-se um actor com reputação firmada dos dois lados do Atlântico, quer como actor de teatro, cinema e televisão, quer como dramaturgo e escritor, como encenador e realizador (“A Sombra do Caçador” bastou para o colocar entre os nomes maiores da realização mundial).  
Senhor de um físico respeitável, serviu-se dele de forma magnífica para criar papéis inesquecíveis, como “A Vida Privada de Henrique VIII” (1933, que lhe valeu um Oscar), “Rembrandt” (1936), “I, Claudius” (1937), “Revolta na Bounty” (1935), “Mister Ginger no Pacífico” (1938), “Olhos na Noite” (1948), “Nossa Senhora de Paris” (1950) “Testemunha de Acusação” (1957) ou “Tempestade Sobre Washington” (1962).
Se como actor a sua estatura é enorme, como realizador de um único filme, tornou-se uma lenda, apesar de não ter sido muito bem recebido na altura da sua estreia. Mas 1955 era um ano difícil, Laughton estava entre os homens de cinema e teatro olhado com ostracismo pela Comissão das Actividades Anti-Americanas, e a natureza do seu filme não ajudou muito. Mas pouco tempo depois ganhava estatuto de obra-prima e de obra de culto. 

Filmografia:
Como realizador:
1950: 1950: The Man on the Eiffel Tower (O Homem da Torre Eiffel), de Burgess Meredith, Charles Laughton e Irving Allen, segundo o romance “La Tête de l'Homme”, de Georges Simenon EUA/ FR
1955: The Night of the Hunter (A Sombra do Caçador)

Como actor
1928: Daydreams, de Ivor Montagu (curta-metragem) UK
1928: Blue Bottles, de Ivor Montagu (curta-metragem) UK
1928: The Tonic (curta-metragem) UK
1929: Piccadilly, de Arnold Bennett UK 
1930: Wolves, de Albert de Courville (curta-metragem) UK
1931: Down River, de Peter Godfrey UK
1932: Payment Deferred, de Lothar Mendes EUA
1932: The Old Dark House (A Velha Casa Sombria), de James Whale
1932: The Sign of the Cross (O Sinal da Cruz), de Cecil B. DeMille
1932: Devil and the Deep (Entre Duas Águas), de Marion Gering
1932: If I had a Million (Se Eu Tivesse Um Milhão), de James Cruze, H. Bruce Humberstone, Ernst Lubitsch, Norman Z. McLeod, Lothar Mendes, Stephen Roberts, William A. Seiter e Norman Taurog
1933: Island of Lost Souls (A Ilha das Almas Selvagens), de Erle C. Kenton
1933: The Private Life of Henry VIII (A Vida Privada de Henrique VIII), de Alexander Korda UK
1933: White Woman, de Stuart Walker
1934: The Barretts of Wimpole Street (As Virgens de Wimpole Street), de Sidney Franklin
1935: Les Misérables, de Richard Boleslawski
1935: Mutiny on the Bounty (Revolta na Bounty), de Frank Lloyd
1935: Ruggles of Red Gap (O Extravagante Senhor Ruggles), de Leo McCarey
1936: Rembrandt (Rembrandt), de Alexander Korda UK
1937: I, Claudius, de Denis Kavanagh e Josef von Sternberg (inacabado) UK
1938: Vessel of Wrath ou The Beachcomber (Mister Ginger no Pacífico), de Erich Pommer UK
1938: St. Martin's Lane ou Sidewalks of London (Ilusões Perdidas) de Tim Whelan  UK
1939: The Hunchback of Notre Dame (Nossa Senhora de Paris), de William Dieterle
1939: Jamaica Inn (A Pousada da Jamaica), de Alfred Hitchcock UK
1940: They Knew What They Wanted (O Outro), de Garson Kanin
1941: It Started with Eve (Noiva de Ocasião), de Henry Koster
1942: Tales of Manhattan (Seis Destinos), de Julien Duvivier
1942: Stand By for Action ou Cargo of Innocents (Torpedeado!), de Robert Z. Leonard
1942: The Tuttles of Tahiti (Náufragos de Tahiti), de Charles Vidor
1943: The Man From Down Under, de Robert Z. Leonard
1943: Vivre libre (Esta Terra é Minha) de Jean Renoir
1943: Forever and a Day (Para Sempre e Mais um Dia), de René Clair, Edmund Goulding, Cedric Hardwicke, Frank Lloyd, Victor Saville, Robert Stevenson e Herbert Wilcox
1944: The Suspect (Eu Matei!), de Robert Siodmak
1944: Le Fantôme de Canterville (Fantasmas à Solta), de Jules Dassin e Norman Taurog
1944: Passport to Destiny, de Ray McCarey (só aparece uma fotografia de CL)
1945: Captain Kidd (O Capitão Kidd), de Rowland V. Lee
1946: Because of Him (Por Causa Dele), de Richard Wallace
1947: Galileo ou Leben des Galilei, de Ruth Berlau e Joseph Losey (curta-metragem)
1948: On Our Merry Way (Tudo Pode Acontecer), de Leslie Fenton, King Vidor, John Huston, George Stevens (os dois últimos não creditados) (cenas cortadas)
1947: The Paradine Case (O Caso Paradine), de Alfred Hitchcock
1948: The Big Clock (Olhos na Noite), de John Farrow
1948: The Girl from Manhattan (O Anjo, o Diabo e o Amor), de Alfred E. Green
1948: Arch of Triumph (O Arco do Triunfo), de Lewis Milestone
1949: The Bribe (Veneno dos Trópicos de Robert Z. Leonard
1950: The Man on the Eiffel Tower (O Homem da Torre Eiffel), de Burgess Meredith, Charles Laughton e Irving Allen EUA/ FR
1951: The Blue Veil (O Véu Azul), de Curtis Bernhardt
1951: The Strange Door (O Castelo Maldito), de Joseph Pevney
1952: O. Henry's Full House (Páginas da Vida), de Henry Hathaway, Howard Hawks, Henry King, Jean Negulesco e Henry Koster (qu dirige o episódio “The Cop and the Anthem” onde aparece Laughton e Marilyn Monroe
1952: Abbott and Costello Meet Captain Kidd (Encontro com o Capitão Kidd), de Charles Lamont
1953: Salome ou Salome, The Dance of the Seven Veils (Salomé), de William Dieterle
1953: Young Bess (Amor de Rainha), de George Sidney
1953: This Is Charles Laughton (série de TV)
1954: Hobson's Choice (As Filhas do Sr. Hobson), de David Lean UK
1956: The Ed Sullivan Show (série de TV)
1956: Ford Star Jubilee (série de TV) episódio “The Day Lincoln Was Shot” (narrador)
1957: Witness for the Prosecution (Testemunha de Acusação), de Billy Wilder
1957-1959: General Electric Theater (série de TV) episódios “The Last Lesson”, “A New York Knight”, “Mr. Kensington's Finest Hour”
1958: Studio 57 (série de TV) episódio “Stopover in Bombay”
1959: On Trial (TV series)
1959: A Midsummer Night's Dream (telefime)
1960: Spartacus (Spartacus), de Stanley Kubrick
1960: Under Ten Flags (Sob Dez Bandeiras), de Duilio Coletti EUA/IT
1960: Wagon Train (série de TV) episódio “The Albert Farnsworth Story”
1960: Playhouse 90 (série de TV) episódio “In the Presence of Mine Enemies”
1961: Checkmate (TV series) episódio “Terror from the East”
1962: Advise and Consent (Tempestade Sobre Washington), de Otto Preminger

Teatro
Como actor
1926: The Revizor (O Inspector Geral), de Nicolas Gogol UK
1928: Alibi, adaptação teatral de The Murder of Roger Ackroyd, de Agatha Christie. Primeira
Aparição no teatro do detective Hercule Poirot.
1931: Payment Deferred, adaptação teatral de C. S. Forester EUA
1932: The Fatal Alibi adaptação teatral The Murder of Roger Ackroyd, de Agatha Christie, agora nos palcos de NI
1947: Galileo, de Bertolt Brecht
1950: The Cherry Orchard (O Cerejal) de Anton Tchekhov
1951 e 1952: Don Juan in Hell, de George Bernard Shaw
1956 e 1957: Major Barbara, de George Bernard Shaw
1959: King Lear, de William Shakespeare

Encenações:
1932: The Fatal Alibi
1951 e 1952: Don Juan in Hell
1953: John Brown's Body, de Stephen Vincent Benét
1954 à 1955: The Caine Mutiny, adaptação teatral de Herman Wouk
1956 e 1957: Major Barbara, de George Bernard Shaw

ROBERT MITCHUM (1917 – 1997)
Robert Charles Durman Mitchum nasceu a 6 de Agosto de 1917, em Bridgeport, Connecticut, EUA, e faleceu a 1 de Julho de 1997, com 79 anos, de cancro de pulmão e enfisema, em Santa Barbara, Califórnia, EUA. A mãe, Ann Harriet, era imigrante norueguesa, e o pai, James Thomas Mitchum, de origem irlandesa, trabalhou num estaleiro e no caminho-de-ferro, onde faleceu tinha Mitchum dois anos de idade. Irrequieto e indisciplinado, foi expulso de alguns estabelecimentos de ensino, o que levou a mãe a transferi-lo para os avós, em Felton, onde continuou a sua saga. Em 1930, foi morar com sua irmã mais velha, em Nova York. Viajou por todo o país, em vagões de comboio, tendo desempenhado várias tarefas, chegando a ser pugilista profissional. Em Savannah, Geórgia, foi preso por vadiagem. Fugiu, voltou para a família, em Delaware, onde conheceu a adolescente Dorothy Spence, com quem viria a casar (e com quem se manteve até à sua morte). Voltou para a estrada. Mas em 1936, a irmã Julie convence-o a participar na companhia do teatro local. Aparece como actor e dramaturgo. Em 1940 casa-se, nasce o primeiro filho, e Robert arranja um emprego estável, como operador de máquinas. Depois de um acidente em que quase ficou cego, dedica-se inteiramente ao cinema, como figurante e actor em pequenos papéis de filmes de serie B, sobretudo westerns protagonizados por Hopalong Cassidy. Entre 1942 e 1943 entra em dezenas de obras e a sua carreira não pára, com prestações cada vez mais significativas. Foi definitivamente, entre os anos 40 e 60, um dos maiores actores do cinema americano, com uma característica muito própria, interpretando personagens do filme negro, do policial, do western ou de filmes de guerra, com uma aparente indiferença que cativava e surpreendia. 
Em 1992, foi-lhe atribuído o Cecil B. DeMille Award, pela sua contribuição para a arte cinematográfica. Em 1946, foi nomeado para o Oscar de Melhor Actor Secundário pela actuação em “Também Somos Seres Humanos”. Em 1984, recebeu uma estrela no “Walk of Fame”, que ficou situada no 6240, Hollywood Blvd.

Filmografia:
1942: The Magic of Make-Up (documentário)
1942: Saboteur (Sabotagem), de Alfred Hitchcock
1943: The Human Comedy (A Comédia Humana), de Clarence Brown
1943: Hoppy Serves a Writ (Justiça a Murro), de George Archainbaud
1943: Aerial Gunner (Combate Aéreo), de William H. Pine
1943: Border Patrol (Patrulha da Fronteira), de Lesley Selander
1943: Follow the Band (Siga a Música), de Jean Yarbrough
1943: The Leather Burners (No Fundo da Mina), de J. E. Henabery
1943: Colt Comrades (Traidor à Vista), de Lesley Selander
1943: We've Never Been Licked (Nós Nunca Fomos Vencidos!), Jack Rawlins
1943: The Lone Star Trail, de Ray Taylor
1943: Action in the North Atlantic (Comboio para Leste)), de Lloyd Bacon, Byron Haskin e Raoul Walsh (não creditado)
1943: Beyond the Last Frontier (A Última Fronteira), de Howard Bretherton
1943: Corvette K-225 (Corveta K-225), de Robert Rossen
1943: Bar 20 (Esporas de Prata), de Lesley Selander
1943: Doughboys in Ireland, de Lew Landers
1943: Bataan (Os Heróis de Bataan), de Tay Garnett
1943: A Boy Named Joe (Um Certo Rapaz), de Victor Fleming
1943: False Colors (O Homem Mascarado), de George Archainbaud
1943: Minesweeper, de William Berke
1943: The Dancing Masters (Bucha e Estica Mestres de Dança), de Malcolm St. Clair
1943: Cry 'Havoc' (Elas Também Combateram), de Richard Thorpe
1943: Riders of the Deadline,
1943: Gung Ho! (A Selva em Armas), de Ray Enright
1944: Johnny Doesn't Live Here Anymore, de Joe May
1944: Mr. Winkle Goes to War (A Sua Grande Ambição) (não creditado)
1944: When Strangers Marry, de William Castle
1944: The Girl Rush, de Gordon Douglas
1944: Thirty Seconds over Tokyo (Trinta Segundos Sobre Tóquio), de Mervyn LeRoy
1944: Nevada (Nevada), de Charles Barton
1945: The Story of G.I. Joe (Também Somos Seres Humanos), de William A. Wellman
1945: West of the Pecos, de Edward Killy
1946: Till the End of Time (O Direito à Vida), de Edward Dmytryk
1946: Undercurrent (Estranha Revelação), de Vincente Minnelli
1946: The Locket (O Medalhão Maldito), de John Brahm
1947: Pursued (Núpcias Trágicas), de Raoul Walsh
1947: Crossfire (Encruzilhada), de Edward Dmytryk
1947: Desire Me (A Mulher do Outro), de George Cukor
1947: Out of the Past (O Arrependido), de Jacques Tourneur
1948: Rachel and the Stranger (Raquel, a Escrava Branca), de Norman Foster
1948: Blood on the Moon (Céu Vermelho), de Robert Wise
1949: The Red Pony (O Potro Vermelho), de Louis MIlestone
1949: The Big Steal (O Grande Assalto), de Donald Siegel
1949: Holiday Affair (Quando as Viúvas Querem Casar), de Don Hartman
1950: Where Danger Lives (A Infiel), de John Farrow
1950: Screen Snapshots: Hollywood Goes to Bat, de Ralph Staub (curta-metragem)
1951: My Forbidden Past (Duas Rivais), de Robert Stevenson
1951: His Kind of Woman (Redenção), de John Farrow
1951: The Racket (Suborno), de John Cromwell
1952: Macao (Macau), de Josef von Sternberg
1952: One Minute to Zero (Missão na Coreia), de Tay Garnett
1952: The Lusty Men (Idílio Selvagem), de Nicholas Ray
1952: Angel Face (Vidas Inquietas), de Otto Prerminger
1953: White Witch Doctor (A Feiticeira Branca), de Henry Hathaway
1953: Second Chance (Cruel Perseguição), de Rudolph Maté
1954: She Couldn't Say No (Bonita e Audaciosa), de Lloyd Bacon
1954: River of No Return (Rio sem Regresso), de Otto Preminger
1954: Track of the Cat, de William A. Wellman
1955: Not as a Stranger (Médico e Só Médico), de Stanley Kramer
1955: The Night of the Hunter (A Sombra do Caçador), de Charles Laughton
1955: Man with the Gun (Sozinho Contra a Cidade), de Richard Wilson
1956: Foreign Intrigue (A Um Passo da Morte), de Sheldon Reynolds
1956: Bandido (Bandido), de Richard Fleischer
1957: Heaven Knows, Mr. Allison (O Espírito e a Carne), de John Huston
1957: Fire Down Below (Fogo dos Trópicos), de Robert Parrish
1957: The Enemy Below (Duelo no Atlântico), de Dick Powell
1958: Thunder Road (Beco sem Saída), de Arthur Ripley
1958: The Hunters (Duas Paixões), de Dick Powell
1959: The Angry Hills (As Colinas da Ira), de Robert Aldrich
1959: The Wonderful Country (Quem Ventos Semeia), de Robert Parrish
1960: Home from the Hill (A Casa da Colina), de Vincente Minnelli
1960: A Terrible Beauty, de Tay Garnett
1960: The Sundowners (Três Vidas Errantes), de Fred Zinnemann
1960: The Grass Is Greener (Ele, Ela e o Marido), de Stanley Donen
1961: The Last Time I Saw Archie (O General era Soldado), de Jack Webb
1962: Cape Fear (Barreira do Medo), de J. Lee Thompson
1962: The Longest Day (O Dia Mais Longo), de Ken Annakin, Andrew Marton e Bernhard Wicki
1962: Two for the Seesaw (Baloiço para Dois), de Robert Wise
1963: The List of Adrian Messenger (As Cinco Caras do Assassino), de John Huston
1963: Rampage (Dois Homens, uma Mulher), de Phil Karlson
1964: Man in the Middle (Conselho de Guerra), de Guy Hamilton
1964: What a Way to Go! (Ela e os Seus Maridos), de J. Lee Thompson
1965: Mister Moses (O Renegado da Selva), de Ronald Neame
1966: El Dorado (El Dorado), de Howard Hawks
1967: The Way West (A Caminho do Oregon), de Andrew V. McLaglen
1968: Villa Rides (A Honra de Um Herói), de Buzz Kulik
1968: Lo Sbarco di Anzio (A Batalha de Anzio), de Duilio Coletti e Edward Dmytryk
1968: 5 Card Stud (O Preço de Cinco Jogadores), de Henry Hathaway
1968: Secret Ceremony (Cerimónia Secreta), de Joseph Losey
1969: Young Billy Young (Vingança no Arizona), de Burt Kennedy
1969: The Good Guys and the Bad Guys (Os Bons e os Maus), de Burt Kennedy
1970: Ryan's Daughter (A Filha de Ryan), de David Lean
1971: Going Home (A Mancha do Passado), de Herbert B. Leonard
1972: The Wrath of God (A Cólera de Deus), de Ralph Nelson
1973: The Friends of Eddie Coyle (Selva Humana), de Peter Yates
1973: America on the Rocks (Curta-metragem TV)
1975: The Yakuza (Yakuza) - de Sydney Pollack
1975: Farewell, My Lovely (O Último dos Duros), de Dick Richards
1976: Midway (A Batalha de Midway), de Jack Smight
1976: The Last Tycoon (O Grande Magnate), de Elia Kazan
1977: The Amsterdam Kill (Operação Amsterdam), de Robert Clouse
1978: Matilda (Matilda - O Grande Acontecimento), de Daniel Mann
1978: The Big Sleep (O Sono Derradeiro), de Michael Winner
1979: Breakthrough (A Grande Ofensiva), de Andrew V. McLaglen
1980: Agency (Encontro com o Perigo), de George Kaczender
1980: Nightkill, de Ted Post
1982: That Championship Season, de Jason Miller
1982: One Shoe Makes It Murder (telefilme)
1983: The Winds of War (Mini-série de TV)
1983: A Killer in the Family (telefilme)
1984: The Ambassador (O Embaixador), de J. Lee Thompson
1984: Maria's Lovers (Os Amantes de Maria), de Andrei Konchalovsky
1985: North and South (Mini-série de TV)
1985: Promises to Keep (telefilme)
1985: Reunion at Fairborough (telefilme)
1985: The Hearst and Davies Affair (telefilme)
1986: Thompson's Last Run (TV movie)
1987: The Equalizer (TV series)
1987: Remembering Marilyn (documentário)
1987: Marilyn Monroe: Beyond the Legend (documentário)
1988: Mr. North (Mr. North, um Homem de Sonho), de Danny Huston
1988: War and Remembrance (Mini-série)
1988: Scrooged (S.O.S. Fantasmas), de Richard Donner
1989: John Huston: The Man, the Movies, the Maverick (documentário)
1989: Brotherhood of the Rose (TV movie)
1989: Eyes of War (TV movie)
1989: Armadilha de Morte (TV movie)
1990: Midnight Ride, de Bob Bralver
1990: Waiting for the Wind (curta-metragem)
1990: Believed Violent (Ameaça Potencial)
1990: A Family for Joe (TV series)
1990: A Family for Joe (TV movie)
1991: Cape Fear (O Cabo do Medo), de Martin Scorsese
1992: Les Sept Péchés Capitaux ou The Seven Deadly Sins, de Beatriz Flores Silva, Frédéric Fonteyne, Yvan Le Moine, Geneviève Mersch, Pierre-Paul Renders, Olivier Smolders e Pascal Zabus
1992: African Skies (TV series)
1993: Woman of Desire, de Robert Ginty
1993: Tombstone (Tombstone), de George P. Cosmatos, Kevin Jarre (narrador)
1995: Backfire!, de A. Dean Bell
1995: Pakten ou Waiting for Sunset, de Leidulv Risan
1995: Dead Man (Homem Morto), de Jim Jarmusch
1995: The Marshal (TV series)– The New Marshal
1996: Wild Bill: Hollywood Maverick (documentário)
1997: James Dean: Race with Destiny (TV movie)

SESSÃO 35: 7 DE JULHO DE 2014

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    SANGUE NO DESERTO (1957)
Anthony Mann é, indiscutivelmente, um dos mestres do western norte-americano e, simultaneamente, um dos grandes cineastas deste país, sobretudo entre as décadas de 40 e 50. Detendo-nos apenas na sua contribuição para o western, as obras que assinou nos anos 50 do século XX bastam para o colocar na galeria dos maiores: “Winchester '73” (1950), “Bend of the River” (1952), “The Naked Spur” (1953), “The Far Country” e “The Man from Laramie” (ambos de 1955), todos interpretados pelo seu actor de eleição, James Stewart, mas ainda “The Tin Star” (1955), com Henry Fonda, e “Man of the West” (1958), com Gary Cooper. Ele esteve na origem da renovação de um género, conferindo-lhe uma densidade emocional, uma amplitude social e humana invulgar, trabalhando-o num estilo muito próprio, próximo da tragédia grega, para o que contribuiu em muito a complexidade das personagens, a análise das situações, o tratamento estético e plástico, onde serão de destacar algumas características que o notabilizaram, quer no aproveitamento dramático da paisagem e do “décor”, qualquer que ele seja, quer na maneira de enquadrar (utilizando muitas vezes o Cinemascope de forma invulgar), de iluminar, de jogar com os movimentos de câmara, mantendo um classicismo de olhar a que não é alheio, todavia, uma modernidade de tom que ainda hoje impressiona.
Para o reconhecer, basta analisar “The Tin Star”, que nem por isso é uma das suas obras mais perfeitas. Logo no início, a apresentação do protagonista se mostra digna do melhor Mann: Morgan 'Morg' Hickman (Henry Fonda) entra a cavalo numa pequena povoação do Oeste americano, trazendo pela trela uma outra montada, carregando o corpo de um morto tapado por uma manta. A travessia das ruas é acompanhada pelo olhar curioso dos seus habitantes, que perseguem o cavaleiro até ao escritório do xerife. As panorâmicas e os travellling suaves definem não só o espaço físico, como o mental: percebe-se rapidamente a atitude de expectativa e mesmo de hostilidade para com o forasteiro. Morgan, sabe-se depois, é um caçador de prémios, acabou de abater um bandoleiro perseguido pela justiça, e vem reclamar os 10.000 dólares de prémio. Mas, hipocritamente, a comunidade que colocou o cartaz da recompensa, não gosta de caçadores de prémios. Morgan será tolerado apenas enquanto durarem as operações de reconhecimento do corpo e de pagamento da execução. Mesmo assim, nem no hotel lhe facultam um quarto. Acaba hospedado em casa de Nona Mayfield (Betsy Palmer), viúva de um índio, que vive só com o filho. 
Na cidade, o jovem xerife Ben Owens (Anthony Perkins) preenche o lugar que mais ninguém quer ocupar. Manter a ordem é tarefa pesada e de longevidade reduzida. A noiva de Ben pretende afastá-lo do cargo o mais rápido possível, não quer ficar viúva como a mãe, mas Ben é obstinado. Começa por desconfiar de Morgan, mas depois acredita nos seus conselhos e, sobretudo, na agilidade do seu revólver. Morgan conta que anteriormente também ele fora xerife, até se descobrir sozinho numa outra cidade contra os bandoleiros que a aterrorizavam. Percebe o comportamento das multidões e o poder dos que as manipulam. Alerta Ben para o perigo que representa Bart Bogardus (Neville Brand), um arruaceiro que arrebata os concidadãos com as piores razões, desde o descarado racismo (“um índio bom é um índio morto”) até às manifestações primárias de violência, propondo execuções sumárias e tribunais populares organizados ad hoc. 
“The Tin Star” é então o relato de uma iniciação, de uma aprendizagem, baseada na confiança de Ben nos conhecimentos de Morgan. Tudo se precipita quando o velho médico da comunidade, o Dr. Joseph Jefferson 'Doc' McCord (John McIntire), regressa de uma visita a um doente na sua caleche habitual, na manhã do dia do seu 75º aniversário. Mas não regressa de boa saúde. Este é outro dos momentos de eleição deste filme magnífico, assistindo-se à entrada da pequena carruagem que traz o médico, pelas mesma ruas por onde entrara Morgan, com o cavalo caminhando lentamente por entre os magotes de populares que, dos dois lados da rua, cantam os parabéns e saúdam a chegada, até tudo se imobilizar perante o irremediável.
O filme herda alguma da sabedoria colhida pelo autor na sua época de realizador de “filmes negros”, orquestrando a inquietação e o “suspense” de forma hábil. A cilada montada ao médico é magistral, sustentada numa elipse que só os mestres engendram. “Sangue no Deserto” ganha ainda muito com o facto de todas as cenas passadas na pequena cidade terem sido rodadas em estúdio, num cenário especialmente construído de raiz para o efeito. O que permite colocações criteriosas de certas construções, como por exemplo o escritório do xerife, com janelas e porta envidraçadas, abertas sobre as ruas da cidade, permitindo filmar o interior e o exterior, criando uma tensão muito especial. Aliás toda a obra joga com a profundidade de campo de forma eficaz, criando efeitos muito conseguidos, com escassos meios e um rigor de estilo de sublinhar. O argumento, de um especialista, Dudley Nichols, é inteligente e subtil, ainda que, aqui e ali, pudesse ser mais dominado na emoção, sobretudo no que se refere à ligação de Morgan com a viúva e o filho desta. Mas aborda com compreensão e maturidade temas como o racismo, o despotismo, a importância da ordem e da justiça numa sociedade organizada, e, como cereja em cima do bolo, as lições iniciáticas sobre como sobreviver com dignidade, mesmo quando a cidade se acobarda perante a força bruta. Um tema recorrente no cinema americano desta década. Henry Fonda e Anthony Perkins, mestre e discípulo, formam uma dupla excelente. Um belíssimo filme que não deixa de fazer justiça a um grande cineasta, Anthony Mann.


SANGUE NO DESERTO
Título original: The Tin Star
Realização: Anthony Mann (EUA, 1957); Argumento: Dudley Nichols, Joel Kane, Barney Slater; Produção: William Perlberg, George Seaton; Música: Elmer Bernstein; Fotografia (p/b): Loyal Griggs; Montagem: Alma Macrorie; Direcção artística: J. McMillan Johnson, Hal Pereira; Decoração: Sam Comer, Frank R. McKelvy; Guarda-roupa: Edith Head; Maquilhagem: Nellie Manley, Wally Westmore; Assistentes de realização: Michael D. Moore; Som: Hugo Grenzbach, Winston H. Leverett; Companhias de produção: Perlberg-Seaton Productions; Intérpretes: Henry Fonda (Morgan 'Morg' Hickman), Anthony Perkins (xerife Ben Owens), Betsy Palmer (Nona Mayfield), Michel Ray (Kip Mayfield), Neville Brand (Bart Bogardus), John McIntire (Dr. Joseph Jefferson 'Doc' McCord), Mary Webster (Millie Parker), Peter Baldwin (Zeke McGaffey), Richard Shannon (Buck Henderson), Lee Van Cleef (Ed McGaffey), James Bell, Howard Petrie, Russell Simpson, Hal K. Dawson, Jack Kenny, Mickey Finn, etc. Duração: 93 minutos; Distribuição em Portugal: Cine Digital (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 24 de Abril de 1958.



ANTHONY MANN 
(1906 – 1967)
Emil Anton Bundesmann, mais conhecido por Anthony Mann, nasceu a 30 de Junho de 1906, em San Diego, Califórnia, EUA, e viria a falecer a 29 de Abril de 1967, em Berlin, Alemanha, de ataque cardíaco. Casado com Mildred Mann (1936 - 1957) e Sara Montiel (1957 - 1963).
Começou a carreira como actor, em Nova Iorque, na Broadway, onde também encenou e dirigiu alguns espectáculos. Em 1938, David O. Selznick convida-o para Hollywood, onde foi assistente de realização, depois realizador de obras de orçamento reduzido para a RKO e para a Republic Films. Os seus primeiros filmes”, como “Desperate”, “Railroaded!”, “T-Men” e “Raw Deal”, inscrevem-se no género do “film noir”. Ganhou boa fama, consolidada com um conjunto de excelentes westerns, principalmente um ciclo protagonizado por James Stewart, a partir da década de 1950, “Winchester '73” (1950), “Bend of the River” (1952), “The Naked Spur” (1953), “The Far Country”, “The Man from Laramie” (ambos de 1955). Mas também com “The Tin Star” (1955), com Henry Fonda, e “Man of the West” (1958), com Gary Cooper. Mais tarde, assinaria um bom grupo de super-produções históricas para o produtor Samuel Bronston, entre as quais “El Cid” (1961) e “The Fall of the Roman Empire” (1964). Esteve anteriormente ligado a outras, como “Quo Vados” e “Spartacus”.
Anthony Mann é particularmente conceituado entre a crítica internacional. Os seus filmes ostentam um estilo próprio, os temas que abordam denunciam uma forte componente autoral, a tendência para um clima de tragédia suspensa é muito bem concebida, sobretudo nos westerns. O seu gosto plástico, nomeadamente na utilização da paisagem, é facilmente perceptível na criação de um ambiente propício às grandes paixões humanas. Os seus heróis nunca são simples e previsíveis, mas complexos e angustiados. Foi dos que melhor utilizou novas técnicas, como Cinemascope e o Cinerama, e manteve-se fiel ao preto e branco em muitas das suas obras, onde a influência do “filme negro” se fez sentir, mesmo quando tratava temas do Oeste. Possui uma estrela no “Passeio da Fama” de Hollywood, em 6229 Hollywood Blvd.

Filmografia.
Como realizador
1939: The Streets of New York (assina como Anthony Bundsmann) (TV)
1942: Dr. Broadway (Dr. Broadway) (assina como Anton Mann)
1942: Moonlight in Havana (Rumba ao Luar)
1943: Nobody's Darling
1944: My Best Gal (Os Companheiros da Folia)
1944: Strangers in the Night
1945: Two O'Clock Courage
1945: The Great Flamarion
1945: Sing Your Way Home
1946: Strange Impersonation
1946: The Bamboo Blonde
1947: Desperate (Desesperado)
1947: Railroaded !
1947: T-Men (Moeda Falsa)
1948: Raw Deal (Destino em Segunda Mão)
1948: He Walked by Night (O Foragido) (não creditado)
1949: Follow Me Quietly (Segue-me em Silêncio)
1949: Reign of Terror (No Reinado do Terror)
1949: Border Incident
1950: Side Street
1950: The Furies (Almas em Fúria)
1950: Devil's Doorway (O Caminho do Diabo)
1951: Winchester '73 (Winchester 73)
1951: The Tall Target
1951: Quo Vadis, de Mervyn LeRoy (Mann filma o incêndio de Roma – não creditado)
1952: Bend of the River (Jornada de Heróis)
1953: The Naked Spur (Esporas de Aço)
1953: Thunder Bay (A Baía das Tormentas)
1953: The Glenn Miller Story (A História de Glenn Miller)
1954: The Far Country (Terra Distante)
1955: Strategic Air Command (Nem Sempre o Coração Manda)
1955: The Man from Laramie (O Homem Que Veio de Longe)
1955: The Last Frontier (Os Bravos Não Voltam Costas)
1956: Serenade (Serenata)
1957: Men in War (Os Que Sabem Morrer)
1957: The Tin Star (Sangue no Deserto)
1958: God's Little Acre (Tentação!)
1958: Man of the West (O Homem do Oeste)
1960: Spartacus (Spartacus) (iniciado por Mann, terminado por Stanley Kubrick)
1960: Cimarron (Cimarron)
1961: Le Cid (El Cid)
1964: The Fall of the Roman Empire (A Queda do Império Romano)
1965: The Heroes of Telemark (Os Heróis de Telemark)
1968: A Dandy in Aspic (À Beira do Pânico) (terminado por Laurence Harvey)

ANTHONY PERKINS 
(1932 – 1992)
Nasceu a 4 de Abril de 1932, em Nova Iorque, EUA, e faleceu a 12 de Setembro de 1992, com 60 anos, em Hollywood, Los Angeles, Califórnia, EUA, vítima de uma pneumonia, agravada pela Sida. Descobriu que era seropositivo, através de uma revista, a "National Enquirer", que, em 1990, escreveu um artigo sobre ele, depois de ter acesso, indevido, a um teste sanguíneo que havia feito anos antes.
Casado com Berry Berenson (1973 - 1992), irmã da actriz Marisa Berenson, nunca negou a sua homossexualidade. Consta que a sua primeira relação hetero foi com a actriz Victoria Principal, durante a rodagem de “O Juiz Roy Bean” (1972). (Berry Berenson foi uma das vítimas do 11 de Setembro de 2001, no World Trade Center).
Filho de um famoso actor da Broadway, Osgood Perkins, que se pode ver no cinema em “Scarface” (1932). Osgood morreu quando o filho tinha cinco anos, ficando a educação deste a cargo da mãe, uma mulher "muito possessiva e bastante problemática" (segundo palavras de Anthony). Estudou no Rollins College, no Winter Park, Florida, e na Buckingham Browne & Nichols, de Cambridge, Massachusetts, mas não conclui os estudos.
Estreou-se no teatro aos 14 anos e no cinema em 1953, num filme de George Cukor, “A Actriz”. Em 1956, foi nomeado para Melhor Actor Secundário pelo seu trabalho em “Sublime Tentação”, de William Wyler. Mas o papel da sua vida foi o de Norman Bates, um “serial killer”, em “Psico”, de Alfred Hitchcock (1960), que teve várias continuações (uma das quais realizada pelo próprio Anthony Perkins) e que marcaria para sempre a sua carreira: a partir daí seria escolhido essencialmente para personagens neuróticas ou traumatizadas. A sua criação de Norman Bates valeu-lhe o quarto lugar na lista das “100 Greatest Movie Characters of All Time”, publicada pela “Premiere Magazine”.

Filmografia:   
Como actor
1953: The Actress (A Actriz), de George Cukor
1953: The Big Story (série de TV) - episódio “Robert Billeter of the Pendleton Times of Franklin, West Virginia” 
1954: The Man Behind the Badge (série de TV) - episódios “The Case of the Narcotics Racket” e “The East Baton Rouge Story”
1954: Armstrong Circle Theatre (série de TV) - episódio “The Fugitive” 
1955: General Electric Theater (série de TV) - episódio “Mr. Blue Ocean” 
1955: Windows (série de TV) - episódio “The World Out There” 
1956: Friendly Persuasion (Sublime Tentação), de William Wyler
1956: Goodyear Television Playhouse (série de TV) - episódio “Joey” 
1956: Front Row Center (série de TV) episódio “Winter Dreams” 
1956: Studio One (série de TV) - episódio “The Silent Gun” 
1957: The Lonely Man (O Cavaleiro Solitário), de Henry Levin
1957: Fear Strikes Out (Vencendo o Medo), de Robert Mulligan adulte.
1957: The Tin Star (Sangue no Deserto) de Anthony Mann
1958: Desire Under the Elms (Desejo Sob os Ulmeiros) de Delbert Mann
1958: Barrage contre le Pacifique ou This Angry Age, de René Clément
1958: The Matchmaker (Viva o Casamento), de Joseph Anthony
1959: Green Mansions (A Flor que não Morreu), de Mel Ferrer
1959: On the Beach (A Hora Final), de Stanley Kramer
1960: Tall Story (Adeus, Inocência), de Joshua Logan
1960: Psycho (Psico), de Alfred Hitchcock
1961: Goodbye Again ou Aimez-vous Brahams ? (Mais Uma Vez, Adeus), de Anatole Litvak
1962: Phaedra (Fedra), de Jules Dassin
1962: Il Coltello nella piaga (A Fronteira da Noite), de Anatole Litvak
1962: Le Procès (O Processo), de Orson Welles
1963: Le Glaive et la Balance, de André Cayatte.
1964: Une Ravissante Idiote (Uma Encantadora Idiota), de Édouard Molinaro
1966: Paris Brûle-t-il ? (Paris Já Está a Arder?), de René Clément
1966: Evening Primrose (telefime)
1967: Le Scandale (Champanhe Escandaloso), de Claude Chabrol
1968: Pretty Poison (Doce Veneno), de Noel Black
1968: BBC Play of the Month (série de TV) - episódio The Male Animal 
1970: Catch 22 (Artigo 22), de Mike Nichols
1970: W.U.S.A. (Muro de Separação), de Stuart Rosenberg
1970: How Awful About Allan (série de TV)
1971: La Décade Prodigieuse (A Década Prodigiosa), de Claude Chabrol
1971: Quelqu'un Derrière la Porte (Dívida de Ódio), de Nicolas Gessner
1972: The Life and Times of Judge Roy Bean (O Juiz Roy Bean), de John Huston.
1972: Play It As It Lays, de Frank Perry
1974: Murder on the Orient Express (O Crime do Expresso do Oriente), de Sidney Lumet
1974: Lovin' Molly, de Sidney Lumet
1975: Mahogany, de Berry Gordy (e Tony Richardson, este não creditado)
1978: Les Miserables (Os Miseráveis) de Glenn Jordan (TV)
1978: First, You Cry (telefilme)
1978: Remember My Name (Recorda o Meu Nome), de Alan Rudolph
1979: The Black Hole (Abismo Negro), de Gary Nelson
1979: Twee Vrouwen ou Twice a Woman, de George Sluizer
1979: Winter Kills (Pela Mira da Espingarda), de William Richert
1979: Ffolkes (Assalto no Alto Mar), de Andrew V. McLaglen
1980: Double Negative, de George Bloomfield
1983: Psychose II (Psico II), de Richard Franklin
1983: The Sins of Dorian Gray (telefilme)
1983: For the Term of His Natural Life (telefilme)
1984: Crimes of Passion (As Noites de China Blue), de Ken Russell
1984: The Glory Boys (série de TV)
1985: Psychose III (Psico III), de Anthony Perkins
1989: Dr. Jekyll et Mr. Hyde (À Beira da Loucura), de Gérard Kikoïne
1990: Psychose IV, de Mick Garris (telefilme)
1990: Psycho IV: The Beginning (telefilme)
1990: The Ghost Writer (telefilme)
1990: I'm Dangerous Tonight (telefilme)
1990: Daughter of Darkness (telefilme)
1991: Der Mann Nebenan, de Petra Haffter
1992: In the Deep Woods (A Escada de Corda), de Charles Correll (telefilme)
1992: Los Gusanos no Llevan Bufanda, de Javier Elorrieta

SESSÃO 36: 14 DE JULHO DE 2014

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 A DESAPARECIDA (1956)
Há quem diga que esta é a obra-prima de John Ford. Alguns asseguram que se trata do melhor western de todos os tempos. Outros vão mais longe: o mais belo filme de sempre. Acontece que são vozes autorizadas da crítica, do ensaísmo, da realização cinematográfica quem assim fala. Alguma verdade deverá haver em tais loas e basta ver o filme para se descobrir o porquê de tanto entusiasmo. “The Searchers” pertence aos westerns que partilham da tradição da tragédia grega ou da epopeia clássica. J.A.Place, por exemplo, afirma que Ford confere a Monument Valley, o cenário natural desta aventura no espaço e simultaneamente interior, o mesmo papel que Homero dera ao mar na sua “Odisseia”. Ethan Edwards (John Wayne) é por muitos visto, e creio que justificadamente, como um novo Ulisses. Tal como em tantos outros filmes norte americanos desta época de ouro, um dos segredos da espessura da personagem está no facto de ter um passado incerto que só aqui e ali emerge, sobretudo de forma subtil e sempre essencialmente imagética. Ou seja, nada nas confissões faladas, mas nos gestos e nos olhares, no comportamento e nos silêncios. 
Quem é Ethan Edwards, que nos surge nas imagens iniciais de “A Desaparecida” vindo não se sabe de onde? Percebe-se que lutou pelo vencido Sul na Guerra da Secessão (a obra inicia-se no Texas, em 1868, três anos depois do conflito ter terminado), que perdeu o confronto mas não regressa convencido, que tem traumas de toda a espécie. Levou três anos a reencontrar a família, o irmão Aaron (Walter Coy), casado com Martha (Dorothy Jordan), e as duas filhas destes, Lucy e Debbie. Encontra também o filho adoptivo que ele próprio salvara, Martin Pawley (Jeffrey Hunter), um meio mestiço, com sangue índio, a quem, todavia, não autoriza que lhe chame “tio”. Descobre-se, ao longo de algumas das mais belas cenas do filme, que Ethan amou Martha e a continua a amar. O desagrado deste reencontro será talvez uma das várias razões para o seu tão tardio regresso àquela casa e à amargura de ver a mulher amada casada com o próprio irmão. Mas Ethan, solitário e angustiado, respeita os valores da família e aceita o seu papel de quase ausente, de quem vem de fora e já não pertence aquele quadro. Beija Martha na testa e olha-a de longe. Esta afaga com saudosa ternura o agasalho daquele que se perdera na guerra. 
Ethan é um velho soldado com muita experiência armazenada. Cedo pressente que o roubo do gado efectuado numa propriedade foi apenas um pretexto para isolar uma casa e permitir o ataque dos índios, comandados pelo impiedoso Chefe “Scar” (Henry Brandon). No caminho de regresso, já sabe a tragédia que o aguarda. A família foi massacrada e as duas filhas raptadas. Uma delas foi encontrada morta pouco depois, mas Debbie deixa um rasto que leva Ethan a julgar a sua sorte “pior que a morte”. Ela é uma das mulheres de “Scar”. Ethan jura vingança. Persegue a caravana dos índios durante anos. Juntamente com Martin, cavalgam as planícies e as montanhas, de verão e de inverno, na poeira e na neve, pagando a quem ofereça uma pista e seguindo todos os indícios. Ethan, enraivecido e toldado pela vingança, quer matar Debbie e salvá-la assim. “Ela já não é uma familiar, é uma índia”. Martin quer sobretudo resgatar a irmã e trazê-la de volta. Ethan está envenenado no espírito, como envenenado no corpo fica quando uma seta índia o atinge, e é Martin que o salva de ambas as vezes. Possivelmente na mesma cena, no interior de uma caverna, onde se escondem do ataque dos índios. O diálogo entre Martin e Ethan parece colher frutos numa das cenas finais, quando Ethan segura Debbie ao colo e, em lugar de a matar, a confirma como um dos seus, afirmando “Let's go home, Debbie”. É a reunião da (possível) família, um quadro onde ele não se integra, pois volta a partir. Ele é um homem sem família, alguém que já não pertence àquele mundo. Martin, Debbie e Laurie, esses sim, são o futuro. 
“The Searchers” poderia ser visto como um filme racista, anti-índio, mas é efectivamente algo de absolutamente contrário. Ethan conserva essa atitude quase durante toda a obra, mas atenua-a nas cenas finais. O início da obra parece indicar essa direcção, quando se insinua a violência aparentemente selvática dos índios. Mas, lentamente, essa percepção vai desaparecendo. Ethan e “Scar” são duas faces de uma mesma moeda, ambos escalpelizam os antagonistas, ambos usam de uma ferocidade impiedosa, ambos perpetuam uma incompatibilidade que tem raízes no passado. “Scar” tem razões de queixa dos bancos que lhe mataram a família, Ethan segue as mesmas peugadas. Alguém tem de pôr cobro a esta espiral de violência irracional. É Martin a voz desse tempo novo. 
Se o entrecho de “A Desaparecida” é de uma notável complexidade e maturidade, o mesmo se deve dizer da realização de John Ford, servida por colaboradores de eleição. O argumento é da responsabilidade de Frank S. Nugent, que parte de um romance de Alan Le May, muito bem traduzido em imagens.  Curiosamente, esta obra de Ford principia e termina de uma forma que recorda “Janela Indiscreta” de Hitchcock. Neste é uma janela que se abre e se fecha sobre o narrado, no filme de John Ford é a porta da casa dos Edwards que retoma essa função, em belíssimos planos vistos do interior, com a luz do exterior a recortar a entrada e saída de cena de Ethan. Mas toda a obra é de uma beleza sufocante, com os interiores de um castanho-escuro denso e roupas e louça de um azul cintilante, numa conjugação cromática de efeito invulgar. Nos exteriores, a terra vermelha ou a neve encontram um céu de um vermelho sangrento ou de um azul ora sombrio ora límpido, quando não se passa tudo num cenário quase fantasmagórico, entre verdes esmeralda e castanhos, numa viagem nocturna pelos pântanos. A fotografia de Winton C. Hoch é simplesmente deslumbrante e muito contribui para o sucesso desta obra, bem como a partitura musical, sóbria e digna, de Max Steiner. De resto, todo o elenco participa desta magia, com um John Wayne, como nunca antes de vira e nunca mais se vislumbrará, numa composição absolutamente notável, ainda que não fugindo muito do seu registo tradicional, um Jeffrey Hunter admirável, o que era raro nele, uma Vera Miles (Laurie) singularmente nuanceada, e a habitual trupe de Ford, Ward Bond, Hank Worden, John Qualen, Olive Carey, Henry Brandon, Ken Curtis, etc, todos eles excelentes. Natalie Wood é a “desaparecida” quando reencontrada, num trabalho que ajudou a consolidar a sua carreira embrionária.
“A Desaparecida” é seguramente um dos mais belos filmes da História do Cinema.

A DESAPARECIDA
Título original: The Searchers
Realização: John Ford (EUA, 1956); Argumento: Frank S. Nugent, segundo romance de Alan Le May; Produção: Merian C. Cooper, Patrick Ford; Música: Max Steiner; Fotografia (cor): Winton C. Hoch; Montagem: Jack Murray; Direcção artística: James Basevi, Frank Hotaling; Decoração: Victor A. Gangelin; Guarda-roupa: Charles Arrico; Maquilhagem: Web Overlander, Fae M. Smith; Direcção de produção: Lowell J. Farrell; Assistentes de realização: Wingate Smith, Gary Nelson; Departamento de arte: Dudley Holmes; Som: Hugh McDowell Jr., Howard Wilson; Efeitos especiais: George Brown; Companhias de produção: C.V. Whitney Pictures, Warner Bros. Pictures; Intérpretes: John Wayne (Ethan Edwards), Jeffrey Hunter (Martin Pawley), Vera Miles (Laurie Jorgensen), Ward Bond (Rev. Capt. Samuel Johnston Clayton), Natalie Wood (Debbie Edwards, aos 15 anos), John Qualen (Lars Jorgensen), Olive Carey (Mrs. Jorgensen), Henry Brandon (Chefe “Cicatriz – Scar”), Ken Curtis, Harry Carey Jr., Antonio Moreno, Hank Worden, Beulah Archuletta, Walter Coy (Aaron Edwards), Dorothy Jordan (Martha Edwards), Pippa Scott, Patrick Wayne, Lana Wood, etc. Duração:119 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros. (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 17 de Julho de 1957.

JOHN WAYNE (1907 – 1979)
Marion Robert Morrison, mais conhecido por John Wayne, nasceu a 26 de Maio de 1907, em Winterset, Iowa, EUA, e viria a falecer a 11 de Junho de 1979, em Los Angeles, Califórnia, EUA, vítima de cancro. Filho de um farmacêutico, Clyde Morrison, e da sua mulher, Mary, cedo partiu para os climas amenos da Califórnia, onde se instalou num rancho no deserto Mojave e depois em Glendale, onde tinha um cão com o nome de "Duke" (que mais tarde seria a designação amigável para John Wayne). Foi Tom Mix quem lhe arranjou um emprego, o que acabaria por o tornar amigo de John Ford, realizador com quem trabalharia ao longo de toda a vida. Submarino S. 13 (1930) foi um dos primeiros trabalhos que os reuniu. Wayne participou em várias dezenas de filmes de pequeno orçamento, de série B, quase sempre no campo do western, até protagonizar “Cavalgada Heróica” (1939), que lhe trouxe a glória. Acabou por intervir em mais de duzentas obras, cinema e televisão, várias série de rádio, entre elas "The Three Sheets to the Wind" (1942-43), e em 1944 ajudou a fundar a “Motion Picture Alliance for the Preservation of American Ideals”, uma organização de direita radical, o que aparece reflectido nas suas tomadas de posições políticas e até nalgumas das suas obras, nomeadamente em “Álamo” (1960), que produziu, realizou e interpretou, ou em “Os Boinas Verdes” (1968) também realizado e interpretado por si. Desde 1964 que lhe foi diagnosticado cancro e, em 1979, o estômago foi-lhe removido. Foi nomeado para “Melhor Actor”, em 1949, em “O Inferno de Iwo Jima” e ganhou o Oscar em 1969, pelo seu papel de Rooster Cogburn, em “A Velha Raposa”. Foi o actor de eleição de John Ford em filmes como “Forte Apache” (1948), “Os Dominadores” (1949) “Rio Grande” (1950), ou “O Homem que Matou Liberty Valance”, para lá dos já mencionados “A Desaparecida” e “Cavalgada Heróica”.
Casado com Josephine Alicia Saenz (1933 - 1945), Esperanza Baur (1946 - 1954) e Pilar Wayne (1954 - 1979). Encontra-se sepultado no Pacific View Cemetery, em Corona del Mar, Califórnia. Em 1974, foi incluído no “Hall of Great Western Performers of the National Cowboy and Western Heritage Museum”.
Foi votado o 4º “Greatest Movie Star of All Time”, pela revista “Premiere Magazine” e o 5º “Greatest Movie Star of All Time”, pela “Entertainment Weekly”. Era maçónico e pertencia à “Masonic Fraternity”. Foi considerado o 13º maior actor de sempre na listagem “The 50 Greatest Screen Legends” organizada pelo “American Film Institute”. Tinha um temperamento difícil e criou diversos conflitos: detestou “O Comboio Apitou Três Vezes”, que considerou um filme anti-americano. Andou à tareia com o realizador John Huston, durante a rodagem de “O Bárbaro e a Gueixa”. Criticou publicamente Clint Eastwood pela violência dos seus westerns (“O Pistoleiro do Diabo”, por exemplo) e Sam Peckimpah por destruir o espírito do género (“A Quadrilha Selvagem”). Apesar de ser adversário político de muitos actores, Kirk Douglas, Maureen O'Hara, Elizabeth Taylor, Frank Sinatra, Gregory Peck, Jack Lemmon, Kirk Douglas, James Stewart ou Katharine Hepburn, foi por estes apoiado aquando da concessão do “Congressional Gold Medal”, proposta por Barry Goldwater.

Filmografia :
1926: Bardelys the Magnificent (O Cavaleiro do Amor), de King Vidor
1926: The Great K & A Train Robbery (Salteadores de Comboios), de Lewis Seiler
1927: The Drop Kick (Um Grande Jogador), de William Webb
1927: Annie Laurie, de John S. Robertson
1928: Noah's Ark (A Arca de Noé), de Michael Curtiz
1928: Mother Machree (Minha Mãe!), de John Ford
1928: Hangman's House (A Casa do Carrasco), de John Ford
1928: Four Sons (Os Quatro Filhos), de John Ford
1929: Speakeasy, de Benjamin Stoloff
1929: Words and Music, de James Tinling
1929: Salute, de John Ford e David Butler
1929: The Forward Pass, de  Edward F. Cline
1929: The Black Watch, de John Ford
1930: Born Reckless, de John Ford
1930: The Big Trail (A Pista dos Gigantes), de Raoul Walsh
1930: Cheer up and Smile, de Sidney Lanfield
1930: Men Without Women (Submarino S. 13), de John Ford
1930: Rough Romance, de A.F.Erickson
1931: Maker of Men (O Vencedor), de Edward Sedgwick
1931: Men are Like That (Arizona) de George Brackett Seitz
1931: Girls Demand Excitement (Embaixador sem Cerimónia), de Seymour Felix
1931: Three Girls Lost, de Sidney Lanfield
1931: The Range Freud, de D. Ross Lederman
1931: The Deceiver, de Louis King
1932: The Big Stampede, de Tenny Wright
1932: Haunted Gold, de Mack V. Wright
1932: The Hurricane Express (Aventura num Comboio), de Armand Schaefer, J. P. McGowan
1932: Lady and gent (Homem de Peso), de Stephen Roberts
1932: Ride him, Cowboy, de Fred Allen
1932: Shadow of the Eagle (A Sombra da Águia), de Ford L. Beebe
1932: Texas Cyclone (O Cavaleiro Ciclone), de D. Ross Lederman
1932: Two-Fisted Law (A Lei do Murro), de D. Ross Lederman
1932: The Big Stampede, de T. Wright
1932: Haunted Gold, de L. Schlesinger
1932: That's My Boy, de Roy William Neill
1932: Central Airport (O Rei do Espaço), de William A. Wellman
1933: The Life of Jimmy Dolan (Pulso de Aço), de Archie Mayo
1933: Baby Face (A Mulher que Nos Perde), de Alfred E. Green
1933: The Man from Monterey, de Mack V. Wright
1933: Riders of Destiny, de Robert N. Bradbury
1933: Sagebrush Trail, de A. Schaefer 
1933: College Coach, de William A. Wellman
1933: His Private Secretary, de Phil Whitman
1933: Somewhere in Sonora, de Mack V. Wright
1933: The Three Musketeers (Os Três Mosqueteiros no Deserto), de A. Schaefer e C. Clark
1933: The Telegraph Trail, de Mack V. Wright
1934: The Lucky Texan, de Robert N. Bradbury
1934: West of the Divide, de Robert N. Bradbury
1934: Blue Steel, de Robert N. Bradbury
1934: The Man From Utah (O Homem de Utah), de Robert N. Bradbury
1934: The Lawless Frontier, de Robert N. Bradbury
1934: 'Neath the Arizona Skies, de Harry L. Fraser
1934: The Trail Beyond (O Triunfo da Audácia), de Robert N. Bradbury
1934: The Star Packer, de Robert N. Bradbury
1934: Randy Rides Alone, de Harry L. Fraser
1934: The Dawn Rider (O Cavaleiro de Alba), de Robert N. Bradbury
1934: The Trail Beyond (A Pista Abandonada), de Robert N. Bradbury
1935: Paradise Canyon (Desfiladeiro do Paraíso), de Carl Pierson
1935: Lawless Range, de Robert N. Bradbury
1935: Rainbow Valley, de Robert N. Bradbury
1935: Texas Terror, de Robert N. Bradbury
1935: The New Fronteir (Polícia de Fronteira), de Carl Pierson
1935: Westward Ho (Caça aos Bandidos), de Robert N. Bradbury
1935: The Desert Trail (O Triunfo da Audácia), de Lewis D. Collins
1936: The Lawless Nineties (Os 90 Bandidos), de J. Kane
1936: The Oregon Trail (A Barreira de Fogo), de S. Penbroke
1936: Sea Spoilers (Guarda-Costas à Vista), de Frank R. Strayer
1936: Conflict (Precisa-se de um Campeão), de David Howard
1936: Winds of the Wasteland, de M. V. Wright
1936: King of the Pecos, de J. Kane
1937: Adventure’s End (A Revolta da Tripulação), de Arthur Lubin
1937: California Straight Ahead!, de Arthur Lubin
1937: I Cover the War, de Arthur Lubin
1937: Born to the West, de Charles Barton
1938: Idol of the Crowds, de Arthur Lubin
1938: Pals of the Saddle, de George Sherman
1938: Santa Fe Stampede, de George Sherman
1938: Overland Stage Raiders, de George Sherman
1938: Red River Range, de George Sherman
1939: Allegheny Uprising (O Primeiro Rebelde), de William A. Seiter
1939: Stagecoach (Cavalgada Heróica), de John Ford
1939: Wyoming Outlaw (O Fantasma da Cidade), de George Sherman
1939: New Frontier, de George Sherman
1939: Three Texas Steers, de George Sherman
1939: The Night Riders, de George Sherman
1940: Dark Command (Comando Negro), de Raoul Walsh
1940: Three Faces West (A Caminho do Ocidente ou Refugiados), de Bernard Vorhaus
1940: The Long Voyage Home (Tormenta a Bordo), de John Ford
1940: Seven Sinners (Sete Pecadores), de Tay Garnett
1941: Lady from Louisiana (Carnaval da Vida), de Bernard Vorhaus
1941: The Shepherd of the Hills (O Escravo da Montanha), de Henry Hathaway
1941: A Man Betrayed, de J.H. Auer
1942: Lady for a Night (Era uma Vez uma Lady...), de Leigh Jason
1942: Reap the Wild Wind (O Vento Selvagem), de Cecil B. DeMille
1942: The Spoilers (Oiro), de Ray Enright
1942: Flying Tigers (Tigres Voadores), de David Miller
1942: Pittsburgh (Sangue Negro), de Lewis Seiler
1942: In Old California (A Emboscada), de William C. McGann
1942: Reunion in France (Encontro em França), de Jules Dassin
1943: A Lady Takes A Chance (A Dama e o Cow-Boy), de William A. Seiter
1943: In Old Oklahoma (Fúria Ardente), de Albert S. Rogell
1944: The Fighting Seabees (O Batalhão Suicida), de Edward Ludwig
1944: Tall in the Saddle (A Indomável), de Edwin L. Marin
1945: Back to Bataan (Voltemos à Carga), de Edward Dmytryk
1945: Flame of Barbary Coast (A Maldição de São Francisco), de Joseph Kane
1945: They Were Expendable (Homens para Queimar), de John Ford
1945: Dakota (Oeste em Chamas), de Joseph Kane
1946: Without Reservations (A Viajante Clandestina), de Mervyn LeRoy
1946: Desert Command, de Colbert Clark e Armand Schaefer
1947: Angel and the Badman (A Última Jornada), de James Edward Grant
1947: Tycoon (Tycoon - A Grande Conquista), de Richard Wallace
1948: Fort Apache (Forte Apache), de John Ford
1948: Red River (O Rio Vermelho),de Howard Hawks e Arthur Rosson
1948: Three Godfathers (Os Três Padrinhos), de John Ford
1948: Wake of the Red Witch (A Lenda da Bruxa Vermelha), de Edward Ludwig
1949: The Fighting Kentuckian (Um Valente), de George Waggner
1949: She Wore a Yellow Ribbon (Os Dominadores), de John Ford
1949: Sands of Iwo Jima (O Inferno de Iwo Jima), de Allan Dwan
1950: Rio Grande ou Sons of the pioneers (Rio Grande), de John Ford
1951: Operation Pacific (Heróis do Pacífico), de George Waggner
1951: Flying Leathernecks (Inferno nas Alturas), de Nicholas Ray
1952: The Quiet Man (O Homem Tranquilo), de John Ford
1952: Miracle in Motion (curta-metragem) (narrador)
1953: Big Jim McLain (O Fio da Meada), de Edward Ludwig
1953: Trouble Along the Way (Barreiras Vencidas), de Michael Curtiz
1953: Island in the Sky (Inferno Branco), de William A. Wellman
1953: Hondo (Hondo), de John Farrow
1953: Three Lives (curta-metragem) (narrador)
1954: The High and the Mighty (Alto e Poderoso), de William A. Wellman
1955: The Sea Chase (A Raposa dos Mares), de John Farrow
1955: Blood Alley (Aldeia em fuga), de William A. Wellman
1955: Screen Directors Playhouse (série de TV) - episódio Rookie of the Year
1956: The Conqueror (O Conquistador), de Dick Powell
1956: The Searchers (A Desaparecida), de John Ford
1957: The Wings of Eagles (A Águia Voa ao Sol), de John Ford
1957: Jet Pilot (As Estradas do Inferno), de Josef von Sternberg
1957: Legend of the Lost (A Cidade Perdida), de Henry Hathaway
1958: The Barbarian and the Geisha (O Bárbaro e a Gueixa), de John Huston
1958: I Married a Woman Leonard (A Vénuis de carne), de H. Kanter (não creditado)
1959: Rio Bravo (Rio Bravo), de Howard Hawks
1959: The Horse Soldiers (Os Cavaleiros), de John Ford
1960: The Alamo (Alamo), de John Wayne
1960: North to Alaska (A Terra das Mil Aventuras), de Henry Hathaway
1960: Wagon Train (série de TV) - episódio The Colter Craven Story
1961: The Comancheros (Os Comancheros), de Michael Curtiz
1962: The Man Who Shot Liberty Valance (O Homem que Matou Liberty Valance), de John Ford
1962: Hatari! (Hatari!), de Howard Hawks
1962: The Longest Day (O Dia Mais Longo), de Annakin et Andrew Marton
1962: How The West Was Won (A Conquista do Oeste), de John Ford e Henry Hathaway
1962: Alcoa Premiere (série de TV) - episódio Flashing Spikes
1963: McLintock! (McLintock, o Magnífico), de Andrew V. McLaglen
1963: Donovan's Reef (A Taberna do Irlandês), de John Ford
1964: Circus World (O Mundo do Circo), de Henry Hathaway
1965: The Greatest Story Ever Told (A Maior História de Todos os Tempos), de George Stevens
1965: In Harm's Way (A Primeira Vitória), de Otto Preminger
1965: The Sons of Katie Elder (Os Quatro Filhos de Katie Elder), de Henry Hathaway
1966: Cast a Giant Shadow A Sombra de um Gigante), de Melville Shavelson
1966: El Dorado (El Dorado), de Howard Hawks
1966: Magic Mansion (série de TV) - episódio Ride 'em Cowboy
1967: The War Wagon (Assalto ao Carro Blindado), de Burt Kennedy
1968: The Green Berets (Os Boinas Verdes), de Ray Kellogg et John Wayne
1968: Hellfighters (Gigantes do Inferno), de Andrew V. McLaglen
1969: True Grit (A Velha Raposa), de Henry Hathaway
1969: The Undefeated (Nunca Foram Vencidos), de Andrew V. McLaglen
1970: Chisum (Chisum, o Senhor do Oeste), de Andrew V. McLaglen
1970: Rio Lobo (Rio Lobo), de Howard Hawks
1971: Big Jake (Eu Julgava-o Morto Mr. Jack), de George Sherman e John Wayne
1972: The Cowboys (Os Cowboys), de Mark Rydell
1973: The Train Robbers (O Trunfo é Perder), de Burt Kennedy
1973: Cahill U.S. Marshal (Justiça de Cahill), de Andrew V. McLaglen
1974: McQ (Um Detective Acima da Lei), de John Sturges
1975: Brannigan (Brannigan), de Douglas Hickox
1975: Rooster Cogburn (O Sheriff), de Stuart Millar
1976: The Shootist (O Atirador), de Don Siegel

SESSÃO 37: 21 DE JULHO DE 29014

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 O GIGANTE (1956)
“Giant” é um daqueles painéis históricos que, partindo da gesta de uma família, nos procura dar o retrato das transformações sociais por que passou a sociedade norte-americana durante um certo lapso de tempo. Estamos no Texas, em plena primeira metade do século XX, e o centro de atenção é um rancho, Benedict Reata, desde sempre pertencente à família de Jordan Benedict (Rock Hudson), um rancheiro à moda antiga, cuja principal fonte económica é o gado. São milhares e milhares de hectares a perder de vista, com um pequeno e miserável pueblo mexicano lá incrustado, onde vivem os empregado e respectivas famílias. Mas este é apenas um dos retratos da América. No início do filme, Jordan Benedict encontra-se no outro extremo dos EUA, em Mariland, no leste, onde vai comprar um puro-sangue indomável. Jordan chega a este pedaço de terra americana que relembra os verdejantes campos de Inglaterra com a única ideia de trazer o cavalo para o seu rancho, mas acaba por fazer-se acompanhar, no regresso, igualmente pela filha do proprietário, a jovem e bela Leslie Lynnton (Elizabeth Taylor), uma mulher totalmente diferente das do Texas, educada, sensível, independente, que olha com alguma indignação as condições de vida dos mexicanos que vai encontrar. Mas não só isso. Em Reata, quem dirige a casa com mão de ferro é Luz (Mercedes McCambridge), a irmã de Jordan, e também entre ambas a harmonia não é completa. Muito pelo contrário. De resto, um dos empregados de Reata, Jett Rink (James Dean), é insolente e pouco cooperante, armazenando consecutivas ameaças de despedimento, que, a partir daí, serão atenuadas pela interferência de Leslie que sente alguma compreensão por este “rebelde” aqui com causa.
Estamos na década de 20, e o filme irá prolongar-se até bem depois do final da II Guerra Mundial. Jett Rink acabará por herdar uma pequena propriedade a que arrogantemente irá chamar “Little Reata” e de onde, num lampejo de sorte e perseverança, irão brotar dezenas e dezenas de poços de petróleo. Aqui se instala, na segunda parte desta epopeia familiar, um novo e complexo confronto, entre o tradicional rancheiro de gado e o novo proprietário de petróleo, que num ápice se transforma num agressivo capitalista. 
Há, portanto, vários assuntos mesclados nesta história que parte de um best seller de Edna Ferber e que se desenvolve ao longo de mais de três horas que o talento de George Stevens e dos seus colaboradores (técnicos e actores) impõe que se acompanhe com singular interesse. Desde o esboço familiar até ao conflito final que opõe Jordan e Jett, “O Gigante” mobiliza diferentes acções e debate várias questões, todas elas interessantes e pertinentes, quer a um nível individual (a relação Jordan e Leslie, por exemplo), familiares (Leslie e Luz, particularmente, mas depois também, e ainda com maior clareza, o desencontro de gerações, entre Jordan e os filhos) ou sociais (onde o racismo e a exploração dos empregados sobressai, numa primeira etapa, para depois se agudizar entre conceitos diversos de exploração da terra e de erguer sobre ela uma economia capitalista). Parte-se, portanto, de um microcosmos para se atingir uma análise mais vasta que tem por meta a própria América e os seus valores (nalguns aspectos a negação de valores, na descriminação entre raças, entre homem e mulher, entre patrões e empregados, etc.).
O filme de George Stevens tem um olhar reformista, acredita que a sociedade vai evoluindo lentamente para melhores e mais justos tempos, e tem em conta que os “maus costumes” serão certamente castigados e as boas práticas acabarão por se impor. É uma visão americana por excelência, de quem acredita numa determinada concepção de democracia que caminha inexoravelmente para o progresso e o bem-estar colectivo. Haverá vozes que não acreditam nesta concepção, mas o filme de Stevens mostra-se bem intencionado nos seus propósitos e não escamoteia nem problemas dramáticos nem adversidades concretas, na sua ânsia por soluções mais justas. Resta ainda sublinhar que, sendo uma obra de 1956, “O Gigante” participa de um olhar novo que surge na sociedade norte-americana e que irá explodir na década seguinte com as lutas de emancipação de negro e das mulheres, a assunção do “flower power” e dos movimentos juvenis e universitários.   
Stevens é um cineasta brilhante nalguns dos seus momentos e “O Gigante” ostenta uma narrativa sólida e um metier não só eficaz como por vezes inspirado. Estamos num tempo em que o cinema clássico de Hollywood procurava contar histórias servindo-se particularmente do poder da imagem, das elipses sugeridas, das metáforas adivinhadas e neste aspecto a obra é sintomática deste período brilhante, servida por uma voz pessoal que se sustenta ao longo de uma filmografia carregada de sucessos. Esta obra, que seria a mais cara alguma vez produzida pela Warner até essa altura (quase 5,5 milhões de dólares), iria arrecadar mais de 35 milhões na sua estreia, colocando-se ao lado de alguns outros gigantes de idênticas intenções (a começar desde logo por “O Nascimento de Uma Nação” de Griffith, passando por “E Tudo o Vento Levou”, de Fleming, para terminar, décadas depois, no “Era Uma Vez na América”, de Leoni).
Para solidificar ainda mais este desígnio de filme de culto e de obra charneira de uma determinada época, “Giant” viu acrescentar-lhe uma efeméride de difícil esquecimento: foi a última obra interpretada por James Dean, que, pouco depois de ter terminado a rodagem, morreria tragicamente num acidente de automóvel. O filme só seria estreado meses depois, pesando sobre ele essa carga trágica que transformaria para sempre James Dean num ícone norte-americano e mundial. Mas a película conta com um excelente naipe de actores, entre os quais Rock Hudson, Elizabeth Taylor, Carroll Baker, Mercedes McCambridge, Chill Wills, Dennis Hopper, Sal Mineo, Earl Holliman, etc. Curiosamente, sobretudo ao nível do elenco mais jovem, alguns dos actores que tinham aparecido ao lado de James Dean em “Fúria de Viver”. 
Na cerimónia de atribuição dos Oscars referentes a esse ano, apenas George Stevens ganharia o de Melhor Realizador, mas a obra seria ainda nomeada para Melhor Filme, Melhor Argumento Adaptado  (Fred Guiol e Ivan Moffat), Melhor Actor (James Dean, nomeação póstuma, e Rock Hudson), Melhor Actriz Secundária (Mercedes McCambridge), Melhor Música (Dimitri Tiomkin), Melhor Direcção Artística (Boris Leven e Ralph S. Hurst); Melhor Guarda-Roupa (Moss Mabry e Marjorie Best) e Melhor Montagem (William Hornbeck, Philip W. Anderson e Fred Bohanan). Nesse ano, “A Volta ao Mundo em 80 Dias” e “O Rei e Eu”, obras interessantes, mas menores ao lado de “O Gigante”, ganhariam as honras da noite.

O GIGANTE
Título original: Giant
Realização: George Stevens (EUA, 1956); Argumento: Fred Guiol, Ivan Moffat, segundo romance de Edna Ferber; Produção: Henry Ginsberg, George Stevens; Música: Dimitri Tiomkin; Fotografia (cor): William C. Mellor; Montagem: William Hornbeck, Robert Lawrence; Casting: Hoyt Bowers; Design de produção: Boris Leven; Decoração: Ralph S. Hurst; Guarda-roupa: Marjorie Best; Maquilhagem: Gordon Bau, Pat Westmore; Direcção de produção: Tom Andre; Assistentes de realização: Fred Guiol, Russell Llewellyn, Joseph E. Rickards; Som: Earl Crain Sr., C.J. 'Mickey' Emerson; Efeitos especiais: Ralph Webb: Efeitos visuais: Jack Cosgrove; Companhias de produção: Giant Productions, Warner Bros. Pictures; Intérpretes: Elizabeth Taylor (Leslie Benedict), Rock Hudson (Jordan 'Bick' Benedict Jr.), James Dean (Jett Rink), Carroll Baker (Luz Benedict II), Jane Withers (Vashti Snythe), Chill Wills (Tio Bawley), Mercedes McCambridge (Luz Benedict), Dennis Hopper (Jordan Benedict III), Sal Mineo (Angel Obregón II), Rod Taylor (Sir David Karfrey), Judith Evelyn (Mrs. Nancy Lynnton), Earl Holliman ('Bob' Dace), Robert Nichols, Paul Fix, Alexander Scourby, Fran Bennett, Charles Watts, Elsa Cárdenas, Carolyn Craig, Monte Hale, Sheb Wooley, Mary Ann Edwards, Victor Millan, Mickey Simpson, Pilar Del Rey, Maurice Jara, Noreen Nash, Ray Whitley, Napoleon Whiting, etc. Duração: 201 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros. (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 17 de Abril de 1957.

GEORGE STEVENS (1904 – 1975)
George Cooper Stevens nasceu a 18 de Dezembro de 1904, em Oakland, Califórnia, EUA, e viria a falecer a 8 de Março de 1975, Lancaster, Califórnia, EUA, vítima de ataque cardíaco.
Os pais eram actores, Landers Stevens e Georgie Cooper, sendo que Landers Stevens conheceu alguma notoriedade durante o cinema mudo. Desde adolescente que se apaixonou pelo teatro e a fotografia. Aos 17 anos, vamos encontrá-lo em Hollywood como assistente de câmara, e depois director de fotografia. Trabalhou em várias comédias do produtor Hal Roach, em filmes de Stan Laurel e Oliver Hardy, como “Two Tars” (1928) e “Big Business” (1929). Em 1930, estreou-se como realizador, com duas curtas-metragens: “Ladies Last” e “The Kickoff”. Dirigiu duas dezenas antes de se lançar numa longa, já nos estúdios da RKO: “The Cohens and Kellys in Trouble” (1933). Mas o seu primeiro grande sucesso foi “Alice Adams” (1935), onde numa pequena cidade norte-americana, Katharine Hepburn tenta casar por interesse, acabando por optar pelo rapaz Fred MacMurray, o pelintra do grupo. Passa ao musical, dirigindo a dupla Fred Astaire-Ginger Rogers em “Swing Time” (1936). Gunga Din (1939), adaptando Rudyard Kipling, fala de aventuras passadas na Índia, em finais do Século XIX, e é outro êxito. A sua carreira ganha forma definitiva com “Woman of the Year” (1942), que junta Spencer Tracy e Katharine Hepburn, e “The More the Merrier” (1943), a sua primeira nomeação para o Oscar de Melhor Realizador. Durante a II Guerra Mundial, foi operador de câmara, tendo recolhido imagens essenciais do desembarque dos Aliados na Normandia e da libertação dos judeus do campo de concentração de Dachau. Regressa à realização em 1948, com “I Remember Mama”, e segue-se um conjunto de filmes que o impõem definitivamente como um dos grandes de Hollywood: conquistou o seu primeiro Óscar com “A Place in the Sun” (1951), depois “Shane” (1953), um dos mais clássicos westerns, a que se seguiu a saga familiar texana, “Giant” (1956), que lhe trouxe um novo Oscar. Antes de falecer, assina ainda “The Diary of Anne Frank” (1959), “The Greatest Story Ever Told” (1965) e “The Only Game in Town” (1970). Foi um dos grandes cineastas de Hollywood, da sua época áurea, destacando-se pela sua sensibilidade e um estilo apurado, grande desenvoltura plástica, elegância e subtileza formal. Excelente director de actores. 
Recebeu seis nomeações para Melhor Filme, por “The Talk of the Town” (1942), “The More the Merrier” (1943), “A Place in the Sun” (1951), “Shane” (1953), “Giant” (1956) e “The Diary of Anne Frank” (1959). Recebeu cinco nomeações para Melhor Realizador, em “The More the Merrier” (1943), “A Place in the Sun” (1951), “Shane” (1953), “Giant” (1956) e “The Diary of Anne Frank” (1959). Foi-lhe atribuído o Irving G. Thalberg, concedido pela Academia em 1954. Recebeu três nomeações nos Globo de Ouro como “Melhor Realizador”, em “A Place in the Sun” (1951), “Giant” (1956) e “The Diary of Anne Frank” (1959). Possui uma Estrela no Passeio da Fama de Hollywood, em 1701 Vine Street. Casado com Yvonne Howell (1930 - 1947) e Joan McTavish (1968 - 1975). Sepultado no Forest Lawn (Hollywood Hills), Los Angeles, Califórnia, EUA.

Filmografia:
Como realizador
1930: Ladies Last (curta-metragem)
1931: Blood and Thunder (curta-metragem)
1931: High Gear (curta-metragem)
1931: Air-Tight (curta-metragem)
1931: Call a Cop! (curta-metragem)
1931: Mama Loves papa (curta-metragem)
1931: The Kick-Off (curta-metragem)
1932: Who, Me? (curta-metragem)
1932: The Finishing Touch (curta-metragem)
1932: Boys Will Be Boys (curta-metragem)
1933: A Divorce Courtship (curta-metragem)
1933: Family Troubles (curta-metragem)
1933: Rock-a-Bye Cowboy (curta-metragem)
1933: Should Crooners Marry (curta-metragem)
1933: The Cohens and Kellys in Trouble
1933: Room Mates (curta-metragem)
1933: Quiet Please! (curta-metragem)
1933: Flirting in the Park (curta-metragem)
1933: What Fur (curta-metragem)
1933: Grin and Bear It (curta-metragem)
1934: Ocean Swells (curta-metragem)
1934: The Undie-World (curta-metragem)
1934: Cracked Shots (curta-metragem)
1934: Strictly Fresh Yeggs (curta-metragem)
1934: Hollywood Party (Hollywood em Festa) uma sequência, não creditada
1934: Bachelor Bait
1934: Kentucky Kernels            
1935: Bridal Bail (curta-metragem)
1935: Hunger Pains (curta-metragem)
1935: Laddie                
1935: The Nitwits         
1935: Alice Adams        
1935: Annie Oakley
1936: Swing Time (Ritmo Louco)           
1937: Quality Street (Bairro Elegante)
1937: A Damsel in Distress (Uma Donzela em Perigo)
1938: Vivacious Lady (Casamento em Segredo)
1939: Gunga Din (Gunga Din)    
1940: Vigil in the Night (Noites de Angústia)
1941: Penny Serenade (A Canção da Saudade)
1942: Woman of the Year (A Primeira Dama)
1942: The Talk of the Town (O Assunto do Dia) 
1943: The More the Merrier (Gente a Mais... Casas a Menos)       
1945: That Justice Be Done (documentário)
1945: Nazi Concentration Camps (documentário)
1945: The Nazi Plan (documentário)
1946: George Stevens World War II (documentário)
1948: On Our Merry Way (Tudo Pode Acontecer) (não creditado)
1948: I Remember Mama (O Seu Grande Mistério)          
1951: A Place in the Sun (Um Lugar ao Sol)
1952: Something to Live For (Renúncia)
1953: Shane (Shane)     
1956: Giant (O Gigante)
1959: The Diary of Anne Frank (O Diário de Anne Frank)
1965: The Greatest Story Ever Told (A Maior História de Todos os Tempos)
1970: The Only Game in Town (Quando o Jogo É o Amor)
1999: D-Day: The Color Footage (documentário)

ELIZABETH TAYLOR (1932- 2011)
Elizabeth Rosemond Taylor nasceu a 27 de Fevereiro de 1932, em Hampstead, Londres, Inglaterra, e viria a falecer a 23 de Março de 2011, em Los Angeles, Califórnia, EUA, vítima de problemas cardíacos. Os pais eram americanos, Francis Leen Taylor e Sara Viola Rosemond Warmbrodt, oriundos de St. Louis, Missouri, e foram para Londres abrir uma galeria de arte. A mãe era actriz, actividade que abandonou depois de casada, e Elizabeth viveu em Londres até aos 7 anos, quando a família regressou aos EUA, a Los Angeles, para fugir à guerra. Um amigo da família, ao descobrir a beleza da jovem, aconselhou-a a fazer um teste na Universal Pictures, onde foi logo contratada e se estreou aos 10 anos, em “O Rei das Vitaminas” (1942). Pouco depois passou para a MGM, lançando-se numa carreira que fez dela uma das maiores vedetas de sempre do cinema mundial. Depois de algumas obras onde se apresentava como adolescente (entre elas, algumas ao lado da inseparável Lassie), filmes como “Rapsódia” (1954), “O Belo Brummell” (1954), “A Última Vez Que Vi Paris” (1954) ou “A Senda dos Elefantes” (1954) prepararam a escalada. Com 20 anos era considerada uma das mais fulgurantes belezas de Hollywwod, como o demonstrou numa obra-prima de George Stevens, “Um Lugar ao Sol” (1951). Depois interpretou “O Gigante” (1956), ao lado de Rock Hudson e de James Dean, prosseguindo num crescendo de sucessos, como “A Árvore da Vida” (1957), “Gata em Telhado de Zinco Quente” (1958), “Bruscamente no Verão Passado” (1959), “O Número do Amor” (1960), “Cleópatra” (1963), “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” (1966), entre muitos outros. Foi Oscar da Academia para Melhor Actriz em 1961, por “Butterfield 8” e em 1967, por “Who's Afraid of Virginia Woolf?”. Conquistou inúmeros prémios e condecorações. Possui uma Estrela no “Walk of Fame”, em 6336, Hollywood Boulevard. Vida sentimental tumultuosa, com sete casamentos, um deles bisado: Conrad Hilton Jr. (1950 - 1951), Michael Wilding (1952 - 1957), Michael Todd (1957 - 1958), Eddie Fisher (1959 - 1964), Richard Burton (1964 - 1974), Richard Burton (1975 - 1976) John Warner (1976 - 1982) Larry Fortensky (1991 - 1996).

Filmografia:
1942: There’s One Born Every Minute (O Rei das Vitaminas), de Harold Young
1943: Lassie Come Home (O Regresso), de Fred M. Wilcox
1944: Jane Eyre (A Paixão de Jane Eyre), de Robert Stevenson   
1944: The White Cliffs of Dover (As Rochas Brancas de Dover), de Clarence Brown
1944: National Velvet (A Nobreza Corre nas Veias), de Clarence Brown
1946: Courage of Lassie ou Blue Sierra (A Coragem de Lassie), de Fred M. Wilcox
1947: Life with Father (A Culpa é do Papá), de Michael Curtiz    
1947: Cynthia: The Rich, Full Life ou The Rich Full Life (Cynthia, Feliz Amanhecer), de Robert Z. Leonard
1948: A Day with Judy (Travessuras de Júlia), de Richard Thorpe
1948: Julia Misbehaves (A Professora de Rumba), de Jack Conway          
1949: Little Women (Mulherzinhas), de Mervyn LeRoy
1949: Conspirator (Traidor), de Victor Saville
1950: The Big Hangover (A Verdade não se Diz), de Norman Krasna       
1950: Father of the Bride (O Pai da Noiva), de Vincente Minnelli  
1951: Father’s Little Dividend (O Pai é Avô), de Vincente Minnelli
1951: A Place in the Sun (Um Lugar ao Sol), de George Stevens  
1951: Quo Vadis (Quo Vadis), de Mervyn LeRoy   ´
1951: Calaway Went Thataway (Esperto Contra Esperto), de Norman Panama e Melvin Frank (não creditada)
1952: Love Is Better Than Ever ou The Light Fantastic (O Melhor é Casar), de Stanley Donen
1952: Ivanhoe ou Sir Walter Scott’s Ivanhoe (Ivanhoe, o Vingador do Rei), de Richard Thorpe      
1953: The Girl Who Had Everything (Paixão Perigosa), de Richard Thorpe           
1954: Rhapsody (Rapsódia), de Charles Vidor     
1954: Elephant Walk (A Senda dos Elefantes), de William Dieterle
1954: Beau Brummell (O Belo Brummell), de Curtis Bernhardt    
1954: The Last Time I Saw Paris (A Última Vez que Vi Paris), de Richard Brooks   
1956: Giant (O Gigante), de George Stevens      
1957: Raintree County (A Árvore da Vida), de Edward Dmytryk   
1958: Cat on a Hot Tin Roof (Gata em Telhado de Zinco Quente), de Richard Brooks       
1959: Suddenly, Last Summer (Bruscamente no Verão Passado), de Joseph L. Mankiewicz            
1960: Butterfield 8 (O Número do Amor), de Daniel Mann           
1963: Cleopatra (Cleopatra), de Joseph L. Mankiewicz
1963: The V.I.P.s ou International Hotel (Hotel Internacional)), de Anthony Asquith 
1964: The Night of Iguana (A Noite de Iguana), de John Huston
1965: The Sandpiper (Adeus Ilusões), de Vincente Minnelli          
1966: Who’s Afraid of Virginia Woolf? (Quem Tem Medo de Virginia Woolf?), de Mike Nichols       
1967: The Taming of the Shrew (A Fera Amansada), de Franco Zeffirelli            
1967: Doctor Faustus (Doctor Fausto), de Richard Burton e Neville Coghill
1967: Reflections in a Golden Eye (Reflexos num Olho Dourado), de John Huston 
1967: The Comedians (Os Comediantes), de Peter Glenville        
1968: Boom! (Choque), de Joseph Losey
1968: Secret Ceremony (Cerimónia Secreta),      de Joseph Losey           
1969: Anne of the Thousand Days ou Anne of a Thousand Days), de Charles Jarrott
1970: The Only Game in Town (Quando o Jogo É o Amor), de George Stevens
1972: X, Y & Zee and Co. (X, Y e Z) , de Brian G. Hutton
1972: Under Milk Wood, de Andrew Sinclair       
1972: Hammersmith Is Out (A Engrenagem), de Peter Ustinov     
1973: Divorce His, Divorce Hers (Divórcio), de Waris Huss\ein (telefilme)
1973: Night Watch (A Noite dos Mil Olhos), de Brian G. Hutton    
1973: Ash Wednesday (Porque Morre o Nosso Amor?), de Larry Peerce
1974: The Driver’s Seat ou Psychotic (O Outono da Vida), de Giuseppe Patroni Griffi 1974: That Entertainment (Isto é Espectáculo)), de Jack Haley Jr            
1976: The Blue Bird (O Pássaro Azul), de George Cukor
1976: Victory at Entebbe (Vitória em Entebbe), de Marvin Chomsky (telefilme)
1977: A Little Night Music (Música Numa Noite de Verão), de Harold Prince          
1978: Return Engagement, de Harold Prince (telefilme)
1979: Winter Kills (Pela Mira da Espingarda), de William Richert
1980: The Mirror Crack’d (Espelho Quebrado), de Guy Hamilton
1981: General Hospital (série de TV)
1983: Between Friends ou Nobody Makes Me Cry, de Deborah Shapiro (telefilme)
1984: All My Children (série de TV)
1984: Hotel (série de TV)
1985: Malice in Wonderland ou The Rumor Mill Louella Parsons (telefilme)
1985: North and South (Norte e Sul) (série de TV)
1986: There Must Be a Pony, de Marguerite Sydney (telefilme)
1987: Poker Alice, de Alice Moffit (telefilme)
1988: Il Giovane Toscanini (A Vida do Jovem Toscanini), de Franco Zeffirelli       
1989: Sweet Bird of Youth, de Alexandra Del Lago (telefilme)
1992: Captain Planet and the Planeteers Épisode A Formula for Hate) (série de TV)
1992: The Simpsons (Os Simpsons) (série de TV)
1994: The Flinstones (Os Flintstones) (série de TV)         
1996: The Nanny, de Fran Drescher
2001: These Old Broads, de Beryl Mason
2003: God, the Devil and Bob (série de TV)

SESSÃO 38: 28 DE JULHO DE 2014

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OS DEZ MANDAMENTOS (1956)
“The Ten Commandments”, de 1956, assinado por Cecil B. de Mille, é uma remake de um anterior filme do mesmo realizador, rodado em 1923, ainda mudo, portanto, e com um elenco de que hoje poucos lembram os nomes. Mas esta versão de 56 ficou para a história, por vários motivos. Desde logo, pela monumentalidade dos propósitos, o arrojos dos efeitos especiais, nomeadamente a cena do Mar Vermelho, cujas águas se abrem para dar passagem aos hebreus em fuga do Egipto. Depois, por se tratar do derradeiro filme de Cecil B. De Mille, uma das glórias de Hollywood, quase desde os seus tempos de fundação, um dos criadores da Academia de Hollywood e dos Oscars, um dos cineastas mais carismáticos da primeira metade do século XX. Conservador, maçónico, puritano na aparência, sensual e hedonista nas imagens que cria (acreditava que os americanos só se interessavam por “dinheiro e sexo”), voluptuoso nas cores e nas formas, de uma religiosidade extrema nas propostas, mas generoso e magnânimo na forma de apresentar “o pecado”, Cecil B. De Mille foi um cineasta muito polémico, um defensor exacerbado do “american way of life” que, até por isso mesmo, conheceu sérios detractores e entusiastas defensores. 
Esta versão de “Os Dez Mandamentos” é, todavia, muito curiosa por diversos motivos, mas sobretudo pela sua proposta estética. O cinema era, por estas alturas, um cinema de transparência, onde o ecrã tentava ser um espelho da realidade. Era realista e procurava reproduzir a vida, tal qual ela é. Esta obra de Cecil B. De Mille, consciente ou inconscientemente (inclino-me mais para a segunda hipótese), é totalmente artificial, um espectáculo que se apresenta enquanto tal, com os cordelinhos da sua fabricação à mostra, teatral na encenação e na representação, mostrando que não ultrapassa a “representação”. Não se substitui à realidade, antes a representa. Neste aspecto, esta obra aproxima-se muito de algumas muito actuais de autores que, tendo ou não em conta a distanciação brechetiana, atingemresultados muito idênticos. Lembra-me obras de alemães e dinamarqueses, de franceses ou mesmo norte-americanos que se afastam do realismo (ou do falso realismo, como eles proclamam).
Na verdade, “Os Dez Mandamentos” começa logo de forma insólita, com a presença do próprio realizador a surgir no ecrã, depois das cortinas correrem, para a apresentação da obra. Uma obra intencionalmente “pessoal”, o que irá prosseguir com a narração dita por De Mille durante toda a sua longa projecção, dividida em duas partes. O argumento é da autoria de Æneas Mackenzie, Jesse L. Lasky, Jr., Jack Gariss e Fredric M. Frank, segundo alguns livros sagrados e ainda “Pillar of Fire”, de Joseph Holt Ingraham, “On Eagle's Wings”, de A.E. Southon, e “Prince of Egypt”, de Dorothy Clarke Wilson. Vários consultores históricos e teólogos conceituados foram consultados e De Mille assegura que os passos da vida de Moisés que vão ser apresentados representam um avanço no conhecimento desta personagem e do seu tempo histórico. O que não impediu, certamente por razões de espectáculo, que alguma história tenha sido desvirtuada, e muitos ensaístas se encarregaram de o assinalar na altura da sua estreia. Mas não é a intenção desta nota avançar por aí. O que vemos é, pois, um espectáculo sobre a vida de Moisés, desde o seu nascimento até à sua retirada do Egipto, levando os hebreus para a Terra Santa, ou, como afirma De Mille, “a história da origem da Liberdade, de como os homens deixaram de ser propriedade do Estado, para se regerem pela Lei de Deus”. Este aspecto coloca o filme sob dois curiosos pontos de vista: Hollywood era, por esta altura, dominada por judeus, sendo a sua exaltação mais ou menos constante por parte de produtores e realizadores que se sentiam ligados à sua crença. Por outro lado, estamos em meados dos anos 50, a II Guerra Mundial tinha terminado há pouco, com a revelação internacional dos terríveis efeitos do holocausto nazi que dizimou milhões de judeus. Mais, a emigração de judeus para Israel era uma realidade muito actual. “Os Dez Mandamentos” procurava associar-se muito directamente a esta onda de repúdio pelos crimes do III Reich, e pela criação do estado de Israel, que se afirma em finais da década de 40. Se não está dito claramente, está subentendido sem grandes artifícios.
“Os 10 Mandamentos” é, portanto, um filme bíblico com pretensões humanistas e políticas, que “representa” para nossa, dos espectadores, edificação, uma estrutura ficcionada sobre figuras históricas e míticas. O realismo seria insuficiente para tal empreendimento e a estética de De Mille, decorativa, sumptuosa, exuberante, garrida, teatral, também o impunha. O resultado é particularmente interessante. Desde o início, desde o colocar do bebé Moisés num cestinho no rio Nilo, até à sequência das águas que se abrem para os hebreus passaram através do Mar Vermelho, tudo se situa ao nível da encenação teatral, com cenários que ostensivamente se mostram como tal, com representações por vezes grandiloquentes, com tiradas literárias, com um aparente puritanismo moral que, todavia, é contrariado pela exaltação emocional e plástica dos sentidos, através das cores, das formas, da sensualidade das situações, da quase apologia (ingénua, até certo ponto) desse mesmo erotismo (vejam-se as cenas de Nefretiri tentando Moisés, ou a forma como as irmãs de Sephora seduzem o mesmo Moisés).
“The Ten Commandments” logrou uma das maiores receitas de sempre na História do Cinema. Foi a mais cara produção da Paramount Pictures, até esse momento (qualquer coisa como 13.5 milhões de dólares), rodada num lúbrico colorido deslumbrante e em VistaVision, e contou com um elenco de arrasar: Charlton Heston como Moisés, Yul Brynner como Ramsés II, Anne Baxter como Nefretiri, Edward G. Robinson como Dathan, Yvonne De Carlo como Sephora, Debra Paget como Lilia, John Derek como Joshua, Sir Cedric Hardwicke como o Faraó Seti I, Nina Foch como Bithiah, Martha Scott como Yoshebel, Judith Anderson como Memnet, Vincent Price como Baka, John Carradine como Aaron, para só falar nos actores principais, situados à frente de uma majestosa legião de figurantes (numa altura em que não havia efeitos de multiplicação digital). Atingiu receitas record de 65 milhões de dólares só no mercado norte-americano (o que, em números de hoje, representaria 1,025,730,000 de dólares). Foi considerado um dos 10 melhores filmes épicos de sempre. A música de Elmer Bernstein tornou-se um clássico, e tecnicamente o filme é surpreendente para a época, goste-se ou não da sua estética. Recebeu sete nomeações para os Oscars, entre as quais a de Melhor Filme, mas apenas ganhou a de Melhores Efeitos Especiais. 
Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre a produção desde mastodôntico dinossauro hollywoodesco, será de todo o interesse ler uma obra de Katherine Orrison, “Written in Stone: Making Cecil B. DeMille's Epic, The Ten Commandments”.
Última curiosidade: durante as filmagens Cecil B. DeMille sofreu um ataque cardíaco, passou poucos dias afastado das filmagens, mas regressou contra as prescrições médicas e acabou a obra. Já não terminaria a seguinte, “The Buccaneer” (finalizada por Anthony Quinn).

OS DEZ MANDAMENTOS
Título original: The Ten Commandments
Realização: Cecil B. DeMille (EUA, 1956); Argumento: Æneas MacKenzie, Jesse Lasky Jr., Jack Gariss, Fredric M. Frank, partindo de obras de Dorothy Clarke Wilson (que contem material de "Prince of Egypt"), J.H. Ingraham (do livro "Pillar of Fire") e A.E. Southon (do livro "On Eagle's Wing"); Produção: Cecil B. DeMille, Henry Wilcoxon; Música: Elmer Bernstein; Fotografia (cor): Loyal Griggs; Montagem: Anne Bauchens; Casting: Bert McKay; Direcção artística: Albert Nozaki, Hal Pereira, Walter H. Tyler; Decoração: Sam Comer, Ray Moyer; Maquilhagem: Wally Westmore; Direcção de produção: Frank Caffey, C. Kenneth Deland, Don Robb; Assistentes de realização: Francisco Day, Daniel McCauley, Michael D. Moore, Arthur Rosson, Edward Salven, Fouad Aref; Som: Gene Garvin, Harry Lindgren, Louis Mesenkop; Efeitos visuais: Farciot Edouart, John P. Fulton, Paul K. Lerpae; Companhias de produção: Paramount Pictures, Motion Picture Associates; Intérpretes: Charlton Heston (Moses / voz de Deus), Yul Brynner (Rameses), Anne Baxter (Nefretiri), Edward G. Robinson (Dathan), Yvonne De Carlo (Sephora), Debra Paget (Lilia), John Derek (Joshua), Cedric Hardwicke (Sethi), Nina Foch (Bithiah), Martha Scott (Yochabel), Judith Anderson (Memnet), Vincent Price (Baka), John Carradine (Aaron), Olive Deering (Miriam), Douglass Dumbrille (Jannes), Frank DeKova (Abiram), Henry Wilcoxon (Pentaur), Eduard Franz, Donald Curtis, Lawrence Dobkin, H.B. Warner, Julia Faye, Lisa Mitchell, Noelle Williams, Joanna Merlin, Pat Richard, Joyce Vanderveen, Diane Hall, Abbas El Boughdadly, Fraser Clarke Heston, John Miljan, Francis McDonald, Ian Keith, Paul De Rolf, Woody Strode, Tommy Duran, Eugene Mazzola, Ramsay Hill, Joan Woodbury, Esther Brown, etc. Duração:220 minutos; Distribuição em Portugal: Paramount (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 5 de Outubro de 1956.

CECIL B. DEMILLE 
(1881 – 1959)
Cecil Blount DeMille nasceu a 12 de Agosto de 1881, em Ashfield, Massachusetts, EUA, e faleceu a 21 de Janeiro de 1959, em Hollywood, Los Angeles, Califórnia, EUA, vítima de ataque cardíaco.
Os pais, Henry C. DeMille e Beatrice DeMille, eram argumentistas. O pai morreu quando Cecil tinha apenas 12 anos e a mãe teve de suportar todos os encargos da família, tendo aberto uma escola teatral para raparigas. Cecil inscreveu-se, com o irmão William, na New York Academy of Dramatic Arts, estreando-se como actor em 1900, mantendo-se assim durante 12 anos. Em 1913, juntamente com Jesse L. Lasky e Samuel Goldwyn, forma a Lasky Film Company, viajando depois para a Califórnia, onde produz e co-realiza com Oscar Apfel um filme de certo êxito, “O Exilado” (1914). Começa então uma bem sucedida carreira como realizador e produtor, lançando algumas actrizes que se tornariam vedetas incontestáveis, como Gloria Swanson, com quem trabalhou por diversas vezes. Envolveu-se em centenas de obras, e produziu e realizou cerca de 70, entre as quais várias comédias e obras bíblicas, “O Rei dos Reis” (1927), “Os Dez Mandamentos” (1923), ou “As Cruzadas” (1935), “Sansão e Dalila” (1949), ou a nova versão de “Os Dez Mandamentos” (1956). Entre 1936 e 1945 dirige o "Lux Radio Theatre", onde desenvolveu actividade transbordante, num programa de rádio de uma hora, onde teatralizava alguns filmes, quase sempre com as vozes dos actores que participavam nos filmes, o que lhe permitiu tornar-se um símbolo de Hollywood e um dos nomes mais sonantes no campo da realização, só comparável ao de David W. Griffith. Muito dado a espectáculos de vários géneros, mas sempre ao nível da super-produção, dele se destacam ainda “Cleópatra” (1934), “Uma Aventura de Buffalo Bill” (1936), “O Corsário Lafitte” (1938), “Aliança de Aço” (1939), “Pelo Vale das Sombras” (1944), “Inconquistáveis” (1947) ou “O Maior Espectáculo do Mundo” (1952).
Foi um dos 36 fundadores da Academy of Motion Picture Arts and Sciences (AMPAS), sendo igualmente uma das personalidades que lançou a ideia dos Oscars.
DeMille era uma lenda de Hollywood e dele se contam dezenas de episódios delirantes que testemunham o seu humor e coragem. Rezam as crónicas que um dia, ao preparar uma cena particularmente difícil, com muitos figurantes, deu de caras com duas mulheres a falarem entre si. Perguntou então a uma delas: “Pode dizer-nos de que falam?” ao que a mulher respondeu: “Perguntava aqui à minha colega quando será que aqueles filhos da mãe interrompem isto para nós almoçarmos”. De Nille ouviu, virou-se para a multidão e gritou: “Almoço!”
Numa cena de milhares de figurantes, durante uma batalha que só podia ser filmada de uma única vez, tais os meios bélicos que eram empregues (explosivos, cavalos, armas, etc.), De Mille utilizou quatro câmaras para ter imagens de diversos ângulos. A sequência decorreu magnificamente e quando gritou “Corta!” o realizador inquiriu cada operador: câmara 1: a película bloqueou; câmara 2: perdemos a imagem quando a lente foi atingida por terra lançada por um cavalo; câmara 3: uma torre ao cair atingiu a câmara. Restava a câmara 4 colocado no cimo de uma colina. Era a salvação. De Mille utiliza o megafone: “Apanharam tudo?” ao que o operador responde: “Estamos prontos, C.B., para a sua ordem de “Acção!”.
Uma derradeira história recolhia da Wikipedia: DeMille argumentava com um executivo da Paramount que lhe fazia ver a loucura de orçamento em figurantes que uma cena de batalha a filmar a seguir iria custar. De Mille tranquiliza-o, com um sorriso: “Não se preocupe. Temos tudo controlado. Nós vamos utilizar balas verdadeiras”.
Era um republicano conservador e feroz anti-comunista. Foi um dos sustentáculos das “listas negras” de Hollywood durante o maccarhismo. Tentou mesmo, em 1952, que Joseph L. Mankiewicz fosse removido de Presidente da Guilda de Realizadores por não o considerar de confiança. George Stevens e John Ford contrariaram as suas intenções.
Foi nomeado para o Oscar de Melhor Realizador, por "O Maior Espectáculo do Mundo" (1952) e recebeu duas outras indicações para o Oscar de Melhor Filme, por "O Maior Espectáculo do Mundo" (1952) e "Os Dez Mandamentos" (1956). Venceu em 1952. Conquistou um Oscar honorário em 1950, concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas como reconhecimento aos seus 37 anos de carreira. Recebeu Prémio Irving G. Thalberg, em 1953, concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Foi Globo de Ouro de Melhor Realizador, por "O Maior Espetáculo do Mundo" (1952) e ganhou a Palma de Ouro, no Festival de Cannes, com "Aliança de Aço" (1939).
Possui duas estrelas no Hollywood Walk of Fame: uma pelos seus filmes, em 1725 Vine Street, outra pelo programa de rádio, em 6240 Vine Street in Hollywood, Califórnia.
Casado com Constance Adams (1902 - 1959), mas manteve relações paralelas com Jeanie Macpherson e Julia Faye, falando-se ainda de outros casos amorosos. Encontra-se sepultado no Hollywood Memorial Cemetery (agora Hollywood Forever), em Hollywood.

Filmografia:
1914: The Squaw Man (O Exilado) (co-realizado com Oscar Apfel)
1914: Brewster's Millions (co-realizado com Oscar Apfel)
1914: The Master Mind (não creditado)
1914: The Only Son      
1914: The Man on the Box (co-realizado e não creditado)
1914: The Call of the North      
1914: The Virginian      
1914: What's His Name  
1914: The Man from Home       
1914: Rose of the Rancho         
1914: The Ghost Breaker (co-realizado com Oscar Apfel)
1915: The Girl of the Golden West        
1915: After Five           
1915: The Wild Goose Chase
1915: The Warrens of Virginia
1915: The Unafraid      
1915: The Captive        
1915: The Arab            
1915: Temptation
1915: The Golden Chance
1915: Chimmie Fadden
1915: Kindling  
1915: Carmen  
1915: Chimmie Faden Out West
1915: The Cheat (A Marca de Fogo) (não creditado)       
1916: The Trail of the Lonesome Pine
1916: The Heart of Nora Flynn  
1916: Maria Rosa          
1916: The Dream Girl   
1916: Joan the Woman (Joana d'Arc)     
1917: Lost and Won
1917: A Romance of the Redwoods       
1917: Nan of Music Mountain (curta-metragem) (não creditado)
1917: The Little American (A Pequena Americana) (não creditado)
1917: The Woman Got Forgot   
1917: The Devil-Stone   
1918: The Whispering Chorus    
1918: Old Wives for New          
1918: We Can't Have Everything            
1918: Till I Come Back to You
1918: The Squaw Man
1919: Don't Change Your Husband
1919: For Better, for Worse
1919: Male and Female (Macho e Fêmea)
1920: Why Change Your Wife?   
1920: Something to Think About
1921: Forbidden Fruit
1921: The Affaires of Anatol (não creditado)
1921: Fool's Paradise    
1922: Saturday Night
1922: Manslaughter (O Homicídio)
1923: Adam's Rib          
1923: The Ten Commandments (Os Dez Mandamentos)  
1924: Triumph (Triunfo)           
1924: Feet of Clay         Drame
1925: The Golden Bed (A Cama de Ouro)          
1925: The Road to Yesterday (Visão do Passado)
1926: The Volga Boatman (O Barqueiro do Volga)
1927: The King of Kings (O Rei dos Reis)
1928: Walking Back (não creditado)
1929: The Godless Girl (A Descrente) (ainda mudo, mas com sequências sonoras),
1929: Dynamite (Dinamite)        
1930: Madam Satan (Madame Satan)     
1931: The Squaw Man (O Exilado)
1932: The Sign of the Cross (O Sinal da Cruz)     
1933: This Day and Age            
1934: Four Frightened People
1934: Cleopatra (Cleópatra)     
1935: The Crusades (As Cruzadas)
1936: The Plainsman (Uma Aventura de Buffalo Bill)
1938: The Buccaneer (O Corsário Lafitte)          
1939: Union Pacific (Aliança de Aço)      
1940: Northwest Mounted Police (Os Sete Cavaleiros da Vitória)   
1942: Reap the Wild Wind (O Vento Selvagem)
1944: Story of Dr. Wassell (Pelo Vale das Sombras)
1947: Unconquered (Inconquistáveis)
1948: California's Golden Beginning (curta-metragem) (co-realizada com Herbert Coleman)
1949: Samson and Delilah (Sansão e Dalila)
1952: The Greatest Show on Earth (O Maior Espectáculo do Mundo)
1956: The Ten Commandments (Os Dez Mandamentos)  

YUL BRYNNER 
(1920 – 1985)
Juli Borisovitch Bryner, nome de baptismo de Yul Brynner, nasceu a 11 de Julho de 1920, em Vladivostok, na URSS, e viria a falecer a 10 de Outubro de 1985, em Nova Iorque, EUA, com 65 anos. (Algumas fontes indicam que nasceu a 7 de Julho de 1915, na ilha de Sakhaline, na Rússia). Era filho de Boris Bryner, engenheiro suíço, e de Marousia Blagоvidova, filha de um médico russo, judeu. Em 1927, Boris Bryner abandona a família, e Marousia leva os filhos, Yul e Vera, para Harbin, na China, onde frequentam uma escola cristã. Em 1934 vamos, porém, já encontrar a família em Paris, com Yul Brynner a tocar guitarra em clubes nocturnos para ajudar ao sustento da família. Toma contacto com o mundo intelectual, conhece Jean Cocteau, entra para o Théâtre des Mathurins, como aprendiz, trabalha como trapezista no Cirque d’Hiver, até que uma queda lhe provoca fracturas várias e o leva a abandonar o circo, passado a maquinista do grupo de Georges Pitoeff. Em 1941 parte para os EUA para estudar teatro com Michael Tchekhov. Estreia-se na Broadway, com o nome de Youl Bryner. A sua primeira participação no cinema data de 1949, mas logo pouco depois se torna primeira figura na interpretação de “O Rei e Eu”, uma personagem que não mais o irá largar, no teatro, no cinema, na televisão.
Esta comédia musical de Richard Rogers e Oscar Hammerstein II sobe à cena na Broadway em 1951, e nela Yul Brynner interpreta a figura do Rei do Sião. Seria depois adaptada ao cinema, a série televisiva e de novo regressaria aos palcos em 1977, nos EUA, e em 1979, em Londres, e, novamente na Broadway, em 1985. Em 1952 recebe o Tony de melhor actor de comédia musical e representa-a 4 525 vezes no teatro. O filme de 1956, dirigido por Walter Lang, permite-lhe ganhar o Oscar de Melhor Actor. Foi um dos nove únicos actores da história do teatro e do cinema que ganhou o Tony e o Oscar pela interpretação da mesma personagem. Para compor esta figura rapou o cabelo, o que depois manteria ao longo da sua vida como imagem de marca e como modelo para a juventude desse tempo que começou a rapar o cabelo “à Yul Brynner”. Depois de “O Rei e Eu”, a carreira de Yul Brynner conhece grandes sucessos: entre os quais, “Os Dez Mandamentos”, “Anastácia”, “Os Irmãos Karamazov”, “Salomão e a Rainha de Saba”, “Os Sete Magníficos”, “Taras Bulba”, “Convite a um Pistoleiro”, “Morituri”, “Romance de um Ladrão de Cavalos”, “O Mundo do Oeste”, entre muitos mais.
Além de inglês e francês, que falava perfeitamente, ainda dominava de alguma forma mais oito línguas. Possui uma estrela no Walk of Fame, no 6162 Hollywood Boulevard. A casa onde nasceu em Vladivostok foi transformada num museu em sua honra. Casou quatro vezes: Virginia Gilmore (1944-1960), Doris Kleiner (1960-1967), Jacqueline Thion de La Chaume (1967-1981), Kathy Lee (1983-1985). No início dos anos 50 teve um caso passional muito badalado com Marlène Dietrich.
Publicou duas obras de fotografia, uma das suas grandes paixões, e ainda dois outros livros : “Bring forth the children : A journey to the forgotten people of Europe and the Middle East” (1960) e “The Yul Brynner Cookbook : Food Fit for the King and You” (1983), uma obra dedicada à gastronomia.
Em meados da década de 80 foi surpreendido por um cancro nos pulmões, e depois disso dedica-se a algumas campanhas anti-tabagistas. Morre em Nova Iorque, no dia 10 de Outubro de 1985, no mesmo dia em que faleceu Orson Welles, com quem tinha contracenado em “A Batalha de Neretva”. As cinzas foram depositadas no cemitério particular de Touraine, Abbaye Royale Saint-Michel de Bois-Aubry, em Indre-et-Loire.

Filmografia:
Comoactor
1944: Mr. Jones and His Neighbors (série de TV)
1949: Fireside Theatre (série de TV)
1949: Port of New York (No Porto de Nova Iorque), de László Benedek
1949-1950: Studio One (série de TV)
1953: Omnibus (série de TV) - A Lodging for the Night
1954: General Foods 25th Anniversary Show: A Salute to Rodgers and Hammerstein
1956: The King and I (O Rei e Eu), de Walter Lang
1956: The Ten Commandments (Os Dez Mandamentos), de Cecil B. DeMille
1956: Anastasia (Anastásia), de Anatole Litvak
1958: The Brothers Karamazov (Os Irmãos Karamazov), de Richard Brooks
1958: The Buccaneer (O Corsário Lafitte), de Anthony Quinn
1959: The Journey (Crepúsculo Vermelho), de Anatole Litvak
1959: The Sound and the Fury (O Grito da Fúria), de Martin Ritt
1959: Solomon and Sheba (Salomão e a Raínha de Saba), de King Vidor
1959: Le Testament d'Orphée (O Testamento de Orfeu), de Jean Cocteau (não creditado)
1960: Once More, with Feeling (Arrebatamento) de Stanley Donen
1960: Surprise Package (A Vida é uma Surpresa) de Stanley Donen
1960: The Magnificent Seven (Os Sete Magníficos) de John Sturges
1961: Goodbye Again (Aimez-vous Brahms?), de Anatole Litvak (não creditado)
1962: Escape from Zahrain, de Ronald Neame
1962: Taras Bulba (Taras Bulba), de J. Lee Thompson
1963: Kings of the Sun (Os Reis do Sol), de J. Lee Thompson
1964: Flight from Ashiya (Águias do Pacífico), de Michael Anderson
1964: Invitation to a Gunfighter (Convite a um Pistoleiro), de Richard Wilson
1965: Morituri (Morituri), de Bernhard Wicki
1966: Cast a Giant Shadow (A Sombra de um Gigante), de Melville Shavelson
1966: The Poppies Are Also Flowers (A Papoila também é uma Flor), de Terence Young
1966: Return of the Magnificent Seven (O Regresso dos Sete Magníficos), de Burt Kennedy
1966: Triple Cross (O Maior Espião da História), de Terence Young
1967: The Double Man (O Duplo Homem), de Franklin J. Schaffner
1967: The Long Duel (Duelo sem Tréguas) de Ken Annakin
1968: Villa Rides (A Honra de um Herói) de Buzz Kulik
1969: The File of the Golden Goose, de Sam Wanamaker
1969: The Battle of Neretva (A Batalha de Neretva), de Veljko Bulajic
1969: The Madwoman of Chaillot (A Louca de Chaillot), de Bryan Forbes
1969: The Magic Christian (Um Beatle no Paraíso), de Joseph McGrath (não creditado)
1971: Adios Sabata (Adeus, Sabata), de Gianfranco Parolini
1971: The Light at the Edge of the World (Os Piratas do Arquipélago), de Kevin Billington
1971: Romance at Horsethief ou Romansa konjokradice (Romance de um Ladrão de Cavalos), de Abraham Polonsky
1971: Catlow (Catlow), de Sam Wanamaker
1972: Fuzz (O Esquadrão da Morte), de Richard A. Colla
1972: Anna and the King (série de TV)
1973: The Serpent (A Serpente de Ouro) de Henri Verneuil
1973: Westworld (O Mundo do Oeste) de Michael Crichton
1975: The Ultimate Warrior (Um Novo Amanhecer) de Robert Clouse
1976: Con la Rabbia agli Occhi, deAntonio Margheriti
1976: Futureworld (O Mundo do Futuro), de Richard T. Heffron
1980: Lost to the revolution, de Tim Forbes (curta-metragem) (narrador)

Como realizador:
1949: Studio One (série de TV)
1949: Mr. I. Magination (série de TV)
1949-1950: Actor's Studio (série de TV)
1950: Life with Snarky Parker (série de TV)
1950-1951: Sure As Fate (série de TV)
1950: Starlight Theatre (série de TV)
1950: Danger (série de TV)
1953: Omnibus (série de TV)

SESSÃO 39: 4 DE AGOSTO DE 2014

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 DOZE HOMENS EM FÚRIA (1957)
Foi Reginald Rose quem escreveu o inspirado argumento de “12 Angry Men” que, inicialmente, surgiu como telefilme, na CBS, em 1954, integrado no prestigiado programa “Westinghouse Studio One”, com direcção de Franklin J. Schaffner e interpretado por um elenco de que faziam parte Robert Cummings (jurado 8), Franchot Tone (3), Edward Arnold (10), Paul Hartman (7), John Beal (2), Walter Abel (4), George Voskovec (11), Joseph Sweeney (9), Bart Burns (6), Norman Fell (1), Lee Philips (5) e Larkin Ford (12). No ano seguinte surgiu a primeira adaptação para teatro, a que se juntaram milhentas, em palcos de todo o mundo. Rose foi reescrevendo a peça para diferentes encenações e nalguns casos esta obra seria adaptada para elencos muito diversos daquele, inteiramente masculino, que lhe está na base. “12 Angry Jurors” permitia que os actores fossem homens e mulherese há mesmo uma versão inteiramente feminina, “12 Angry Women”.
Mas foi em 1957 que Sidney Lumet criou a versão cinematográfica que tornaria a obra um clássico dos chamados “filmes de tribunal”, e que divulgaria a obra internacionalmente, cotando-se como um dos mais interessantes e inteligentes dramas que discutem o sistema jurídico norte-americano. Entre as muitas outras versões cinematográficas e televisivas, há a referir uma, realizada por William Friedkin, em 1997, para TV, reunindo um elenco igualmente brilhante, George C. Scott, James Gandolfini, Tony Danza, William Petersen, Ossie Davis, Hume Cronyn, Courtney B. Vance, Armin Mueller-Stahl, Mykelti Williamson, Edward James Olmos, Dorian Harewood, e Jack Lemmon no protagonista. Conhecem-se versões alemãs, indianas, e uma russa, dirigida por Mikhalkov, em 2007, com o título “12”, a que o Júri de Veneza atribui o seu Prémio Especial. 
Também em Portugal “Doze Homens em Fúria” teve grande sucesso, julgo que em finais dos anos 50, numa encenação de Ribeirinho, e num telefilme de Artur Ramos, para a RTP, em 1977, com o título “Doze Homens em Conflito” com um excelente elenco: Luís Alberto, António Rama, Jorge Brum do Canto, Joaquim Rosa, Manuel Cavaco, Amílcar Botica, Baptista Fernandes, Armando Cortez, Pedro Lemos, Carlos Santos, Jorge Listopad, David Silva, Agostinho Alves e Armando Branco Alves.
"Doze Homens em Fúria"é um filme notável sob diversos pontos de vista. Comecemos pelo seu entrecho: um jovem hispano-americano é julgado, acusado de ter morto o pai com uma navalha de ponta e mola, depois de uma violenta discussão. No filme não se assiste ao julgamento, mas apenas à reunião do Júri que irá decidir da sua inocência ou culpabilidade. São doze jurados fechados numa sala, donde só sairão quando tiverem uma decisão por unanimidade, assim dizem as regras da jurisprudência norte-americana. As provas parecem indiscutíveis para quase todos, aquando de uma primeira ronda de votação. Onze jurados votam “culpado” e apenas um “inocente”. Este não sabe bem se o réu está ou não inocente, tem apenas “uma dúvida razoável” sobre a culpabilidade do réu. Quer discutir as provas. Há aspectos obscuros na maneira como o julgamento foi conduzido. O advogado de defesa não terá sido tão convincente e arguto a colocar questões como seria indispensável num caso que pode acabar na pena de morte.   
Os jurados são identificados apenas por um número, são apenas cidadãos norte-americanos no uso pleno dos seus direitos sociais. O número 1 (Martin Balsam), que funciona como presidente de júri e orienta os trabalhos, é professor de educação física e treinador de futebol escolar, o 2 (John Fiedler) é um anónimo bancário, o 3 (Lee J. Cobb) anuncia que tem um serviço de mensagens, e algum problema traumatizante com um filho, o 4 (E.G. Marshall) é um circunspecto corretor da bolsa, do 5 (Jack Klugman) apenas se sabe que é um entusiasta dos Baltimore Orioles, o 6 (Ed Binns) é pintor de paredes, o 7 (Jack Warden) é vendedor e está ansioso por resolver rapidamente a questão para assistir a uma partida de basebol, o 8 (Henry Fonda) é arquitecto e é o único a ter “dúvidas razoáveis”, o 9 (Joseph Sweeney) é um velho reformado, de um generoso humanismo, o 10 (Ed Begley) é um preconceituoso garagista de maus fígados, o 11 (George Voskovec) é um emigrante relojoeiro que ganhou a cidadania americana, e o 12 (Robert Webber) é publicitário meio estouvado e algo alheado da discussão. Todos cidadãos não identificados, apenas dois o serão na cena final, quando o jurado 8 se apresenta, à saída do tribunal, como sendo Davis, enquanto o jurado 9 o cumprimenta identificando-se como McCardle.
Como vemos, uma mescla que dá bem a ideia do que a democracia norte-americana procura ser por definição: cada cidadão igual em direitos e deveres, qualquer que seja a sua origem e condição social, quaisquer que sejam as suas ideias. O desenrolar da obra vai ainda explicitar melhor este conceito: cada cidadão vale um voto e é da reunião destes votos, depois de um confronto de ideias elucidativo, que irá sair um veredicto. Mais importante ainda de um ponto de vista jurídico: todo o indivíduo é inocente até prova em contrário, será o desenrolar do processo judicial a encontrar as provas definitivas, não o réu a defender-se até prova em contrário. Finalmente: na dúvida, num sistema que permite a pena de morte, mais vale um culpado à solta, desde que não subsistam provas concludentes do seu crime, do que um inocente castigado por algo que não cometeu. Estamos em meados dos anos oitenta, esta orientação humanista era defendida pela boa consciência e pelos liberais norte-americanos. O filme idealiza uma situação, demonstrando o que deve ser a justiça. Por essa altura, porém, o “machartismo” provava já o contrário. Talvez o filme também se queira referir a esse desfasamento entre o que se prega na lei e o que se pratica no dia a dia. Hoje, tudo mudou um pouco, lá e aqui, julga-se na praça pública antes ainda dos tribunais se pronunciarem e parece mais valer um julgamento nos mídia e uma sentença rápida, para acalmar a consciência pública, do que um processo moroso em busca da possível verdade. 
O jovem julgado tem à partida tudo contra si: é pobre, porto-riquenho, já fora condenado por outros crimes menores, considerado violento e arruaceiro. Tem testemunhas que juram ter visto e ouvido isto e aquilo. O bastante para os jurados mais impulsivos, ou os que se sentiam identificados com este tipo de problemas e por eles traumatizados, procurem tirar desforra de desgostos pessoais e transferirem-nos para o réu. Mas por imposição do jurado 8 todas as provas são discutidas e o que fica é a dúvida. Nem o velhote que viu tem a mobilidade suficiente para ter visto, nem a senhora que tem os olhos de lince que afiança ter. Nem a navalha de ponta e mola é tão invulgar assim.
O tema é admiravelmente desenvolvido, segue-se com um cada vez maior interesse o desenrolar do debate, que se aproxima muito de uma trama policial. As personalidades de cada jurado são subtilmente expostas, lentamente desvendadas e aprofundadas. Os actores são magníficos, todos eles, mercê de um casting invulgarmente bem escolhido, cada rosto, cada físico, cada gesto, cada olhar ajuda a caracterizar uma personagem. 
Com excepção do genérico, e de uma curta cena inicial e outra final (no total, cerca de 3 minutos num filme com 96), toda a acção decorre no interior de uma sala, o que transforma esta obra num “tour de force” de realização invulgar. A arte de Sidney Lumet, um dos grandes cineastas norte-americanos que saíram da televisão para o cinema durante a década de 50, é de mestre, tanto mais que este é o seu filme de estreia no cinema (antes passara alguns anos como realizador de televisão, dando então provas de grande eficácia, sobriedade e sensibilidade). A planificação é soberba, jogando com planos de conjunto, planos aproximados e grandes planos, a direcção de actores é soberba, até ao mais ínfimo pormenor, e toda a envolvência técnica, da fotografia à partitura musical, do cenário ao guarda-roupa, serve de forma notável os propósitos dos responsáveis.
Um filme admirável, que conquistou três nomeações aos Oscars de 1957, para Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Argumento Adaptado, sendo que não triunfou em nenhuma categoria (seria derrotado por “A Ponte do Rio Kway”, de David Lean). Já nos Globos de Ouro do mesmo ano seria nomeado para Melhor Filme - Drama, Melhor Actor - Drama (Henry Fonda), Melhor Realizador de Cinema e Melhor Actor Secundário (Lee J. Cobb), sem sorte final diferente da dos Oscars. Nos BAFTA ingleses venceria na categoria de Melhor Actor Estrangeiro (Henry Fonda), no Festival de Berlim ganharia o Urso de Ouro e o prémio OCIC. Seria ainda o Melhor Filme do ano para os Edgar Allan Poe Awards de 1958. Mas transformou-se rapidamente num clássico de referência obrigatória.

Nota: Nos EUA, o julgamento pelo Tribunal de Júri é considerado uma das mais importantes salvaguardas constitucionais, tendo sido consagrado na Sexta e Sétima Emendas Constitucionais de 1791, na esfera criminal e cível, respectivamente; No filme a Juíza adverte os doze Jurados: - “A lei exige decisão unânime. A condenação implicará pena de morte”. Diferentemente dos tribunais populares norte-americanos, onde, em geral, são doze os jurados e os julgamentos criminais são estabelecidos, em regra, por unanimidade, no Brasil, por exemplo, os júris são compostos por sete cidadãos, que votam por maioria simples. Em Portugal, as decisões em julgamento em Tribunal de Júri (composto por quatro cidadãos efectivos – e 4 suplentes - além de três juízes de direito) são por maioria simples. Não é apenas pedido pela defesa. Segundo o Código Penal, pode um Assistente ou o Ministério Público formalizarem o pedido. Habitualmente, os advogados recorrem ao júri para conseguirem penas menos severas, enquanto o Ministério Público pede a participação da opinião pública para agravar a sentença.





DOZE HOMENS EM FÚRIA
Título original: 12 Angry Men
Realização: Sidney Lumet (EUA, 1957); Argumento: Reginald Rose; Produção: Henry Fonda, George Justin, Reginald Rose; Música: Kenyon Hopkins; Fotografia (p/b): Boris Kaufman; Montagem: Carl Lerner; Direcção artística: Bob Markel; Maquilhagem: Herman Buchman; Assistentes de realização: Don Kranze; Som: James A. Gleason, Al Gramaglia; Companhias de produção: Orion-Nova Productions; Intérpretes: Martin Balsam (Jurado 1), John Fiedler (Jurado 2), Lee J. Cobb (Jurado 3), E.G. Marshall (Jurado 4), Jack Klugman (Jurado 5), Edward Binns (Jurado 6), Jack Warden (Jurado 7), Henry Fonda (Jurado 8), Joseph Sweeney (Jurado 9), Ed Begley (Jurado 10), George Voskovec (Jurado 11), Robert Webber (Jurado 12), Rudy Bond, James Kelly, Billy Nelson, John Savoca, etc. Duração:96 minutos; Distribuição em Portugal: MGM(DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 28 de Outubro de 1959.

                                    
SIDNEY LUMET (1924 - 2011)
Sidney Lumet nasceu a 25 de Junho de 1924, em Filadélfia, Pensilvânia, EUA, e viria a morrer a 9 de Abril de 2011, em Manhattan, Nova Iorque, EUA, vítima de um linfoma, com 86 anos. Filho do actor Baruch Lumet e da bailarina Eugenia Wermus Lumet, aos quarto anos já se estreava no teatro como actor, no Yiddish Art Theater de Nova Iorque. Interpretou diversos papeis na Broadway na década de 30 e no cinema (em “One Third of a Nation”, de 1939). In 1947 aparece nos teatros off-Broadway, ao lado de actors como Yul Brynner ou Eli Wallach, e outros alunos de Lee Strasberg no Actors Studio. Em 1955 estreia-se na encenação, mas desde 1955 que já dirigia episódios televisivos na CBS (mais de 150 episódios da série "Danger"- 1950 - e 26 episódios de "You Are There" - 1953) até se tornar num dos mais prestigiados realizadores de TV. No cinema estreia-se com um sucesso brilhante “Doze Homens em Fúria” (1957), a que se seguem obras muiti interessantes como “Lágrimas da Ribalta” (1958), “Uma Certa Mulher” (1959), “O Homem na Pele da Serpente” (1959), “Do Alto da Ponte” (1962), “Longa Viagem para a Noite” (1962), onde ficam definidos os seus interesses sociais e literários (muitas obras suas são adaptações de peças teatrais). “Missão Suicida” (1964), “O Agiota” (1964), “Serpico” (1973), “Um Dia de Cão” (1975), “Escândalo na TV” (1976), “Equus” (1977), “O Príncipe da Cidade” (1981), “O Veredicto” (1982), “As Chaves do Poder” (1986), “Inquérito Escaldante” (1990), entre muitos outros, testemunham as preocupações sociais do realizador, a sua sedução pelos ambientes onde se cruzam o crime e a justiça, os corredores do poder e da comunicação social ou os meandros da corrupção política. Igualmente a família teve sempre atenção muito especial, ligando-se a todos esses temas atrás enunciados, como testemunham obras como “Daniel” (1983), “A Manhã Seguinte” (1986), “Fuga Sem Fim” (1988) ou “Negócios de Família” (1989). O cunho realista está sempre presente, com uma excelente direcção de actores e atmosferas envolventes e por vezes asfixiantes. Nova Iorque é a sua cidade preferida e o cenário de muitos dos seus filmes. Lumet foi sempre um intelectual novaiorquino.
Foi casado com Rita Gam (1949 - 1955), Gloria Vanderbilt (1956 - 1963), Gail Lumet Buckley (1963 - 1978) e Mary Gimbel (1980 - 2011). 
Votado o 42º realizador de sempre na revista “Entertainment Weekly”. Três dos seus filmes, “Doze Homens em Fúria” (1957) em 42º lugar, “O Veredicto” (1982) em 75º, e “Serpico” (1973) em 84º, encontram-se na lista dos 100 Melhores Filmes de sempre estabelecida pelo American Film Institute. Igualmente “Escândalo na TV” (1976) e “Doze Homens em Fúria” (1957) figuram noutra lista.
Foi nomeado por quatro vezes para o Oscar de Melhor Realizador: "12 Angry Men" (1957), "A Dog Day Afternoon" (1975), "Network" (1976) e "The Veredict" (1982), e recebeu um nomeação para Melhor Argumento Adaptado em " Prince of the City " (1981). Em 2005, recebeu finalmente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, um Óscar honorário, reconhecendo o conjunto da sua obra.
Foi nomeado cinco vezes para o Globo de Ouro de Melhor Realizador: " A Dog Day Afternoon " (1975), "Network" (1976), "Prince of the City" (1981), "The Veredict" (1982) e "Running on empty" (1988). Venceu em 1976. Quatro vezes nomeado para o BAFTA, na categoria de Melhor Realizador, com "Murder on the Orient Express" (1974), "Serpico" (1974), " A Dog Day Afternoon " (1975) e "Network" (1976). Ainda nos BAFTAS, mas na categoria de Melhor Filme Britânico, foi nomeado com "The Hill" (1965) e "The Deadly Affair" (1967). Recebeu o Urso de Ouro, no Festival de Berlim, por "12 Angry Men" (1957), que recebeu igualmente o Prémio OCIC. Vários outros prémios em diversos festivais.
Sepultado no New Mount Carmel Cemetery em Glendale, Nova Iorque.

Filmografia:
1952: CBS Television Workshop (série de TV) “Don Quixote”
1952: Crime Photographer (série de TV) “Blackmail”
1951-1953: Danger (série de TV) 8 episódios
1953-1955: You Are There (série de TV) – 10 episódios, entre os quais “The Liberation of Paris”, “The First Command Performance of Romeo and Juliet”, “The Gettysburg Address”, “The Recognition of Michelangelo” ou “The Dreyfus Case”
1954-1955 The Best of Broadway (série de TV) – “Stage Door”, “The Show-Off” e “The Philadelphia Story”
1955: The Elgin Hour (série de TV) - “Mind Over Momma” e “Crime in the Streets
1955: The United States Steel Hour (série de TV) – “Incident in an Alley” e “The Meanest Man in the World”
1955: Frontier (série de TV) – “In Nebraska”
1956: Goodyear Television Playhouse (série de TV) – “The Sentry” e “Career Girl”
1956: The Alcoa Hour (série de TV) – “Finkle's Comet”, “Doll Face”, “Man on Fire”, “Tragedy in a Temporary Town” e “Long After Summer”
1957: Omnibus (série de TV) – “School for Wives”
1957: The Seven Lively Arts (série de TV) – “The Changing Ways of Love”
1957: Studio One (série de TV) – “The Deaf Heart”
1957: Mr. Broadway (telefilme)
1957: Producers' Showcase (série de TV) – “Mr. Broadway”
1957-1958: The DuPont Show of the Month (série de TV) – “The Count of Monte Cristo” e “Beyond This Place”
1957: 12 Angry Men (Doze Homens em Fúria)
1958: Stage Struck (Lágrimas da Ribalta)
1958: Kraft Television Theatre (série de TV) – “All the King's Men: Part 1 e 2”, “Fifty Grand”, “Three Plays by Tennessee Williams: Moony's Kid Don't Cry”, “Three Plays by Tennessee Williams: The Last of My Solid Gold Watches”, etc.  
1958: All the King's Men (telefilme)
1959: That Kind of Woman (Uma Certa Mulher)
1959: Long Day's Journey Into Night (Longa Viagem para a Noite)
1960: Play of the Week (série de TV) – “Rashomon”, “The Iceman Cometh: Part 1 e 2” e “The Dybbuk”
1960: Rashomon (telefilme)
1960: The Iceman Cometh (telefilme)
1960: John Brown's Raid (telefilme)
1960: Sunday Showcase (série de TV) – “The Sacco-Vanzetti Story: Part 1 e 2”, 1
1960: Playhouse 90 (série de TV) – “The Hiding Place” e “John Brown's Raid”
1964: The Pawnbroker (O Agiota)
1964: Fail-Safe (Missão Suicida)
1965: The Hill (A Colina Maldita)
1966: The Group (O Grupo)
1967: The Deadly Affair (Duas Plateias para a Morte)
1968: Bye Bye Braverman (Bye Bye Braverman)
1968: The Sea Gull (A Gaivota)
1969: The Appointment (O Rendez-Vous)
1970: King: A Filmed Record... Montgomery to Memphis            
1970: Last of the Mobile Hot Shots                     
1971: The Anderson Tapes (O Dossier Anderson)
1972: Child's Play                     
1972: The Offence (Até os Deuses Erram)
1973: Serpico (Serpico)             
1974: Lovin' Molly         
1974: Murder on the Orient Express (Um Crime no Expresso do Oriente)
1975: Dog Day Afternoon (Um Dia de Cão)
1976: Network (Escândalo na TV)
1977: Equus (Equus)
1978: The Wiz (O Feiticeiro)
1980: Just Tell Me What You Want (Queres ou Não Queres?)                   
1981: Prince of the City (O Príncipe da Cidade)
1982: Deathtrap (Armadilha Mortal)
1982: The Verdict (O Veredicto)
1983: Daniel (Daniel, Passado Sem Resgate)
1984: Garbo Talks        
1986: Power (As Chaves do Poder)
1986: The Morning After (A Manhã Seguinte)
1988. Running on Empty (Fuga sem Fim)
1989: Family Business (Negócios de Família)
1990: Q & A (Inquérito Escaldante)
1992: A Stranger Among Us (O Assassino Está Entre Nós)
1993: Guilty as Sin (Culpa Formada)
1997: Night Falls on Manhattan (O Lado Obscuro da Lei)
1997: Critical Care
1999: Gloria (Gloria)
2001-2002: 100 Centre Street (série de TV)
2004: Strip Search (telefilme)    
2004: Rachel, quand du seigneur (curta-metragem)
2006: Find Me Guilty (Mafioso Quanto Baste)
2007: Before the Devil Knows You're Dead (Antes que o Diabo Saiba que Morreste)

LEE J. COBB (1911–1976)
Leo Joachim Jacoby nasceu a 8 de Dezembro de 1911, em Nova Iorque, EUA, e viria a falecer a 11 de Fevereiro de 1976, com 64 anos, em Woodland Hills, Los Angeles, Califórnia, EUA. Filho de um jornalista judeu, muito cedo se interessou por música (violino sobretudo) e teatro. Aos 17 anos mudou-se para Hollywood e dedica-se ao teatro e ao cinema, tendo sido actor e encenador de teatro amador, voltando depois a Nova Iorque e ingressando em 1935 no Manhattan's Group Theater. Trabalhou com Clifford Odets em dramas políticos e sociais como “Waiting for Lefty” e “Till the Day I Die”, ao lado de nomes como Elia Kazan, John Garfield ou Martin Ritt.Formou-se em engenharia aeronáutica e esteve alistado na Força Aérea durante a II Guerra Mundial. Em 1949 teve a sua grande oportunidade ao ser convidado para interpretar Willy Loman na peça "A Morte de um Caixeiro-viajante", de Arthur Miller, que foi um enorme sucesso e lançou a carreira de Lee J. Cobb definitivamente. Durante a década de 50 teve várias dificuldades, ao ser acusado de pertencer ao Partido Comunista, integrando a lista negra de Hollywood, mas sentiu sempre a solidariedade de colegas e amigos, como Frank Sinatra e Paul Newman, e alguns cineastas que continuaram a apostar no seu talento. Interpretou dúzias de obras importantes de cineastas de prestígio, como “Doze Homens em Fúria”, “Crime Sem Castigo”, “A Hora Decisiva”, “Há Lodo no Cais”, “O Homem de Fato Cinzento”, “A Rapariga daquela Noite”, “O Homem do Oeste”, “Os Irmãos Karamazov”, “A Conquista do Oeste”, “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, “Flint, Agente Secreto”, “A Pele de Um Malandro”, “Exodus”, “As Três Faces de Eva” ou “O Exorcista”.
Participou em dezenas e dezenas de telefilmes e séries de TV, sendo a sua personagem mais célebre a de juiz Garth em “The Virginian”.
Foi nomeado duas vezes para o Oscar de Melhor Actor Secundário, em 1955, em “Há Lodo no Cais”e em 1959, em “Os Irmãos Karamazov”. Nomeado por três vezes para os Emmys, na categoria de Melhor Actor de televisão, sem nunca ter ganho.

Filmografia:
como actor

1934: The Vanishing Shadow (A Sombra Misteriosa), de Lew Landers
1937: Ali Baba Goes to Town (O Herói das Arábias), de David Butler
1937: Rustlers' Valley, de Nate Watt
1937: North of the Rio Grande (Ao Norte do Rio Grande), de Nate Watt
1938: Danger on the Air, de Otis Garrett
1939: The Phantom Creeps, de Ford Beebe e Saul A. Goodkind
1939: Golden Boy, de Rouben Mamoulian
1940: This Thing Called Love (Isso a que Chamam Amor...), de Alexander Hall
1941: Paris Calling (Os Heróis de Paris), de Edwin L. Marin
1941: Men of Boys Town (Alarme na Cidade dos Rapazes), de Norman Taurog
1942: Down Rio Grande Way, de William A. Berke (não creditado)
1943: The Song of Bernadette (A Canção de Bernadette), de Henry King
1943: Buckskin Frontier (Fronteiras em Chamas), de Lesley Selander
1943: Tonight We Raid Calais, de John Brahm
1943: The Moon Is Down (Noite sem Lua), de Irving Pichel
1944: Winged Victory (Encontro no Céu), de George Cukor
1946: Anna and the King of Siam (Ana e o Rei do Sião), de John Cromwell
1947: Captain from Castile (Capitão de Castela), de Henry King
1947: Boomerang! (Crime Sem Castigo), de Elia Kazan
1947: Johnny O'Clock (A Hora Decisiva), de Robert Rossen
1948: The Dark Past, de Rudolph Maté
1948: The Luck of the Irish (O Amor que Tu me Deste), de Henry Koster
1948: The Miracle of the Bells (O Milagre dos Sinos), de de Irving Pichel
1948: Call Northside 777 (A Verdade Vence Sempre), de Henry Hathaway
1949: Thieves' Highway (O Mercado dos Ladrões), de Jules Dassin
1950: The Man Who Cheated Himself, de Felix E. Feist
1951: Lights Out (série de TV)
1951: Tales of Tomorrow (série de TV)
1951: The Family Secret, de Henry Levin
1951: Sirocco (Vento do Deserto), de Curtis Bernhardt
1951: Somerset Maugham TV Theatre (série de TV)
1952: The Fighter, de Herbert Kline
1953: The Tall Texan, de Elmo Williams
1954: Day of Triumph, de John T. Coyle e Irving Pichel
1954: On the Waterfront (Há Lodo no Cais), de Elia Kazan
1954: Gorilla at Large (O Gorila à Solta), de Harmon Jones
1954: The Ford Television Theatre (série de TV)
1954: Yankee Pasha (Piratas Marroquinos), de Joseph Pevney
1955: The Left Hand of God (A Mão Esquerda de Deus), de Edward Dmytryk
1955: The Road to Denver (O Renegado Cruel), de Joseph Kane
1955: Producers' Showcase (série de TV)
1955: Medic (série de TV)
1955: Lux Video Theatre (série de TV)
1955: The Racers (Estes Homens São Perigosos), de Henry Hathaway
1956: Miami Expose (Escândalos de Miami), de Fred F. Sears
1956: The Man in the Gray Flannel Suit (O Homem de Fato Cinzento), de Nunnally Johnson
1956: The Alcoa Hour (série de TV)
1956: Goodyear Television Playhouse (série de TV)
1956-1958: Zane Grey Theater (série de TV)
1957: Studio One (série de TV)
1957: The Three Faces of Eve (As Três Faces de Eva), de Nunnally Johnson
1957: The Garment Jungle (A Selva da Alta Costura), de Robert Aldrich e Vincent Sherman
1957: 12 Angry Men (Doze Homens em Fúria), de Sidney Lumet
1957-1959: Playhouse 90 (série de TV)
1958: Party Girl (A Rapariga Daquela Noite), de Nicholas Ray
1958: Man of the West (O Homem do Oeste), de Anthony Mann
1958: The Brothers Karamazov (Os Irmãos Karamazov), de Richard Brooks
1959-1960: The DuPont Show of the Month (série de TV)
1959: But Not for Me, de Walter Lang
1959: Green Mansions (A Flor que não Morreu), de Mel Ferrer
1959: The Trap, de Norman Panama
1959: Westinghouse Desilu Playhouse (série de TV)-  Trial at Devil's Canyon
1960: Exodus (Exodus), de Otto Preminger
1960-1962: General Electric Theater (série de TV)
1961: Vincent Van Gogh: A Self-Portrait (telefilme)
1961: Naked City (série de TV)– Take Off Your Hat When a Funeral Passes
1961: The DuPont Show with June Allyson (série de TV)– School of the Soldier
1962: The Final Hour, de Robert Douglas
1962: The Brazen Bell, de James Sheldon
1962: How the West Was Won (A Conquista do Oeste), de George Marshall, Henry Hathaway, John Ford e Richard Thorpe
1962: Four Horsemen of the Apocalypse (Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse), de Vincente Minnelli
1962-1966: The Virginian (série de TV)
1963: Bob Hope Presents the Chrysler Theatre (série de TV)– It's Mental Work
1963: Come Blow Your Horn (Mulheres é Comigo), de Bud Yorque
1966: Death of a Salesman (telefilme)
1966: Our Man Flint (Flint, Agente Secreto), de Daniel Mann
1967: In Like Flint (Flint, Perigo Supremo), de Gordon Douglas
1968: They Came to Rob Las Vegas, de Antonio Isasi-Isasmendi
1968: Coogan's Bluff (A Pele de Um Malandro), de Don Siegel
1968: A Pistola do Mal
1968: The Day of the Owl (O Dia da Vergonha), de Damiano Damiani
1969: Mackenna's Gold (O Ouro de Mackenna), de J. Lee Thompson
1970: Macho Callahan (Macho Callahan), de Bernard L. Kowalski
1970: The Liberation of L.B. Jones (O Preço do Silêncio), de William Wyler
1970: The Dean Martin Show (série de TV)
1970: Annie, the Women in the Life of a Man (telefilme)
1970: To Confuse the Angel (telefilme)
1970-1971: The Young Lawyers (TV series)
1971: Lawman (O Homem da Lei), de Michael Winner
1972: Heat of Anger (telefilme)
1973: Ultimatum,
1973: La polizia sta a guardare ou Ransom! Police Is Watching, de Roberto Infascelli
1973: Double Indemnity (telefilme)
1973: The Man Who Loved Cat Dancing O Homem que Amou Cat Dancing), de Richard C. Sarafian
1973: The Exorcist (O Exorcista), de William Friedkin
1973: McCloud (série de TV)– Showdown at the End of the World
1974: Il venditore di palloncini ou The Balloon Vendor, de Mario Gariazzo
1974: Gunsmoke (série de TV) – The Colonel
1974: The Great Ice Rip-Off (telefilme)
1974: Trapped Beneath the Sea (telefilme)
1974: Dr. Max (telefilme)
1975: Mark il poliziotto spara per primo ou Mark of the Cop, de Stelvio Massi
1975: That Lucky Touch, de Christopher Miles
1976: Gli amici di Nick Hezard ou Nick the Sting, de Fernando Di Leo
1976: La legge violenta della squadra anticrimine, de Stelvio Massi
1976: Gli origini della Mafia, de Enzo Muzii (mini- série de TV)

Como realizador
1960: Startime (série de TV)


SESSÃO 40: 11 DE AGOSTO DE 2014

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O GRANDE AMOR DA MINHA VIDA (1957)



“An Affair To Remember” é considerada uma das mais belas e tocantes histórias de amor contadas em cinema. Num inquérito organizado pelo American Film Institute, fica em quinto lugar, só ultrapassado por “Casablanca”, “Gone with the Wind”, “West Side Story”, “Roman Holiday”. História de amor, comédia dramática, melodrama, tudo isso se poderá dizer de “O Grande Amor da Minha Vida”, na sua versão de1957, assinada por Leo McCarey.
Muito se fala em cinema, e em literatura, de "drama” e “melodrama". Haverá quem se pergunte qual a distinção a estabelecer entre um e outro. Se a pergunta é cândida, a resposta não é fácil, já que a diferença se estabelece, pode dizer-se, a um nível de intensidade. Qualquer coisa como se o melodrama fosse o drama levado às suas últimas consequências.
Drama é toda a obra literária, teatral ou cinematográfica que aborde temas graves, infaustos, desgraças e outros eventos potencialmente comoventes. O melodrama  concentra, acumula, num crescente tom patético, sentimentos e situações de exagerada dramaticidade. O melodrama é, por isso mesmo, um género muito popular, nascido no tempo da Revolução Francesa, e que se estende até hoje, muitas vezes olhado com descrédito, mesmo desprezo, pelo público mais erudito. Tanto no teatro, como sobretudo no cinema, o melodrama aparece ainda associado à utilização de uma banda musical romântica e envolvente que mais e melhor especula com as emoções dos espectadores. Quando dá para o torto, chega a "fazer chorar as pedras da calçada", e às vezes é mesmo de "faca e alguidar", designações genuinamente populares que mostram bem a intensidade emotiva que atinge. Mas a história da literatura mundial tem dado excelentes exemplos de obras românticas, naturalistas e realistas, que se servem de alguns dos processos do melodrama para atingirem níveis de verdadeira excepção. No cinema, para falarmos já do que aqui nos interessa sobremaneira, a extremada manipulação dos sentimentos e das emoções é feita,  por vezes, de forma tão subtil  e com um pudor tal que muitas são as obras-primas que se orgulham do epíteto de melodramas.


Douglas Sirk é um autor admirável de títulos verdadeiramente inesquecíveis, e “An Affair To Remember” é também ele um excelente exemplo do melodrama, um dos melhores que o cinema norte-americano nos ofereceu até hoje. “O Grande Amor da Minha Vida”, de Leo McCarey, com um casal de actores invulgarmente inspirados, Cary Grant e Deborah Kerr, surge na década de 50, uma das mais proveitosas neste género.
Falemos para já um pouco de Leo McCarey. Nascido em 1898 e falecido em 1969, McCarey foi, curiosamente, um dos grandes autores de comédia. Iniciou a sua carreira nos estúdios de Hal Rouch, dirigindo curtas metragens burlescas de Charlie Chase e escrevendo várias histórias de Laurel e Hardy (os célebres Bucha e Estica), passando depois por cómicos como Eddie Cantor, W.C. Fields, Mae West, Harold Lloyd e os Marx Brothers, de que assinou uma das suas melhores comedias, “Duck Soup” (Os Grandes Aldrabões). Outra das suas mais espantosas realizações chama-se “Ruggles of Red Gap” (O Último Escravo), com um portentoso dueto de Charles Laughton e Charles Rugles. 


Estranhamente, ou talvez não, nestas coisas os extremos tocam-se e quem sabe fazer rir também não se sai nada mal a fazer chorar, Leo McCarey assinou igualmente algumas obras melodramáticas de boa qualidade, como os festejados “O Bom Pastor” (Going My Way), “Os Sinos de Stª Maria” (The Bells of St.Mary's) ou este sensacional “An Affair to Remember”, que é realmente um filme para recordar - pelo menos é um daqueles que eu não esqueço. Mas devo acrescentar que sou um sentimental, que gosto muito de melodramas, e, mais ainda, aceito de bom grado ser levado por uma boa história, bem conduzida com a emoção à flor da pele. Alguns, talvez mais sofisticados ou então mais empedrenidos, não vêem com bons olhos esta manipulação dos sentimentos, nem na ficção. Mas eu julgo que ela é perfeitamente legítima, quando concebida com arte, com subtileza, com amor, mesmo com bastante humor, como o demonstra esta notável obra de Leo McCarey, que é, já de si, uma remake de um outro filme deste cineasta, rodado em 1939, “Love Affair” (Ele e Ela), então interpretado por Charles Boyer e Irene Dunne. Para a versão de 1957, Leo McCarey escreveria o argumento de colaboração com outro cineasta, mestre do melodrama, Delmer Daves, nome que infelizmente não goza presentemente da reputação que lhe seria inteiramente merecida. Diz quem comparou as duas versões que a de 57 segue à risca, quase plano por plano, a de 39. Mas a de 57 socorre-se da cor e do Cinemascope, ambos magnificamente utilizados.
“An Affair to Remember” começa num tom de comédia sofisticada, a bordo de um transatlântico que parte da Europa e leva de regresso à América Nico Ferrante, um playboy, "mestre na arte de amar", que se prepara para casar com uma herdeira multimilionária, e Terry McCay, uma cantora de Boston, que se encontra noiva de um jovem empresário empreendedor. A viagem até Nova Iorque é particularmente divertida e Leo McCarey demonstra por que é  um dos grandes da comédia. A forma como, logo no início do filme, as várias rádios nacionais anunciam o noivado de Ferrante, é notável, os diálogos de Ferrante com Terry McCarey são brilhantes, o beijo que Cary Grant e Deborah Kerr dão a meio de umas das escadas é um dos mais belos beijos da hitória do cinema, mas o filme deixa insinuar um clima de preságio maligno a partir da visita que ambos fazem à velha casa da avó de Ferrante, no alto de Ville Franche. Rapidamente se instala o drama, curiosamente numa cena elidida pela púdica câmara de McCarey, fabuloso na arte de sugerir sem mostrar. Aliás, a obra tem esse fascínio suplementar, para quem gosta de cinema, de ser de uma eficácia de escrita sem mácula, sem um rodriguinho, sem uma excrescência desnecessária, jogando com a sugestão e a elipse de forma magnífica. O reencontro de Ferrante e Terry, iniciado numa conversa cheia de subtendidos e de sentidos desencontrados, é exemplo de um domínio de escrita invulgar.
Nomeado para 4 Oscars, destinados à fotografia de Milton Krasner, ao guarda-roupa de Charles Le Maire, à partitura musical de Hugo Friedhofer e à canção tema, que, na voz de Vic Damone, se tornaria um êxito internacional, “An Affair To Remember” julgo ser uma das mais conseguidas histórias de amor que o cinema dos ofereceu.






O GRANDE AMOR DA MINHA VIDA
Título original: An Affair to Remember
Realização: Leo McCarey (EUA, 1957); Argumento: Delmer Daves, Donald Ogden Stewart, Leo McCarey, Mildred Cram; Produção: Jerry Wald; Música: Hugo Friedhofer; Fotografia (cor): Milton R. Krasner; Montagem: James B. Clark; Direcção artística: Jack Martin Smith, Lyle R. Wheeler; Guarda-roupa: Charles Le Maire, Kay Reed, Mickey Sherrard; Decoração: Paul S. Fox, Walter M. Scott; Maquilhagem: Ben Nye, Helen Turpin; Direcção de produção: Gaston Glass; Assistentes de realização: Gilbert Mandelik, Jack Gertsman; Som: Harry M. Leonard, Charles Peck, Matt Vowles; Efeitos especiais: L.B. Abbott; Companhias de produção: Twentieth Century Fox Film Corporation, Jerry Wald Productions; Intérpretes: Cary Grant (Nickie Ferrante), Deborah Kerr (Terry McKay), Richard Denning (Kenneth Bradley), Neva Patterson (Lois Clark), Cathleen Nesbitt, etc. Duração: 119 minutos; Distribuição em Portugal: Twentieth Century Fox (DVD); Classificação etária: M/12 anos;  Estreia em Portugal: 7 de Outubro de 1957.


LEO MCCAREY 
(1896 – 1969)
Thomas Leo McCarey nasceu a 3 de Outubro de 1896, em Los Angeles, Califórnia, EUA, e faleceu a 5 de Julho de 1969, em Santa Monica, Califórnia, EUA, vítima de um enfisema. Os pais, Thomas McCarey, manager de boxeurs, e de Leona Mistrot McCarey, de origem francesa, deram-lhe uma educação católica e desportiva. Leo McCarey estudou na St. Joseph's Catholic School e na Los Angeles High School e foi pressionado pelo pai para terminar o curso de Direito. Exerceu advocacia durante muito pouco tempo. Ele próprio conta que “nunca ganhou uma causa e que uma vez foi posto fora do tribunal por uma mulher que ele defendia e que se considerava mal ajudada”. No filme “O Vendedor de Sonhos”, de Peter Bogdanovich, a personagem de um advogado que perde causas foi inspirada Em Mccarey. Começou a sua carreira ainda no mudo, com dezenas de curtas-metragens, entre as quais diversas de Bucha e Estica, dupla que ele ajudou a formar-se. Além de ter trabalhado com Stan Laurel e Oliver Hardy, dirigiu ainda W.C. Fields, e The Marx Brothers, nalgumas comédias, género em que era especialista. Iniciou a sua carreira como assistente de Tod Browning na Universal Studios. Sempre afirmou que o seu filme preferido era “Make Way for Tomorrow” (1937), obra saudada por muitos como uma das mais importantes saídas dos estúdios de Hollywood.  
Foi o primeiro autor a lograr receber, pelo mesmo filme, “Going My Way” (1945), três dos principais Oscars: Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Argumento (adaptado). Somente mais seis realizadores o conseguiram depois: Billy Wilder, Francis Ford Coppola, James L. Brooks, Peter Jackson e Joel Coen e Ethan Coen. Quando, em 1937, recebeu o seu quarto Oscar de Melhor Realizador por “Com a Verdade Me Enganas”, afirmou estar muito agradecido pelo prémio, mas que lhe tinha sido atribuído pelo filme errado” (referia-se a “Make Way for Tomorrow”, realizado no mesmo ano). Foi ainda nomeado em 1939, com “Love Affair”, em 1940, pelo argumento de “My Favorite Wife” (dirigido por Garson Kanin), em 1946, como Melhor Realizador e Melhor Filme, com “The Bells of St. Mary's”, e, finalmente, em 1952, pelo argumento de “My Son John”. Casado com Stella Martin, desde 1920. Tem uma estrela no “Hollywood Walk of Fame”, em 1500 Vine Street.

Filmografia
Como realizador

1) Curtas-metragens
1921: Society Secrets
1924: Publicity Pays
1924: Young Oldfield
1924: Stolen Goods
1924: Jeffries Jr.
1924: Why Husbands Go Mad
1924: A Ten Minute Egg
1924: Seeing Nellie Home
1924: Sweet Daddy
1924: Why Men Work
1924: Outdoor Pajamas
1924: Sittin' Pretty
1924: Too Many Mammas
1924: Bungalow Boobs
1924: Accidental Accidents
1924: All Wet
1924: The Poor Fish
1924: The Royal Razz
1925: The Rat's Knuckles
1925: Hello Baby!
1925: Fighting Fluid
1925: The Family Entrance
1925: Plain and Fancy Girls
1925: Should Husbands Be Watched?
1925: Hard Boiled
1925: Is Marriage the Bunk?
1925: Bad boy
1925: Big Red Riding Hood
1925: Looking for Sally
1925: Une soirée de folie
1925: Isn't Life Terrible?
1925: Innocent Husbands
1925: No Father to Guide Him
1925: The Caretaker's Daughter
1925: The Uneasy Three
1925: Hold Everything
1925: His Wooden Wedding
1925: The Uneasy Three (não creditado)
1925: Isn't Life Terrible? (não creditado)
1925: What Price Goofy? (não creditado)
1926: Charley My Boy
1926: Mama Behave (não creditado)
1926: Dog Shy
1926: Mum's the Word (não creditado)
1926: Long Fliv the King
1926: Mighty Like a Moose
1926: Crazy Like a Fox
1926: Bromo and Juliet
1926: Tell 'Em Nothing
1926: Be Your Age
1927: Should Men Walk Home?
1927: Why Girls Say No
1927: Jewish Prudence
1927: Eve's Love Letters
1927: Don't Tell Everything
1927: Sugar Daddies
1927: What Every Iceman Knows (supervisão)
1927: Should Second Husbands Come First?
1927: The Way of All Pants
1927: Us (supervisão)
1927: Flaming Fathers
1928: Pass the Gravy
1928: The Family Group (supervisão)
1928: The Finishing Touch
1928: Came the Dawn (supervisão)
1928: Blow by Blow
1928: Tell It to the Judge
1928: The Fight Pest
1928: Should Women Drive?
1928: Imagine My Embarrassment (supervisão)
1928: Should Married Men Go Home?
1928: That Night
1928: Do Gentlemen Snore?
1928: Habeas Corpus
1928: Feed 'em and Weep (supervisão)
1928: We Faw Down
1929: Going Ga-ga (supervisão)
1929: Liberty (A Liberdade)
1929: Wrong Againt (Tudo ao Contrário)
1929: When Money Comes
1929: Why Is a Plumber?
1929: Big Business (supervisão)
1929: The Unkissed Man
1929: Madame Q
1929: Dad's Day
1951: You Can Change the World

2) Longas-metragens
1929: The Sophomore
1929: Red Hot Rhythm
1930: Wild Company
1930: Let's Go Native (Naufrágio Amoroso)
1930: Part Time Wife
1931: Indiscreet
1932: The Kid from Spain (Toureiro à Força)
1933: Duk Soup (Os Grandes Aldrabões)
1934: Poker party (Segunda Lua-de-Mel)
1934: Belle of the Nineties
1935: Ruggles of Red Gap (O Extravagante Senhor Ruggles)
1936: The Milky Way (Via Láctea)
1937: Make Way for Tomorrow
1937: The Awful Truth (Com a Verdade Me Enganas)
1939: Love Affair (Ele e Ela)
1942: Once Upon a Honeymoon (Lua Sem Mel)
1944: Going My Way (O Bom Pastor)
1945: The Bells of St. Mary's (Os Sinos de Santa Maria)
1948: Good Sam (O Bom Samaritano)
1951: You Can Change the World (documentário, curta-metragem)
1952: My Son John (Perseguem o Meu Filho)
1955: Screen Directors Playhouse (série de TV) – episódios “Tom and Jerry” e “Meet the Governor”
1957: Na Affair tio Remember (O Grande Amor da Minha Vida)
1958: Rally 'Round the Flag, Boys! (Morena Ardente)
1962: Satan Never Sleeps (O Diabo nunca Dorme)

CARY GRANT (1904 - 1986)
Archibald Alexander Leach, mais conhecido por Gary Grant, nasceu a 18 de Janeiro de 1904, em Horfield, Bristol, Inglaterra, e viria a falecer a 29 de Novembro de 1986, em Davenport, Iowa, EUA, aos 82 anos, vítima de uma hemorragia cerebral. Casado com Virginia Cherrill (1934 - 1935), Barbara Hutton (1942 - 1945), Betsy Drake (1949 - 1962), Dyan Cannon (1965 - 1968) e Barbara Harris (1981 - 1986). Conta-se que a mãe de Archibald, quando este era ainda muito miúdo, o vestia como uma menina, o que terá tido algum efeito perturbador na sua personalidade. O pai, por seu turno, levou-o, aos seis anos, a assistir a um espectáculo de pantomima que ele adorou. O produtor, Robert Lomas, que precisava de mais uma criança para o espectáculo, foi-lhe entregue Archibald, que partiu em tournée para Berlim. Aí, um empresário americano, Jesse Lasky, levou-os, a bordo do Lusitânia, com destino à Broadway. Regressou depois a Bristol, e aos estudos. Aos nove anos, passou a viver apenas com o pai, pois a mãe dera entrada num hospício. Aos treze, deixa a escola, falsifica a assinatura do pai, e entra para a companhia do comediante Bob Pender. Por dois anos apresentou-se em diversas cidades da Inglaterra até que, em Julho de 1920, com 16 anos, foi um dos escolhidos por Pender para uma nova tournée, esta de dois anos, pelos Estados Unidos. Archibald não voltaria a Inglaterra. Trabalhou como arrumador de cinema, vendeu gravatas e interpretou números de variedades. Depois viajou para Hollywood, onde a sua elegância e porte chamaram a atenção de Ben Schulberg, da Paramount, onde mudou de nome, passando a "Cary Grant". A estreia no cinema aconteceu em 1932, num musical medíocre, “Esposa Improvisada”, mas rapidamente lhe surgiu uma boa oportunidade, para trabalhar sob as ordens de Josef von Stenberg, ao lado de Marlene Dietrich, em “Vénus Loira”. Mas só em 1935, com “Sylvia Scarlett”, ombreando com Katharine Hepburn, adquiriu o estrelato, onde se manteve até final da vida, sendo considerado um dos maiores comediantes de sempre. Sucederam-se êxitos como “Bringing Up Baby” (1938), “Gunga Din” (1939), “His Girl Friday” (1940), “The Philadelphia Story” (1940), “Suspicion” (1941), “Arsenic and Old Lace” (1944). Em 1933, conheceu o actor Randolph Scott, o qual, segundo se sabia, era amante do milionário Howard Hughes. Mas a atracção entre ambos foi imediata e recíproca, e os dois passaram a ter uma longa e polémica relação homossexual, já que Scott se mudou para o apartamento de Grant. Os estúdios obrigaram-nos a morar em casas separadas e, face às pressões impostas, Grant nunca chegou a assumir publicamente que este teria sido o grande amor secreto de sua vida. No ano seguinte, foi “obrigado” a casar com a actriz Virginia Cherrill, mas o embuste ainda chamou mais a atenção, dado que Cary Grant, pouco depois, tentou o suicídio. Divorciado, voltou a morar com Randolph Scott. Em 1941, durante a II Guerra Mundial, tornou-se cidadão norte-americano, e, a 8 de Julho de 1942, casou-se com a milionária Barbara Hutton, de quem se divorciou três anos mais tarde. As décadas de 40 e 50 foram pródigas em grandes sucessos, como “Notorious” (1946), de Alfred Hitchcock, ao lado de Ingrid Bergman no filme de Alfred Hitchcock, a que se seguiram “The Bishop's Wife” (1947), “To Catch a Thief” (1955), “An Affair to Remember” (1957), “Indiscreet” (1958), ou “North by Northwest”. Com “Penny Serenade” (1941), e “None but the Lonely Heart” (1944) foi nomeado para o Oscar de Melhor Actor, que nunca conquistou. Mas em 1970, a Academia conferiu-lhe um Oscar honorário pelo conjunto da sua obra. Em 1957, casado com a actriz Betsy Drake, apaixonou-se perdidamente por Sophia Loren, mas esta, comprometida com o produtor italiano Carlo Ponti, não lhe correspondeu. Casa-se depois com a actriz Dyan Cannon, de quem também se divorciou, para voltar a casar em 1981, com a actriz Barbara Harris. Alfred Hitchcock, Leo McCarey e Howard Hawks, foram realizadores que sempre o preferiram, e conta-se que o escritor inglês Ian Fleming se baseou na sua figura, elegância e maneiras para criar a personagem de James Bond, 007. Chegou a receber um convite para encarnar a figura, o que recusou, vindo o mesmo a ser desempenhado por Sean Connery. Em 1966, depois do seu trabalho em “Walk, Don't Run”, terminou a sua carreira, pois se considerava fora dos estereótipos do galã, e nunca aceitaria trabalhar como actor secundário. No inquérito promovido pelo American Film Institute para encontrar as Grandes Lendas do Cinema, figura em 2º lugar, e foi votado o 6º maior actor da História do Cinema pela revista Entertainment Weekly. Na lista das 100 Maiores Histórias de Amor do Cinema, publicada pelo American Film Institute, e organizada em 2002, Gary Grant figura por seis vezes: “O Grande Amor da Minha Vida” (1957), em 5º lugar, “Casamento Escandaloso” (1940), “Com a Verdade Me Enganas (1937), em 77º, e “Difamação” (1946), em 87º. Cary Grant quase morreu no palco, pois teve uma hemorragia cerebral fulminante, aos 82 anos, ao sair do Teatro Adler, em Davenport, Iowa, onde ensaiava um espectáculo "An Evening With Cary Grant". Morreu poucas horas depois e o corpo seria levado para Los Angeles onde, conforme a sua vontade, foi cremado sem qualquer cerimónia fúnebre. Antes de morrer, avisou a mulher e os filhos de que “depois de morto, coisas horríveis iriam ser ditas a seu respeito”.

Filmografia:
como actor

1932: This Is the Night (Esposa Improvisada), de Frank Tuttle
1932: Sinners in the Sun, de Alexander Hall
1932: Singapore Sue, de Casey Robinson (curta-metragem)
1932: Merrily We Go to Hell (Quando a Mulher se Opõe), de Dorothy Arzner
1932: Devil and the Deep (Entre Duas Águas), de Marion Gering
1932: Blonde Venus (A Vénus Loira), de Josef von Sternberg
1932: Hot Saturday, de William A. Seiter
1932: Madame Butterfly (Madame Butterfly), de Marion Gering
1933: She Done Him Wrong (Uma Loira para Três), de Lowell Sherman
1933: The Woman Accused (Seis Dias de Amor), de Paul Sloane
1933: The Eagle and the Hawk (Dragões da Morte), de Stuart Walker
1933: Gambling Ship (O Casino do Mar), de Louis Gasnier e Max Marcin
1933: I'm No Angel (Não Sou um Anjo), de Wesley Ruggles
1933: Alice in Wonderland (Alice no País das Fadas), de Norman Z. McLeod
1934: Thirty Day Princess (30 Dias Princesa), de Marion Gering
1934: Born to Be Bad (Nascida para o Mal), de Lowell Sherman
1934: Kiss and Make Up (Templo de Beleza), de Harlan Thompson
1934: Ladies Should Listen (Mulheres Tomem Cautela), de Frank Tuttle
1935: Enter Madame (Meu Marido vai Casar), de Elliott Nugent
1935: Wings in the Dark (Asas nas Trevas), de James Flood
1935: The Last Outpost (A Última Avançada), de Charles Barton e Louis Gasnier
1935: Pirate Party on Catalina Isle (curta-metragem) (não creditado)
1935: Sylvia Scarlett (Sylvia Scarlett), de George Cukor
1936: Big Brown Eyes (Aqueles Olhos Negros), de Raoul Walsh
1936: Suzy (Suzy e a Espia), de George Fitzmaurice
1936: The Amazing Quest of Ernest Bliss (Aposta Original), de Alfred Zeisler
1936: Wedding Present, de Richard Wallace
1936: Fashions in Love (curta-metragem)
1937: When You're in Love (Prelúdio de Amor), de Robert Riskin
1937: Topper (O Par Invisível), de Norman Z. McLeod
1937: The Toast of New York (Três Aventureiros), de Rowland V. Lee
1937: The Awful Truth (Com a Verdade Me Enganas), de Leo McCarey
1938: Bringing Up Baby (Duas Feras), de Howard Hawks
1938: Holiday (A Irmã da Minha Noiva), de George Cukor
1939: Gunga Din (Gunga Din), de George Stevens
1939: Only Angels Have Wings (Paraíso Infernal), de Howard Hawks
1939: In Name Only (Engano Nupcial), de John Cromwell
1940: His Girl Friday (O Grande Escândalo), de Howard Hawks
1940: My Favorite Wife (A Minha Mulher Favorita), de Garson Kanin
1940: The Howards of Virginia (Paixão da Liberdade), de Frank Lloyd
1940: The Philadelphia Story (Casamento Escandaloso), de George Cukor
1941: Penny Serenade (A Canção da Saudade), de George Stevens
1941: Suspicion (Suspeita), de Alfred Hitchcock
1942: The Talk of the Town (O Assunto do Dia), de George Stevens
1942: Once Upon a Honeymoon (Lua Sem Mel), de Leo McCarey
1943: Mr. Lucky (O Senhor Felizardo), de H.C. Potter
1943: Destination Tokyo (Rumo a Tóquio), de Delmer Daves
1944: Once Upon a Time (O Eterno Fantasista), de Alexander Hall
1944: None But the Lonely Heart (O Vagabundo), de Clifford Odets
1944: Arsenic and Old Lace (O Mundo É um Manicómio), de Frank Capra   
1944: The Shining Future (curta-metragem)
1946: Without Reservations (A Viajante Clandestina), de Mervyn LeRoy
1946: Night and Day (Fantasia Dourada), de Michael Curtiz
1946: Notorious (Difamação), de Alfred Hitchcock
1947: The Bachelor and the Bobby-Soxer (O Solteirão e a Pequena), de Irving Reis
1947: The Bishop's Wife (O Mensageiro do Céu), de Henry Koster
1948: Mr. Blandings Builds His Dream House (O Lar dos Meus Sonhos), de Henry C. Potter
1948: Every Girl Should Be Married (Todas as Raparigas Devem Casar), de Don Hartman
1949: I Was a Male War Bride (Fizeram-me Passar por Mulher), de Howard Hawks
1950: Crisis), de Richard Brooks
1951: People Will Talk (Falam as Más-Línguas), de Joseph L. Mankiewicz
1952: Room for One More (Sempre Cabe Mais Um), de Norman Taurog
1952: Monkey Business (A Culpa Foi do Macaco), de Howard Hawks
1953: Dream Wife (A Esposa Ideal), de Sidney Sheldon
1955: To Catch a Thief (Ladrão de Casaca), de Alfred Hitchcock
1957: An Affair to Remember (O Grande Amor da Minha Vida), de Leo McCarey
1957: The Pride and the Passion (Orgulho e Paixão), de Stanley Kramer
1957: Kiss Them for Me (Quatro Dias de Loucura), de Stanley Donen
1958: Indiscreet (Indiscreto), de Stanley Donen
1958: Houseboat (Quase nos Teus Braços), de Melville Shavelson
1959: North by Northwest (Intriga Internacional), de Alfred Hitchcock
1959: Operation Petticoat (Manobra de Saias), de Blake Edwards
1960: The Grass Is Greener (Ele, Ela e o Marido), de Stanley Donen
1962: That Touch of Mink (Carícias de Luxo), de Delbert Mann
1963: Charade (Charada), de Stanley Donen
1964: Father Goose (Grão-Lobo Chama), de Ralph Nelson
1966: Walk Don't Run (Devagar, não Corra), de Charles Walters

SESSÃO 41: 18 DE AGOSTO DE 2014

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 HORIZONTES DE GLÓRIA (1957)
Depois do sucesso brilhante de “Um Roubo no Hipódromo”, retirado da obra de Lionel White (“Clean Break”), partindo de um argumento escrito pelo próprio Stanley Kubrick, de colaboração com Jim Thompson (sobretudo nos diálogos), o cineasta percebe que as portas de Hollywood se abriam. Será o actor Kirk Douglas a consubstanciar esse interesse, oferecendo a Kubrick a realização do seu próximo filme, “Paths of Glory”, uma obra sobre a I Guerra Mundial, cuja temática ferozmente anti-belicista irá provocar verdadeiros terramotos aquando da sua estreia, sobretudo na Europa. O argumento é de novo assinado por Stanley Kubrick e Jim Thompson, desta feita com a colaboração de Calder Willingham, segundo um romance de Humphrey Cobb (“Paths of Glory”).
I Guerra Mundial, 1916: o quartel-general das tropas francesas está instalado num castelo junto à frente da batalha. Dois generais planeiam um ataque suicida a uma colina na posse dos alemães. O Horminguer não parece ter qualquer valor estratégico e a sua improvável conquista ceifará a vida a centenas de homens. Mas o general Broulard (Adolphe Menjou) incita o seu colega Mirbeau (George Macready) a empreender esse ataque como forma de ser promovido. O coronel Dax (Kirk Douglas) será nomeado para a missão, que executa, apesar das muitas reticências que levanta. Está em causa a coragem do soldado francês. É preciso dar o exemplo. E assim se fará, em vagas sucessivas de soldados que vão caindo uns atrás dos outros, muito embora a artilharia prepare o terreno. A retirada é obrigatória, mas Mirbeau não está satisfeito. Manda a artilharia atacar os franceses que se recusam a deixar as trincheiras e, no final, acusa todos de cobardia e prepara um tribunal militar para julgar os “traidores”, pedindo que “apenas” três soldados sejam fuzilados como exemplo. Dax é o oficial que se auto nomeia advogado de defesa, mas não consegue demover o tribunal. Os três soldados serão mesmo fuzilados.
A muitos anos de outras obras que abordaram posteriormente a tragédia da guerra, como “Apocalipse Now” ou “O Regresso do Soldado Ryan”, este “Horizontes de Glória” mostra-se de uma frieza e contundência sem par a denunciar um caso verídico, passado durante a guerra de 1914-1918, e que é aqui erigido em exemplo de carnificina escusada e de vileza militar. O filme decorre praticamente entre dois cenários, que prefiguram duas classes sociais e dois comportamentos perante a guerra: o castelo onde estão os “Senhores”, os “Oficias Superiores”, e as trincheiras onde morrem os “Escravos”, os “Soldados”. À vida cortês e despreocupada, apenas interrompida pela intriga palaciana, por entre boas refeições e bailes de salão, opõe-se o drama da trincheira enlameada e barulhenta, com os corpos dos feridos envolvidos por panos nauseabundos. Entre estes dois extractos sociais (neste aspecto “Paths of Glory” prolonga a inteligente análise de “A Grande Ilusão”, de Jean Renoir) existe o choque visível numa clara luta de classes que ultrapassa as fronteiras das nações. Para Kubrick, a guerra é pensada pelos “Senhores” e executada pelos “Operários” desta grande indústria. 
A realização de “Horizontes de Glória” é de uma exemplaridade total, com os longos travellings por entre as trincheiras com os soldados a abrirem alas para passarem os oficiais, ou os movimentos de câmara que acompanham o avanço das tropas em terra de ninguém. Conhecem-se as cumplicidades facilmente. Não espanta, por isso, que na sequência final os soldados franceses se “aproximem” mais emocionalmente de uma pobre alemã que canta um tema musical que acaba em confraternização de vozes, do que dos seus próprios generais que não hesitam em atirar sobre eles próprios (“Se eles têm medo das balas alemãs, terão de enfrentar as balas francesas”, grita Mirbeau). O estudo das relações de poder é um dos temas básicos da filmografia de Stanley Kubrick. A sua análise iniciada aqui, será prolongada em “Spartacus”, adaptada ao mundo romano, e posteriormente em “Dr. EstranhoAmor”, “2001”, “Laranja Mecânica”, “Barry Lyndon” ou “Nascido para Matar”. Como humanista e profundo observador da condição humana, ao cineasta não interessam tanto as receitas marxistas que outros adoptaram em obras semelhantes (até no Ocidente, cite-se Joseph Losey, em “King and Country”), mas sobretudo a dúvida sobre o futuro do Homem e a bondade possível do seu coração.

HORIZONTES DE GLÓRIA
Título original: Paths of Glory
Realização: Stanley Kubrick (EUA, RFA, 1957); Argumento: Stanley Kubrick, Jim Thompson, Calder Willingham, segundo romance de Humphrey Cobb (“Paths of Glory”); Música: Gerald Fried; Fotografia (p/b): Georg Krause; Montagem: Eva Kroll; Direcção artística: Ludwig Reiber; Guarda Roupa: Ilse Dubois; Maquilhagem: Arthur Schramm; Direcção de produção: John Pommer, Helmut Ringelmann, George von Block; Assistentes de realização: Dixie Sensburg, Franz-Josef Spieker, Hans Stumpf; Som:  Martin Müller; Efeitos Especiais: Erwin Lange; Produção: James B. Harris; Intérpretes:Kirk Douglas (Coronel Dax), Ralph Meeker (Cabo Phillip Paris), Adolphe Menjou (General George Broulard), George Macready (General Paul Mireau), Wayne Morris (Tenente Roget/Homem que canta), Richard Anderson (Major Saint-Auban), Joe Turkel (soldado Pierre Arnaud; Christiane Kubrick (cantora alemã), Jerry Hausner (dono de café), Emile Meyer (Padre Dupree), Bert Freed, Kem Dibbs, Timothy Carey, Fred Bell, John Stein, Harold Benedict, Leon Briggs, Paul Bös, Peter Capell, Wally Friedrichs, Halder Hanson, James B. Harris, Rolf Kralovitz, Ira Moore, Marshall Rainer, Roger Vagnoid, etc. Duração: 86 minutos; Distribuição em Portugal: MGM; Classificação etária: M/ 16 anos.

STANLEY KUBRICK (1928-1999) 

Stanley Kubrick nasceu em Nova lorque, a 26 de Julho de 1928, de uma família de origem judaica. Cresceu no Bronx, tendo-se interessado inicialmente pelo jazz, pelo xadrez e pela fotografia quando o pai, um médico, lhe ofereceu a primeira máquina fotográfica, aos treze anos. Um ano bastou para que Kubrick ficasse senhor dos conhecimentos básicos na matéria. Entretanto, estudou na High School de William Taft, onde dirigia uma banda e o jornal escolar. Não conseguiu entrar na Universidade, porque por aquela altura o regresso dos veteranos da II Guerra Mundial tornava raras as vagas. Mas ingressou na universidade de Colombia como estudante não matriculado e assistiu às aulas de Lionel Trilling e Moses Hadas. Era frequentador assíduo de sessões de cinema do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, preferindo sobretudo realizadores europeus, como Serghei Eisenstein, Max Ophuls, Ingmar Bergman, Michelangelo Antonioni ou Federico Fellini, e alguns norte-americanos com quem se identificava, casos confessos de Orson Welles, John Huston, William Wellman, Charles Chaplin ou Elia Kazan. Por essa altura ia jogando xadrez nos jardins de Manhattan para ganhar algum dinheiro. Aos dezassete anos, o director gráfico da revista “Look” emprega-o como fotógrafo estagiário, depois de publicar uma foto sua que entusiasmou a América - precisamente um velho jornaleiro emocionado, vendendo o jornal onde se anuncia a morte de Roosevelt. 

Em 1951, com 23 anos de idade, Kubrick financiou a sua primeira curta-metragem, com capital seu e generosas dádivas familiares. Em 35 milímetros, “Day of the Fight” é um minucioso documentário sobre o “boxeur” Walter Cartier, que tinha sido tema de uma das suas reportagens fotográficas para a “Look”. Sem grande experiência de cinema, Kubrick foi todavia realizador, fotógrafo, montador e sonorizador. A RKO comprou os direitos deste pequeno filme e estreou-o numa sala da Paramount, integrado na série “This is America”. Resolve então interromper a sua colaboração com a “Look” para se dedicar por inteiro ao cinema. A RKO avança algum capital para permitir ao jovem cineasta filmar um novo documentário de curta-metragem, desta feita para a série “Pathe Screenliner”. “Flying Padre” retrata a vida e a obra do padre Fred Stadtmueller, que se deslocava de avião, num Piper Cub, para visitar os seus paroquianos no Novo México. A primeira longa-metragem de ficção de Stanley Kubrick foi “Fear and Desire”, de 1953, que produziu com dez mil dólares emprestados pela família e três mil dele próprio, filme de que não gostava nada de falar, e muito menos que o mesmo fosse mostrado, sendo por isso uma das suas obras mais difíceis de visionar presentemente. Veio a seguir “Killer's Kiss”, que já orçou em 40.000 dólares, e “The Killing”, dois marcantes “filmes negros”, que anunciaram desde logo um estilo visual muito particular e pessoal. Este último contou com a colaboração do amigo James B. Harris, funcionando este como produtor, o que lhe abre as portas de Hollywood, conseguindo um orçamento de 320.000 dólares e um elenco de actores dignos de um filme de género. Contudo, só em 1957 é que Kubrick fundou propriamente o seu estúdio. Depois de um projecto falhado sobre uma história de Stefan Zweig, “Segredo Ardente”, Kubrick e Calder Willingham, em colaboração com Jim Thompson, escreveram outra adaptação de um romance, desta feita “Paths of Glory”, de Humphrey Cobb. Kirk Douglas concordou em protagonizar o filme e este tornar-se-ia rapidamente num clássico e uma das melhores películas sobre guerra jamais feita. O seu anti-militarismo militante causar-lhe-ia fartos problemas, sobretudo na Europa, nomeadamente em França.

E começaram as incertezas à boa maneira de Hollywood: Kubrick gasta anos a desenvolver projectos que não concretiza: um para Kirk Douglas, sobre o ladrão e arrombador de cofres Herbert Emmerson Wilson, e um outro sobre um grupo de guerrilha do Sul dos EUA, os “rangers de Mosby”, ambientado durante a guerra civil americana. Perdeu mais seis meses na pré-produção de “One Eyed Jack”, para Marlon Brando, que seria finalmente dirigido pelo próprio actor, depois de alguns desacordos nascidos entre Brando e Kubrick.
Em 1959, Kirk Douglas produziu “Spartacus”. O realizador que iniciara as filmagens foi Anthony Mann, mas, poucas semanas depois de principiadas a produção e a realização, surgem igualmente desencontros entre actor-produtor e realizador, acabando Anthony Mann por ser dispensado e substituído por Stanley Kubrick. Apesar disso, nunca considerou “Spartacus” um filme integralmente “seu”.
Em seguida, a dupla Kubrick/Harris produz e realiza “Lolita”, baseado no polémico romance de Vladimir Nabokov. Após a acidentada estreia de “Lolita”, James B. Harris e Kubrick terminam a colaboração directa. Ambos vão assumir, cada um no seu campo, a área ocupada anteriormente pelo amigo. James B. Harris passa a realizador (irá mesmo dirigir, em 1965, um filme, “The Bedford Incident”, que se assemelha muito a “Dr. Strangelove”, de 1964), enquanto Kubrick resolve assumir de novo o compromisso de produzir as suas próprias obras. A loucura e o absurdo da guerra-fria e a ameaça de um conflito nuclear, estarão na base do filme seguinte: “Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”. Kubrick encontra-se então com o cientista e escritor de ficção científica Arthur C. Clarke a quem encomenda um argumento, partindo da sua novela “The Sentinel”, sobre o encontro do homem com a inteligência extraterrestre. Nasce assim “2OOl: A Space Odyssey”, um marco na história do cinema e também uma referência de maturidade na filmografia da ficção científica. A seguir, em “A Clockwork Orange”, ele estigmatiza a violência e o erotismo mais terríficos, adaptando o romance de Anthony Burgess. Depois de duas películas que imaginavam o futuro, partindo do presente, Kubrick volta-se para o passado, adaptando um romance ambientado no século XIX, um original de William Makepeace Thackery. “Barry Lyndon” é outro sucesso, com um guarda-roupa e cenários deslumbrantes, uma reconstituição de época notável, um cuidado técnico esmerado. Em 1980, após uma pausa de cinco anos desde “Barry Lyndon”, Kubrick aproxima-se do universo do filme de terror, adaptando o romance de Stephen King, “The Shining”. Um dos temas preferidos do cineasta encontra neste filme expressão máxima: o labirinto e a exploração do cérebro humano. Novo interregno, este de sete anos, antes de Kubrick estrear nova película, adaptando outra vez uma obra literária, desta feita um romance de guerra, ambientado no Vietname, escrito por Gustav Hasford (“The Short Timers”). Kubrick aproveita por essa altura a explosão do “home video” para supervisionar a passagem da quase totalidade das suas obras de cinema para vídeo, com a minúcia e o cuidado habituais nele. Restaura o negativo de “Dr. Strangelove”, entretanto desaparecido, e recupera-o através de cópias disponíveis. Em meados da década de 80, interessa-se por vários projectos, um dos quais as viagens de Fernão Mendes Pinto e também as descobertas marítimas dos portugueses. Chega a estabelecer contactos em Portugal, para concretizar rodagens no nosso País. Em Maio de 1990, Stanley Kubrick junta-se a outros realizadores, Martin Scorsese, Allen Woody, Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, Robert Redford, Sydney Pollack e George Lucas, para criar uma Fundação cuja principal intenção era promover o restauro e a preservação das películas. A derradeira obra de Kubrick seria “Eyes Wide Shut”, segundo Arthur Schnitzler (romance “Traumnovelle”). Em Março de 1997, num sábado, dia 8, a Directors Guild of America concedeu a Stanley Kubrick o seu mais elevado e prestigiado galardão, o D.W. Griffith Award for Lifetime Achievement. Com 68 anos, Kubrick não compareceu, mas enviou um discurso gravado em vídeo, e o actor Jack Nicholson aceitou o prémio em nome do cineasta. Em Setembro desse mesmo ano, Kubrick foi igualmente homenageado no 54º Festival de Veneza com um Leão de Ouro que sublinhava a grandeza da sua obra e a sua importante contribuição para a História do Cinema Mundial.
No início do mês de Março de 1999, Kubrick organizou uma sessão especial para apresentar a cópia final, na sua montagem definitiva, de “De Olhos Bem Fechados”. Estiveram presentes os responsáveis máximos da Warner Brothers, os actores Nicole Kidman e Tom Cruise e alguns convidados. A reacção foi excelente e Kubrick mostrou-se satisfeito, chegando mesmo a dizer que este era o seu melhor filme. Pouco depois, no dia 7 de Março de 1999, o realizador morre durante o sono, vítima de um ataque cardíaco. Contava 70 anos de idade e deixava a sua marca pessoal bem presente e imperecível nos ecrãs de todo mundo. Casado em 28 de Maio de 1948, com Toba Metz, de quem de divorciara em 1951, voltou a casar com Ruth Sobotka (1954 - 1957) e finalmente com Christiane Kubrick (de 1958 até à data da sua morte), de quem tinha três filhas.
Com uma carreira das mais brilhantes na história do cinema, Kubrick, ironicamente, só recebeu um Oscar para um filme seu. Em 1969, ganha o Oscar de Melhores Efeitos Especiais Visuais, com “2001: Odisseia no Espaço”. Mas foi nomeado por diversas vezes: 1965: Nomeado para Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado e Melhor Filme, em “Doutor Estranhoamor”; 1969: Nomeado para Melhor Realizador e Melhor Filme, em “2001: Odisseia no Espaço”; 1972: Nomeado para Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado e Melhor Filme, em “Laranja Mecânica”; 1976: Nomeado para Realizador, Melhor Argumento Adaptado e Melhor Filme, em “Barry Lyndon” e, finalmente, 1988: Nomeado para Melhor Argumento Adaptado, em “Full Metal Jacket - Nascido Para Matar”.

Filmografia
como realizador:
1951: Day of the Fight (curta-metragem documental)
1951: Flying Padre (curta-metragem documental)
1953: The Seafarers (curta-metragem)
1953: Fear and Desire
1955: Killer's Kiss (O Beijo Assassino)
1956: The Killing (Um Roubo no Hipódromo)
1957: Paths of Glory (Horizontes de Glória)
1960: Spartacus (Spartacus)
1962: Lolita (Lolita)
1964: Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb (Doutor Estranhoamor)  
1968: 2001: A Space Odyssey (2001: Odisseia no Espaço)
1971: A Clockwork Orange (Laranja Mecânica)
1975: Barry Lyndon (Barry Lyndon)
1980: The Shining (Shining)
1987: Full Metal Jacket (Nascido para Matar) 
1999: Eyes Wide Shut (De Olhos Bem Fechados)

KIRK DOUGLAS (1916- ?)
Kirk Douglas, de nome de baptismo Issur Danielovitch Demsky, nasceu a 9 de Dezembro de 1916, em Amsterdam, no estado de Nova Iorque, EUA.
Filho de Herschel Danielovitch e Bryna Sanglel, judeus pobres da Bielorrússia que emigraram para os EUA. Estudou na St. Lawrance University, entrando numa liga de boxe, para conseguir pagar os estudos. Ganhou a bolsa, juntamente com Lauren Bacall. Entrou para a Marinha Norte-Americana no início da II Guerra Mundial. Terminada a guerra, voltou para Nova Iorque e começou uma carreira na rádio e em spots publicitários de televisão. Foi Lauren Bacall quem o indicou para um papel no seu primeiro filme, “The Strange Love of Martha Ivers” (1946), iniciando assim uma excelente carreira no cinema, onde actuou sob a direcção dos mais prestigiantes cineastas, como actor, tendo sido ainda produtor e realizador e “um modelo moral e criativo para a comunidade cinematográfica" (segundo a Academia de Hollywood, quando lhe concedeu um Oscar honorifico em 1996, pela sua carreira). Foi nomeado três vezes para o Oscar de Melhor Actor, em “Champion” (1949), “The Bad and the Beautiful” (1952) e “Lust for Life” (1956). Não ganhou nenhum, mas bem o teria merecido. Foi ele quem ajudou Stanley Kubrick no início da sua carreira, e esteve sempre disponível para auxiliar outros, nomeadamente alguns “black listed”. Na sua extensa filmografia, há obras inesquecíveis, como “O Grande Ídolo”, “O Grande Carnaval”, “História de um Detective”, “Céu Aberto”, “Homem Sem Rumo”, “A Vida Apaixonada de Van Gogh”, “Duelo de Fogo”, “Horizontes de Glória”, “Os Vikings”, “O Último Comboio de Gun Hill”, “Um Estranho na Minha Vida”, “Spartacus”, “Duelo ao Pôr-do-sol”, “Fuga Sem Rumo”, “Duas Semanas Noutra Cidade”, “As Cinco Caras do Assassino”, “Sete Dias em Maio”, “O Compromisso” ou “O Réptil”, entre muitos outras.  
Casado com Diana Dill (1943 - 1951), com quem teve dois filhos, o actor Michael Douglas e o produtor Joel Douglas, e com Anne Boydens (1954 até hoje) com quem teve outros dois filhos, o produtor Peter Vincent Douglas e o actor Eric Douglas. Kirk Douglas tem uma estrela no Passeio da Fama no número 6263, Hollywood Blvd.

Filmografia:
1946: The Strange Love of Martha Ivers (O Estranho Amor de Martha Ivers), de Lewis Milestone
1947: Out of the Past (O Arrependido), de Jacques Tourneur
1947: Mourning becomes Electra (Electra), de Dudley Nichols
1948: I Walk Alone (Lábios Que Sangram), de Byron Haskin
1948: The Walls of Jericho (Muralhas Humanas), de John M. Stahl
1949: My Dear Secretary (Prefiro a Secretária), de Charles Martin
1949: A Letter to Three Wives (Carta a Três Mulheres), de Joseph L. Mankiewicz
1949: Champion (O Grande Ídolo), de Mark Robson
1950: Young Man with a Horn (Duas Mulheres e Dois Destinos), de Michael Curtiz
1950: The Glass Menagerie (Algemas de Cristal), de Irving Rapper
1951: Along the Great Divide (A Caminho da Forca), de Raoul Walsh
1951: Ace in the Hole (O Grande Carnaval), de Billy Wilder
1951: Detective Story (História de um Detective), de William Wyler
1952: The Big Trees (Os Gigantes da Floresta), de Felix Feist
1952: The Big Sky (Céu Aberto), de Howard Hawks
1952: The Bad and the Beautiful (Cativos do Mal), de Vincente Minnelli
1953: The Story of Three Loves (A História de Três Amores), episódio “Equilibrium”, de Gottfried Reinhardt
1953: The Juggler (O Malabarista), de Edward Dmytryk
1953: Act of Love (Um Gesto de Amor), de Anatole Litvak
1954: 20,000 Leagues Under the Sea (Vinte Mil Léguas Submarinas), de Richard Fleischer
1954: Ulysses (Ulisses) de Mario Camerini
1954 The Jack Benny Program (série de TV) – episódio The Jam Session Show
1955: The Racers (Estes Homens São Perigosos), de Henry Hathaway
1955: Man without a Star (Homem Sem Rumo), de King Vidor
1955: The Indian Fighter (O Caçador de Índios), de Andre de Toth
1955: Van Gogh: Darkness Into Light
1956: Lust for Life (A Vida Apaixonada de Van Gogh), de Vincente Minnelli
1957: Top Secret Affair (Escândalo na Primeira Página), de H.C. Potter
1957: Gunfight at the O.K. Corral (Duelo de Fogo), de John Sturges
1957: Paths of Glory (Horizontes de Glória), de Stanley Kubrick
1958: The Vikings (Os Vikings), de Richard Fleischer
1959: Last Train from Gun Hill (O Último Comboio de Gun Hill), de John Sturges
1959: The Devil's Disciple, de Guy Hamilton
1959: Premier Khrushchev in the USA (documentário)
1960: Strangers when we meet (Um Estranho na Minha Vida), de Richard Quine
1960: Spartacus (Spartacus), de Stanley Kubrick
1961: Town Without Pity (Gente sem Compaixão), de Gottfried Reinhardt
1961: The Last Sunset (Duelo ao Pôr do Sol), de Robert Aldrich
1962: Lonely are the Brave (Fuga Sem Rumo), David Miller
1962: Two Weeks in Another Town (Duas Semanas Noutra Cidade), de Vincente Minnelli
1963: The Hook (Um Homem Deve Morrer), George Seaton
1963: The List of Adrian Messenger (As Cinco Caras do Assassino), de John Hustron
1963: For Love or Money (Por Amor ou Por Dinheiro), de Gordon Douglas
1964: Seven Days in May (Sete Dias em Maio), de John Frankenheimer
1965: The Heroes of Telemark (Os Heróis de Telemark), de Anthony Mann
1965: In Harm's Way (A Primeira Vitória), de Otto Preminger
1966: Cast a Giant Shadow (A Sombra de um Gigante), de Melville Shavelson
1966: Paris brûle-t-il ? ou Is Paris Burning? (Paris Já Está a Arder?), de René Clément
1967: The Way West (A Caminho do Oregon), de Andrew V. McLaglen
1967: The War Wagon (Assalto ao Carro Blindado), de Burt Kennedy
1968: Rowan & Martin at the Movies (curta-metragem)
1968: Once Upon a Wheel (documentário)
1968: A Lovely Way to Die (Que Importa Morrer), de David Lowell Rich
1968: The Brotherhood (Dois Irmãos Sicilianos), de Martin Ritt
1968: The Legend of Silent Night (TV) (narrador)
1969: The Arrangement (O Compromisso), de Elia Kazan
1970: There Was a Crooked Man ... (O Réptil), de Joseph L. Mankiewicz
1971: To Catch a Spy (Meu Marido, Esse Desconhecido), de Dick Clement
1971: The Light at the Edge of the World (Os Piratas do Arquipélago), de Kevin Billington
1971: A Gunfight (Um de Nós Tem de Morrer), de Lamont Johnson
1972 The Special London Bridge Special (TV)
1972: Un Uomo da Rispettare ou The Master Touch (Um Homem de Respeito), de Michele Lupo
1973: Scalawag (Scalawag), de Kirk Douglas
1973: O Médico e o Monstro (TV)
1974: Mousey (TV)
1975: Once Is Not Enough, de Guy Green
1975: Posse (Cavalgada dos Destemidos), de Kirk Douglas
1976: Arthur Hailey's the Moneychangers (mini série de TV)
1976: Vitória em Entebbe (TV)
1977: Holocaust 2000 (Holocausto 2000), de Alberto De Martino
1978: The Fury (A Fúria), de Brian de Palma
1979: Home Movies, de Brian De Palma
1979: The Villain (Cactus Jack, o Vilão), de Hal Needham
1980: Saturn 3 (Saturno 3, o Robot Assassino), de Stanley Donen
1980: The Final Countdown (A Contagem Final), de Don Taylor
1982: The Man from Snowy River (O Homem de Rio Nevado), de George Miller
1982: Separação Forçada (TV)
1983: Eddie Macon's Run, de Jeff Kanew
1984: Duelo de Amigos (TV)
1985: Amos (TV)
1986: Tough Guys (Os Duros), de Jeff Kanew
1987: Queenie (TV)
1988: Inherit the Wind (TV)
1992: The Secret (TV)
1991: Contos de Arrepiar (série de TV) – episódio Yellow
1991: Oscar (Oscar - A Mala das Trapalhadas), de John Landis
1991: Welcome to Veraz, de Xavier Castaño
1994: A Century of Cinema (documentaire)
1994: Greedy, de Jonathan Lynn
1994: Take Me Home Again (TV)
1996: Os Simpsons (série de TV) – episódio The Day the Violence Died 
1999: Diamonds, de John Asher
2000: Scene by Scene (série de TV)
2000: Touched by an Angel (série de TV) – episódio Bar Mitzvah
2003: It Runs in the Family (Corre no Sangue), de Fred Schepisi
2004: Illusion, de Michael A. Goorjian
2008: Meurtres à l'Empire State Building (TV)

SESSÃO 42: 1 DE SETEMBRO DE 2014

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 QUERO VIVER! (1958)

Uma legenda inicial informa desde logo os espectadores: este filme é baseado em factos reais, no infortunado final de vida de Barbara Graham, em artigos de revista de um jornalista de nome Edward Montgomery, em cartas particulares da própria Barbara, em notícias de jornais, investigações policiais, gravações de tribunal, entrevistas, etc. O argumento de Nelson Gidding e Don Mankiewicz, baseia-se, portanto, em todo este material, com especial ênfase nos textos de Ed Montgomery e nas cartas de Barbara Graham. O filme dir-se-ia, hoje em dia, um “docdrama”, conjugando elementos do documentarismo e da reconstrução ficcionada da realidade. Parece que Susan Hayworth investigou a fundo a vida e a personalidade da figura que ia interpretar, o mesmo acontecendo com o realizador Robert Wise que terá mesmo assistido a uma execução na câmara de gás para dar mais realismo às cenas finais de “Quero Viver!”.
Como em quase todos os filmes de Robert Wise deste período, que vai de meados dos anos 40 até finais da década de 50, a opção foi criar um clima de filme negro, rodado com poucos meios (que os aproximava muito das séries B desta época, onde se podem descobrir verdadeiras obras-primas de eficácia e sugestão), pautado por um ritmo tenso, uma atmosfera densa, uma banda sonora nervosa e sincopada (aqui admiravelmente servida pelo talento de Gerry Mulligan e do seu grupo de jazz, bem integrada na partitura original de Johnny Mandel). Isso era visível nas suas obras consagradas ao boxe (“Nobreza de Campeão” ou “Marcado Pelo Ódio”), nos seus thrillers (“Nascido para Matar”, “Mistério no México”, “Homens no Escuro”), nos seus westerns (“Céu Vermelho”, “Honra a Um Homem Mau”), na ficção científica (“O Dia em que a Terra Parou”), no filme de guerra (“Ratos do Deserto” ou “Os Tubarões do Pacífico”) ou mesmo nos seus dramas (“A Casa da Colina”, “Vida da Minha Vida”, “Um Homem e Dez Destinos”, “Famintos de Amor”, “Esta Noite ou Nunca” ou este “Quero Viver!”).

A primeira sequência dará imediatamente o tom narrativo da obra, apresentando uma noitada num bar onde actua a orquestra de Gerry Mulligan, filmada em planos curtos, enquadrados segundo uma angulação obliqua, numa fotografia carregada que desde logo nos oferece um clima viciado e o impõe. Barbara Graham (26 de Junho de 1923 – 3 de Junho de 1955) faz parte desse universo de fumo, álcool, música estridente, sensualidade efervescente, jogo e crime. Ela anda associada a uma quadrilha de jogadores e meliantes, serve de testemunha fabricada para tentar ilibar uns acusados, é descoberta e cumpre um ano de cadeia. Barbara é mulher de vida fácil, enrola-se com uns e outros, quer endireitar o percurso, casão e tem um filho, mas o marido, drogado, só se preocupa com o dinheiro que pode arranjar para o vício. Um cheque sem coberta não irá ajudar em nada e o que vem a seguir irá precipitar tudo: Barbara é presa, acusada de um crime violento, a morte de uma velha senhora, Mabel Monahan, viúva de um milionário, cuja casa é assaltada para roubo. Aqui o filme de Robert Wise toma partido, mostra que Barbara Graham não teria sido a assassina, pois à hora do crime a mostra em sua casa, e insinua que o assassinato se ficou a dever apenas aos seus amigos de gang, igualmente indiciados.
O comportamento de Barbara na esquadra, durante os interrogatórios, frente à comunicação social, não podia ser pior: arrogante, hostil, acreditando certamente que rapidamente a acusação lhe será retirada, leva a opinião pública a julgá-la em definitivo. Não só a polícia, os advogados, o juiz, os jurados, como também os leitores de jornais e revistas, os telespectadores, todos a condenam. Edward Montgomery é um desses jornalistas que de início a incrimina. Depois entrevista-a, assiste a testes psicológicos que contrariam o veredicto, conhece melhor aquela mulher que lentamente resvala para o desespero do encontro solitário com a cadeira da morte, inalando o fatal gás. É marcada a data da execução, Ed Montgomery e o advogado de defesa desdobram-se em petições e adiamentos, a opinião pública timidamente começa a mudar de convicção, mas a hora final chega. Inexorável. 

A última meia hora de “Quero Viver!” é talvez o mais doloroso e terrível libelo cinematográfico contra a pena de morte. Há um plano admirável, filmado em picado, vertical puro, em que os limites da câmara são os limites da cela de Barbara, e onde se sente a solidão de uma mulher na antecâmara da morte. Robert Wise afasta qualquer rodriguinho melodramático, escolhe uma narrativa documental, fria, distante, mostra com eficácia extrema os gestos da preparação do cenário da morte, coloca-nos perante os profissionais que executam as operações com precisão e rigor, o seu filme dir-se-ia um documentário industrial sobre uma fábrica em laboração normal, só que tudo conduz ao assassinato legal, a sangue frio, de uma vida. Depois deste filme outros se realizaram sobre o mesmo tema, um deles o admirável “A Sangue Frio”, de Richard Brooks, segundo o romance de Truman Capote, mas o impacto nunca foi maior.
Robert Wise constrói assim uma obra que se assume como o inverso de “Doze Homens em Fúria”. Onde Lumet colocava a dúvida como imperativo de consciência para se julgar em definitivo alguém a enviar para a morte, Wise mostra como a demagogia da comunicação social, e a rapidez em cumprir uma sentença pode ser fatal. Para Wise, como para Ed Montgomery, não restam dúvidas: foi assassinada uma mulher inocente que cumpriu castigo indevidamente. Há muitos testemunhos que optam por uma visão diferente, e que julgam Barbara Graham justamente condenada. O problema, porém, coloca-se a dois outros níveis: será legítimo matar para fazer justiça? será possível condenar alguém existindo dúvidas legitimas sobre a sua participação no crime de que é acusado? Parece-me serem estas as verdadeiras questões que o filme de Robert Wise levanta com grande dignidade intelectual e probidade artística.
De resto, “I Want to Live!” é servido por uma excelente qualidade técnica e artística, sendo de referir a fotografia, a partitura musical, a montagem, para lá da brilhante realização de Wise. No domínio da interpretação, Susan Hayward é notável, na forma como compõe uma personagem nevrótica, inquieta, por vezes insolente, por vezes frágil e terna.
“Quero Viver!” foi nomeado para Melhor Realização, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Fotografia (a preto e branco), Melhor Montagem, Melhor Som, e Melhor Actriz, sendo que só Susan Hayward ganharia este troféu. Nos Globos de Ouro triunfaria nas categorias de Melhor Filme e Melhor Actriz. Susan Hayward ganharia ainda o prémio do “New York Film Critics Circle” e do Festival de Mar del Plata.
Em 1983, Barbara Graham seria interpretada por Lindsay Wagner, num telefilme de David Lowell Rich, numa nova versão de “I Want to Live!”.

QUERO VIVER!
Título original: I Want to Live!
Realização: Robert Wise (EUA, 1958); Argumento: Nelson Gidding, Don Mankiewicz, segundo artigos de Ed Montgomery e cartas de Barbara Graham; Produção: Walter Wanger; Música: Johnny Mandel; Fotografia (p/b): Lionel Lindon; Montagem: William Hornbeck; Casting: Lynn Stalmaster; Decoração: Victor A. Gangelin, Ted Haworth; Maquilhagem: Emmy Eckhardt, Jack Stone, Thomas Tuttle, Lillian Ugrin; Guarda-roupa: Angela Alexander, Wesley Jeffries; Direcção de produção: Forrest E. Johnston; Assistente de realização: George Vieira; Som: Fred Lau; Companhias de produção: Figaro; Intérpretes: Susan Hayward (Barbara Graham), Simon Oakland (Edward S. 'Ed' Montgomery), Virginia Vincent (Peg), Theodore Bikel (Carl G.G. Palmberg), Wesley Lau (Henry L. Graham), Philip Coolidge (Emmett Perkins), Lou Krugman (John R. 'Jack' Santo), James Philbrook, Bartlett Robinson, Gage Clarke, Joe De Santis, John Marley, Raymond Bailey, Alice Backes, Gertrude Flynn, Russell Thorson, Dabbs Greer, Stafford Repp, Gavin MacLeod, Wendell Holmes, etc. Duração: 120 minutos; Estreia em Portugal: 18 de Novembro de 1958.

ROBERT WISE 
(1914 – 2005)
Robert Earl Wise nasceu a 10 de Setembro de 1914, em Winchester, Indiana, EUA, e viria a falecer 14 de Setembro de 2005, em Los Angeles, Califórnia, EUA, de ataque de coração, com 91 anos. A ambição inicial de Wise era ser jornalista, mas as dificuldades provocadas pela depressão económica alterou-lhe os planos e acabaria por se empregar na RKO Pictures, como empregado sem qualificação especial. Mas cedo passou a montador de som (integrando, por exemplo, a equipe de "O Denunciante", de John Ford), passando depois a montador, onde se tornou particularmente notada a sua qualidade e segurança técnica, aliada a uma inventiva que se sublinha, sobretudo, na montagem final de “O Mundo a Seus Pés”, de Orson Welles. Ainda seria chamado a uma remontagem de “O Quarto Mandamento”, do mesmo Welles, que cortou relações com ele a partir daí, até se reconciliarem somente muitos anos depois.
O produtor Val Lewton chamou-o para a sua casa produtora e entregou-lhe a realização de alguns filmes de terror, que ele dirigiu com brilhantismo: 1944: The Curse of the Cat People (A Maldição da Pantera), 1945: The Body Snatcher (O Túmulo Vazio) ou 1945: A Game of Death (A Fera Humana). Iniciava assim uma carreira pejada de êxitos, com várias nomeações para Oscars e quatro estatuetas arrecadas. Ganhou Oscars como produtor do Melhor Filme do Ano e como Melhor Realizador em 1962, com “West Side Story” (na realização de colaboração com Jerome Robbins) e em 1966, com “The Sound of Music”. Mas, para lá desses dois grandes sucessos, Wise trabalhou em obras mais pessoais que o colocam entre os grandes de Hollywood: “Nascido para Matar” (47), “Céu Vermelho” (48), “Nobreza de Campeão” (49), “O Dia em que a Terra Parou” (51), “A Casa da Colina” (51), “Marcado Pelo Ódio” (56), “Honra a Um Homem Mau” (56), “Quero Viver!” (58), “Homens no Escuro” (59), “A Casa Maldita” (63), “A Ameaça de Andrómeda” (71), “Audrey Rose” (77) ou “Telhados de Nova Iorque” (89), para só citar alguns. Esteve em Portugal quase no fim da sua vida, para ser Presidente de Júri de um festival de cinema em Óbidos.
Foi um entusiasta defensor de causas ligadas à sua profissão: foi presidente da “Directors Guild of America”, era membro honorário da “Society of Operating Cameramen”, foi presidente da “Academy of Motion Picture Arts & Sciences” (1985-1988) e, entre muitos outros prémios, recebeu o “American Film Institute Life Achievement Award”, em 1998. Casado com Patricia Doyle (1942-1975) e Millicent Franklin (1977-2005).

Filmografia:
Foi montador desde 1934 até 1943, em obras como “The Gay Divorcee”, “Of Human Bondage”, “Top Hat”, “The Informer”, “The Story of Vernon and Irene Castle”, “Bachelor Mother”, “5th Ave Girl”, “The Hunchback of Notre Dame”, “My Favorite Wife”, “Dance, Girl, Dance”, “Citizen Kane” (nomeado para o Oscar de Melhor Montagem), “The Devil and Daniel Webster”, “The Magnificent Ambersons”, “Seven Days' Leave”, “Bombardier”, “The Fallen Sparrow” e “The Iron Major”.

Como realizador
1942: O Quarto Mandamento (sequências adicionais – não creditado)
1944: The Curse of the Cat People (A Maldição da Pantera)                               
1944: Mademoiselle Fifi (Mademoiselle Fifi)                                          
1945: The Body Snatcher (O Túmulo Vazio)                               
1945: A Game of Death (A Fera Humana)                                 
1946: Criminal Court (Entre Dois Fogos)                                    
1947: Born to Kill (Nascido para Matar)                                     
1948: Blood on the Moon (Céu Vermelho)                                             
1948: Mystery in Mexico (Mistério no México)                                         
1949: The Set-Up (Nobreza de Campeão)                                                         
1950: Three Secrets (Três Segredos)                             
1950: Two Flags West (Entre Dois Juramentos)              
1951: The Day the Earth Stood Still (O Dia em que a Terra Parou)                      
1951: The House on Telegraph Hill (A Casa da Colina)                                      
1952: Something for the Birds (A Falsa Verdade)                        
1952: The Captive City (O Fantasma da Cidade)                                    
1953: So Big (Vida da Minha Vida)                                             
1952: Destination Gobi (Prisioneiros da Mongólia)                                               
1952: The Desert Rats (Ratos do Deserto)                                              
1954: Executive Suite (Um Homem e Dez Destinos)                                                
1956: Somebody Up There Likes Me (Marcado Pelo Ódio)                                   
1956: Tribute to a Bad Man (Honra a Um Homem Mau)                                      
1956: Helen of Troy (Helena de Tróia)                                                 
1957: Until They Sail (Famintos de Amor)                                              
1957: This Could Be the Night (Esta Noite ou Nunca)                                          
1958: Run Silent, Run Deep (Os Tubarões do Pacífico)                                       
1958: I Want to Live! (Quero Viver!)
1959: Odds Against Tomorrow (Homens no Escuro)                                
1961: West Side Story (Amor Sem Barreiras)
1962: Two for the Seesaw (Baloiço Para Dois)                
1963: The Haunting (A Casa Maldita)                                        
1965: The Sound of Music (Música no Coração)
1966: The Sand Pebbles (Yang-Tsé em Chamas)
1968: Star! (A Estrela!)                                                
1971: The Andromeda Strain (A Ameaça de Andrómeda)                        
1973: Two People (Amor sem Promessa)                       
1975: The Hindenburg (Hindenburg)                 
1977: Audrey Rose (Audrey Rose)                                             
1979: Star Trek: The Motion Picture (O Caminho das Estrelas)                            
1989: Rooftops (Telhados de Nova Iorque)                                            
2000: A Storm in Summer (telefime)

SUSAN HAYWARD (1917 – 1975)
Edythe Marrenner, mais tarde conhecida por Susan Hayward, nasceu a 30 de Junho de 1917, em Brooklyn, Nova Iorque, EUA, e viria a falecer a 14 de Março de 1975, em Hollywood, Los Angeles, Califórnia, EUA, vítima de cancro no cérebro. Pensa-se que terá sido por ter estado exposta a material radioactivo, durante as filmagens de “O Conquistador” (1956), em Utah. Outros actores deste filme, John Wayne, Agnes Moorehead, John Hoyt, Pedro Armendáriz, e o realizador Dick Powell faleceram vítimas de cancro. O caso permanece um escândalo.
De origens modestas, filha de operário, teve uma infância normal, estudou numa escola pública em Brooklyn, e pensava seguir uma carreira de secretariado, quando começou a fazer fotografia de moda, sendo então notada numa capa de revista pelo realizador George Cukor que procurava uma cara nova para interpretar Scarlett O'Hara, em “E Tudo o Vento Levou” (1939), adaptação do romance de Margaret Mitchell, então em pré produção na MGM. Vivien Leigh seria a escolhida, mas Susan Hayward ficaria ligada à MGM e em 1937 estrear-se-ia em “Hollywood Hotel”. Sucederam-se os pequenos papéis até que, em 1939, é particularmente notada em “Beau Geste”. A beleza natural, a determinação e a força interior, a destreza para a dança e a boa voz para a canção, aliada a uma natural propensão para a aventura e o drama fizeram dela uma actriz que foi acumulando sucessos: “Ódio que Vive” (1941), “O Vento Selvagem” (1942), “Clarão no Horizonte” (1942), “A Vida de Jack London” (1943), “O Amanhã é Nosso” (1944), “Um de Nós é Criminoso” (1946), “História de Uma Mulher” (1947, primeira nomeação para o Oscar), “Meu Louco Coração” (1949, segunda nomeação para o Oscar), “Quando o Coração Canta” (1952, terceira nomeação para o Oscar), “A Dama Marcada” (1953), “Uma Mulher no Inferno” (1955, quarta nomeação para o Oscar) e, finalmente, “Quero Viver!” (1958, quinta nomeação para o Oscar de Melhor Actriz que venceu). Em três das suas nomeações interpretou personagens alcoolizadas. E a sua carreira continuou com regularidade até ser interrompida pela doença e a morte em 1975. Casada cm Jess Barker (1944 - 1954) e Floyd Eaton Chalkley (1957 - 1966). Sepultada na “Our Lady of Perpetual Help Catholic Church”, em Carrollton, Georgia, EUA.

Filmografia
Como actriz
1938: Hollywood Hotel (Hollywood Hotel), de Busby Berkeley (não creditada)
1938: The Amazing Dr. Clitterhouse (O Génio do Crime), de Anatole Litvak
1938: Campus Cinderella, de Noel M. Smith (curta-metragem)
1938: The Sisters (As Irmãs), de Anatole Litvak
1938: Girls on Probation, de William C. McGann
1938: Comet Over Broadway (Promessa Cumprida), de Busby Berkeley
1939: Beau Geste (Beau Geste), de William A. Wellman
1939: Our Leading Citizen, de Alfred Santell
1939: $1000 a Touchdown, de James Patrick Hogan
1941: Adam Had Four Sons (Os Quatro Filhos de Adão), de Gregory Ratoff
1941: Sis Hopkins (Serenata da Broadway), de Joseph Santley
1941: Among the Living (Ódio que Vive), de Stuart Heisler
1942: Reap the Wild Wind (O Vento Selvagem), de Cecil B. DeMille
1942: The Forest Rangers (Clarão no Horizonte), de George Marshall
1942: I Married a Witch (Casei com Uma Feiticeira), de René Clair
1942: Star Spangled Rhythm (Cocktail de Estrelas), de George Marshall
1942: Paramount Victory Short No. T2-1: A Letter from Bataan (curta-metragem)
1943: Young and Willing, de Edward H. Griffith
1943: Hit Parade of 1943 (Melodias Fantásticas), de Albert S. Rogell
1943: Jack London (A Vida de Jack London), de Alfred Santell
1944: The Fighting Seabees (O Batalhão Suicida), de Howard Lydeeker e Edward Ludwig
1944: Skirmish on the Home Front (curta-metragem)
1944: The Hairy Ape (Macaco Peludo), de Alfred Santell
1944: And Now Tomorrow (O Amanhã é Nosso), de Irving Pichel
1946: Deadline at Dawn (Um de Nós é Criminoso), de Harold Clurman
1946: Canyon Passage (Amor Selvagem), de Jacques Tourneur
1947: Smash-Up, the Story of a Woman (História de Uma Mulher), de Stuart Heisler
1947: They Won't Believe Me (Não Me Condenem), de Irving Pichel
1947: The Lost Moment (Recordações), de Martin Gabel
1948: Taps Roots (Raízes Fortes), de George Marshall
1948: The Saxon Charm (O Vencido), de Claude Binyon
1949: Tulsa (Tulsa - Ouro Negro), de Stuart Heisler
1949: House of the Stangers (Sangue do Meu Sangue), de Joseph L. Mankiewicz
1949: My Foolish Heart (Meu Louco Coração), de Mark Robson
1951: I'd Climb the Highest Mountain (A História de Uma Alma), de Henry King
1951: Rawhide (O Correio do Inferno), de Henry Hathaway
1951: I Can Get It for You Wholesale (Ambição de Mulher), de Michael Gordon
1951: David and Bathsheba (David e Betsabé), de Henry King
1952: With a Song in My Heart (Quando o Coração Canta), de Walter Lang
1952: The Snows of Kilimanjaro (As Neves do Kilimanjaro), de Henry King
1952: The Lusty Men (Idílio Selvagem), de Nicholas Ray
1953: The president's Lady (A Dama Marcada), de Henry Levin
1953: White witch doctor (A Feiticeira Branca), de Henry Hathaway
1954: Demitrius and the gladiateur (Demétrio, o Gladiador), de Delmer Daves
1954: Garden of devil (O Jardim do Diabo), de Henry Hathaway
1955: Untamed (Enquanto Dura a Tormenta), de Henry King
1955: Soldier of fortune (O Aventureiro de Hong Kong), de Edward Dmytryk
1955: I'll Cry Tomorrow (Uma Mulher no Inferno), de Daniel Mann
1956: The Conqueror (O Conquistador), de Dick Powell
1957: Top Secret Affair (Escândalo na Primeira Página), de Henry C. Potter
1958: I Want to Live ! (Quero Viver!), de Robert Wise
1959: Thunder in the Sun (Tormenta ao Sol), de Russell Rouse
1959: Woman Obsessed (Meu Coração Tem Dois Amores), de Henry Hathaway
1961: The Marriage-Go-Round (O Marido, a Mulher e o Problema), de Walter Lang
1961: Ada (Ada), de Daniel Mann
1961: Back street (A História de um Grande Amor), de David Miller
1962: I Thank a Fool (O Grito da Alma), de Robert Stevens
1963: Stolen Hours (Horas Roubadas), de Daniel Petrie
1964: Where love as gone (Para onde Foi o Amor), de Edward Dmytryk
1967: The Honey Pot (O Preço do Dinheiro), de Joseph L. Mankiewicz
1967: Valley of the Dolls (O Vale das Bonecas), de Mark Robson
1967: Think Twentieth (curta-metragem)
1972: Say Goodbye, Maggie Cole, de Jud Taylor (telefilme)
1972: The Revengers (Os Justiceiros), de Daniel Mann
1972: Heat of Anger, de Don Taylor (telefilme)
1981: Sixty Years of Seduction (documentário TV)
2001: Cleopatra: The Film That Changed Hollywood (documentário TV)

SESSÃO 43: 8 DE SETEMBRO DE 2014

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 A SEDE DO MAL (1958)


A abrir “Touch of Evil” (1958), Orson Welles oferece-nos desde logo uma sequência magnífica que ficará para sempre como referência mítica na história do cinema: durante alguns (longos) minutos (o que nunca antes fora tentado) assiste-se a um plano sequência que se inicia no México e, passada a fronteira que liga dois países, acabará nos EUA. Percebemos que alguém coloca uma bomba relógio num carro estacionado num parque de estacionamento da pequena localidade de Los Robles, vemos um milionário norte-americano sentar-se ao volante, tendo a seu lado a amante, vemos o carro arrancar em direcção à fronteira, cruzando-se com o investigador da luta anti-narcóticos, Miguel Vargas (Charlton Heston) e a sua jovem esposa (Janet Leight), que acabam de viver a sua lua-de-mel no México, e, já depois de ultrapassado o controle, ouve-se o detonar da bomba e vê-se o carro erguer-se no ar envolto em chamas e cair no alcatrão. O atentado concretiza-se em terra americana, por isso é chamado à investigação o experimentado capitão Hank Quinlan (Orson Welles), mas como o engenho fora colocado ainda em solo mexicano, Miguel Vargas interessa-se pelo acontecido e acompanha o inquérito.

Quinlan, que baseia grande parte do sucesso das suas investigações na intuição e nas indicações que a sua perna aleijada lhe vai apontando, chega rapidamente a um suspeito, Sanchez, um mexicano que se casara secretamente com a filha do milionário e que, por isso mesmo, oferece um bom motivo para perpetrar o assassinato. Como as provas não abundam, e só fala o instinto (e um certo racismo, mal disfarçado, para com os mexicanos), Quintan resolve colocar algumas cargas de dinamite em casa de Sanchez para o incriminar, procedimento que desgosta Vargas, surgindo entre ambos uma disputa que tem a ver com métodos de trabalho e morais contraditórias. Mas Quinlan associa-se à Mafia local, contacta com a família de Grandi, e tenta intimidar Vargas e pôr em causa os seus processos. São duas concepções de justiça que se opõem, sentindo-se o efeito da venalização por comportamentos nada ortodoxos.

Com uma fotografia notável e excelente iluminação de mestre Russell Metty, jogando abertamente com a influência expressionista, sobretudo na forma como descreve os ambientes nocturnos da pobre vila mexicana, na mão de “gangs” de mafiosos, “A Sede do Mal” atenta sobretudo na análise de mais uma das grandes personagens impostas pelo génio de Welles: Quinlan, que vive obcecado pelo assassinato da mulher, estrangulada trinta anos antes, e que deixou pesadas marcas no seu comportamento: “Esse foi o último culpado que me escapou”, afirma Quinlan, que promete luta sem cartel ao submundo do crime, nem que para tanto tenha de forjar provas e criar um estatuto de “justiceiro” por conta própria. O seu código de honra é muito especial, e ajusta-se perfeitamente à aparência física da personagem, criada e interpretada por Orson Welles.

 Polícia sem moral, corrupto, não olhando a meios para alcançar os fins em vista, Quinlan associa à repugnância da sua “monstruosa” aparência a falta de ética e de princípios do seu íntimo. Como representante da Lei, Quinlan é um bom exemplo do que esta não deve ser, apesar de (ou agravado por esse facto) ir criando seguidores e admiradores, como o seu amigo e ajudante (e já cúmplice!) Menzies. As razões psicológicas que poderemos encontrar para explicar a personagem, não nos permitem valorizar positivamente os seus processos, que contêm esse “touch of evil” que tanto fascina Welles ao longo de toda a sua carreira de cineasta.

Inicialmente, o filme parecia destinado a ser mais um “policial” ou “filme negro” de série B, mas a genialidade de estilo de Orson Welles fez desta obra um trabalho absolutamente invulgar e absorvente, quer pela forma como desenha as figuras contra o cenário miserável e decadente do “pueblo”, quer pela maneira brilhante como a narrativa se estabelece, com contínuos “tours de force” de uma realização inventiva e eficaz, que cria um clima malsão e o impõe de forma fulgurante e coerente. 

Orson Welles conta como “A Sede do Mal” lhe foi parar às mãos: “No que diz respeito ao tema, impuseram-mo. Não me apresentei no estúdio declarando: "Quero filmar esta história". Eles já a tinham. Quanto à realização, fui encarregado dela por acaso: haviam contactado Charlton Heston para representar o papel principal: "Quem é que está mais neste filme? " perguntou ele. Responderam-lhe: "Talvez pudéssemos ter Orson Welles". Ele julgou que queriam dizer que era como realizador, e comentou logo: "Oh! Representarei não importa em que filme realizado por Orson Welles." Daí, pensaram: "Ah, então mais vale pedir-lhe para fazer o filme!" Transformei o argumento que me tinham dado, reescrevendo certas cenas até ao momento de rodar a manivela e outras durante a rodagem, remodelando a história. Portanto, o meu papel de autor, neste filme, só se exerceu dentro de certos limites impostos pelos elementos do argumento de que dispunha à partida. Por outro lado, como acontece quando queremos fazer um filme que toque um largo público, senti-me forçado a dar à minha realização um estilo que tivesse um valor, um interesse, tanto para os cinéfilos atentos como para os miúdos que vão ao “drive-in”.
Mas a sua realização é definitivamente marcante: os ângulos de filmagem oblíquos, causando estranheza no espectador, a profundidade de campo da grande angular utilizada, criando uma perspectiva “em fuga” para um ponto do horizonte que por vezes conduz ao beco sem saída mais completo (“Não tens futuro. O futuro esgotou-se”, diz Tana a Quinlan), os movimentos de grua, com vistas áreas que planam sobre as figuras, captando-as como insectos ou monstros descomunais, a representação escolhida para impor algumas personagens, tudo serve um estilo determinado, barroco na expressão, simbólico nalguns momentos (“ Era um chui nojento. Era um homem”), de uma clareza desarmante noutras alturas. “Estou farto de andar atrás da verdade. Lidar com patifes, pode fazer ficar-se como eles”, diz Menzies na sequência final, antes de Quinlan tentar lavar na água as mãos sujas de sangue. Mas é tarde demais. “The Touch of Evil” está presente.
O filme não estreou como Orson Welles o havia idealizado. Ele próprio o explicou, numa entrevista aos “Cahiers du Cinema”: Deram-me carta branca durante toda a rodagem; foi na verdade uma magnífica experiência. Depois, assim que a rodagem chegou ao fim, o estúdio fechou e toda a gente foi posta na rua; não sei quantas pessoas exactamente, mas pelo menos quinhentos a seiscentos empregados foram dispensados. Era a grande reorganização, período durante o qual ninguém sabia ao certo o que se passava. O produtor - não fui eu que produzi este filme - o meu produtor, Zugsmith, foi trabalhar para a MGM. É uma história aborrecida, não passa de intrigas. Enfim, de repente não havia mais produtor, e não me autorizaram a acabar a minha montagem, foram incorporadas duas ou três cenas que eu nem tinha escrito nem dirigido, nunca me convidaram a ver o meu filme terminado”.

A SEDE DO MAL
Título original: Touch of Evil
Realização:Orson Welles (EUA, 1957); Argumento e diálogos: Orson Welles, segundo Badge of Evil, romance de Whit Masterson. Fotografia: Russell Metty.  Música: Henry Mancini. Cenários: Russell A. Gausman e John Austin. Guarda-Roupa: Bill Thomas.  Montagem: Virgil W. Vogel e Aaron Stell. Assistentes de encenação: Phil Bowles e Terry Nerson.  Som: Leslie I. Carey e Frank Wilkinson. Direcção artística: Alexander Golitzen e Robert Clatworthy; Produção: Albert Zugsmith, para Universal-International; Intérpretes: Charlton Heston (Mike Vargas), Janet Leigh (Susan Vargas), Orson Welles (Hank Quinlan), Joseph Calleia (Pete Menzies), Akim Tamiroff («Uncle» Joe Grandi), Joanna Morre (Marcia Linnekar), Ray Collins (Adair), Dennis Weaver (guarda nocturno), Valentin de Vargas (Pancho), Mort Mills (Schwartz), Victor Milian (Manolo Sanchez), Lalo Rios (Risto), Michael Sargent ("Pretty Boy"), Marlène Dietrich (Tanya), Zsa Zsa Gabor, Keenan Wynn, Mercedes McCambridge, Joseph Cotten, etc. Rodado nos estúdios da Universal, em Hollywood, e em exteriores em Venice (Califórnia); Duração: 108 minutos; Estreia: Fevereiro de 1958 (EUA); Distribuição internacional: Universal International; Distribuição em Portugal (cópia nova): Atalanta Filmes; Universal (DVD); Classificação: M/ 12 anos.


 
ORSON WELLES

Completa filmografia aparecida na folha de “O Mundo a seus Pés”

ORSON WELLES
2. Como actor

1934: The Hearts of Age, de Orson Welles e William Vance
1941: Citizen Kane (O Mundo a Seus Pés), de Orson Welles (como Charles Foster Kane)
1942: Journey Into Fear (A Jornada do Medo), de Norman Foster (e Orson Welles) (como Coronel Haki)
1942: The Magnificent Ambersons (O Quarto Mandamento), de Orson Welles
1944: Follow the Boys (Parada da Alegria), de Edward Sutherland (como O.W.)
1944: Jane Eyre (A Paixão de Jane Eyre), de Robert Stevenson (como Edward Rochester) 
1946: Duel in the Sun (Duelo ao Sol), de King Vidor (Narrador)
1946: The Stranger (O Criminoso), de Orson Welles (como Franz Kindler, aliás Charles Rankin)
1946: Tomorrow is Forever (Amanhã Viveremos), de Irwin Pichel (como John Macdonald)
1948: The Lady from Shanghai (A Dama de Xangai), de Orson Welles (como Michael O’Hara)
1948: Macbeth (Macbeth), de Orson Welles (como Macbeth)
1949: Black Magic / Cagliostro (Cagliostro), de Gregory Ratoff (co­mo Cagliostro)
1949: Prince of Foxes (O Favorito dos Bórgias), de Henry King (como César Borgia)
1949: The Third Man (O Terceiro Homem), de Carol Reed (como Harry Lime)
1950: The Black Rose (A Rosa Negra), de Henry Hathaway (como General Bayan)
1951: Return to Gleunascaul, de Hilton Edwards (curta metragem)
1952: Othello (Othello), de Orson Welles (como Othello)
1952: Rent's Last Case (O Último Caso de Trent), Herbert Wilcox; (como Sigsbee Manderson)
1953: Royal Affairs in Versailles / Si Versailles M'etait Conté / Affairs In Versailles (Se Versalhes Falasse...), de Sacha Guitry (como Benjamin Franklin).
1954: Three Cases of Murder (Três Crimes), episódio de George More O' Ferrall (como Lord Mountdrago)
1954: Napoleon (Napoleão), de Abel Gance (como Hudson Lowe).
1955: Don Quixote / Don Kikhot, de Orson Welles (narrador)
1955: Mr. Arkadin / Confidential Report (Relatório Confidencial), de Orson Welles (como Gregory Arkadin)
1955: Touble in the Sahdow, de Herbert Wilcox (como Sanin Cejador y Mengues)
1956: Moby Dick (Moby Dick), de John Huston (como Padre Mapple)
1957: Man in the Shadow (O Salário do Diabo), de Jack Arnold (como Virgil Renkler).
1957: Touch of Evil (A Sede do Mal), de Orson Welles (como Hank Quinlan).
1958: The Long Hot Summer (Paixões que Escaldam), de Martin Ritt (como Varner)
1958: The Roots of Heaven (As Raizes do Céu), de John Huston (como Cy Sedgwick)
1958: South Seas Adventure (Aventuras nos Mares do Sul), de C. Dubley, F. D. Lyon, W. Thompson, B. Wrangel, R. Goldstone (Narrador)
1958: The Vikings (Os Vikings), de Richard Fleischer (Narrador)
1959: Compulsion (O Génio do Mal), de Richard Fleischer (como Jonathan Wilk);   
1959: High Journey, de Peter Bayliss (Narrador)
1960: The Battle of Austerlitz (Austerlitz), de Abel Gance (como Fulton)
1960: Crack in the Mirror (Drama Num Espelho), de Richard Fleicher (como Hagolin e Lamorciêre)
1961: David and Goliath (David e Golias), de Richard Pottier e Ferdinandi Baldi (como Saul)
1961: Ferry to Hong Kong (Passagem Para Hong-Kong), de Lewis Gilbert (como Capitan Hart).
1961: King of Kings (O Rei dos Reis), de Nicholas Ray           
1962: La Fayette (La Fayette), de Jean Dreville (como Benjamin Franlin)
1962: Rogopag (Rogopag), R. Rossellini, J.-L. Godard, P.P. Pasolini e U. Gregoreti (como ralizador, no episódio de P. P. Pasolini)
1962: The Tartars / I Tartari (Os Tártaros), de Richard Thorpe (como Burun­dai);
1962: The Trail (O Processo), de Orson Welles (como Hastler)
1963: THE V.I.P.S (Hotel Internacional), de Anthony Asquith (como Max Buda)
1964: The Finest Hours, de Peter Bayliss (Narrador)
1965: A King's Story, de Harry Booth (Narrador)
1965: Marco, the Magnificent / La Fabuleuse Aventure de Marco Polo (A Grande Aventura de Marco Polo), de Denys de la Pattellière e Noel Howard (como Acerman)
1966: Chimes At Midnight / Falstaff (As Badaladas da Meia Noite), de Orson Welles (como Falstaff)
1966: Is Paris Burning? / Paris Brule-T-Il? (Paris Já Está a Arder?), de René Clément (como Consulo Raoul Nordling)
1966: A Man For All Seasons (Um Homem para a Eternidade), de Fred Zinneman (como Cardeal Wolsey)
1966: Portrait D' Orson Welles, de François Reichenbach (como O.W.)
1967: Casino Royale (Casino Royal), de K. Hughes, V. Guest, J. Huston, R. Parrish e J. McGrath (como Le Chiffre)
1967: I'll Never Forget What's 'Is Name (O Falhado), de Michael Winner (como Jonathan Lute)
1967: The Sailor From Gibraltar, de Tony Richardson; (como Como Luis de Moçambique)
1968: The Immortal Story / Histoire Immortelle (História Imortal), de Orson Welles (como Mr. Clay)
1968: The Last Roman, de John Guillermin (como Imperador Justiniano)
1968: Oedipus the King, de Philip Saville (como Tiresias)
1969: House of Cards (A Sombra de Um Homem), de John Guillermin (como Chrales Leschenhaut)
1969: The Southern Star (A Estrela do Sul), de S. Hayers (como Planett)
1969: Mihai Viteazu, de Sergiu Nikolaescu
1969: Tepepa (Tepepa), de Giulio Petroni e Luciano Lucignani (como Plankett)
1970: Catch-22 (Artigo 22), de Mike Nichols (como General Dreedle)
1970: The Kremlin Letter (A Carta do Kremlin), de John Huston (como Alesei Bresnavitch)
1970: Start the Revolution Without Me (Comecem a Combater sem Mim), de Bud Yorkin (como O.W.)
1970: The Thirteen Chairs, de Nicholas Gessner (como Markau)
1970: Upon This Rock, de Harry Rasky (como Michelangelo)
1971: The Battle of Neretva / Bitka na Neretvi (A Batalha de Neretvi), de Velko Bulajic (como Senador)
1971: A Safe Place, de Henry Jaglom (como Mago)
1971: Waterloo (Waterloo), de Serghei Bondarchuk (como Luis XVIII)
1971: Malpertuis (Malpertuis), de Harry Kumel (como Cassave)
1971: To Kill a Stranger, de Peter Collinson
1972: Get To Know your Rabbit, de Brian De Palma (como Dalessandro)
1972: Necromancy / The Witching / Rosemary's Disciples, de Bert Gordon;
1972: La Décade Prodigieuse (A Década Prodigiosa), de Claude Chabrol (como Theo Van Horn)
1972: The Crucifiction, de Robert Guenette (Narrador)
1972: Treasure Island (A Ilha do Tesouro), de John Hough e Andrea Bianchi (como John Silver)
1972: Sutjeka, de Stipe Delic (como Winston Churchill)
1972: Future Shock, de Alex Grasshoff (como O.W.)
1972: F For Fake, de Orson Welles (como O. W.)
1975: Bugs Bunny Superstar, de Larry Jackson (narrador)   
1975: Ten Little Indians / And Then There Were None, de Peter Collinson
1975: The Challenge of Greatness, de Herbert Line (narrador)
1976: Voyage of The Damned (A Viagem dos Malditos), de Stuart Rosenberg (como Raul Estevez)
1977: It Happened on Christmas, de Donald Wrye
1978: Filming Othello, de Orson Welles (como O.W.)
1978: Hot Tommorrows, de Martin Brest (narrador)
1979: Never Trust an Honest Thief, de Gerge McCowan
1979: Nikole Tesle, de Krsto Papic (como Yug)
1979: The Double Mcguffin, de Joe Camp
1979: The Late Great Planet Earth, de Robert Amram (narrador)
1979: The Shah of Iran, de Walter Ellaby (narrador)
1979: The Muppet Movie, de James Frawley (como J.P.Morgan)
1980: Shogun (Shogun, o Senhor da Guerra), de Jerry London        
1981: Butterfly, de Matt Cimber (como Juiz)
1981: History of The World: Part 1, de Mel Brooks (narrador)
1981: The Man Who Saw Tommorrow, de Robert Guenette (narrador)
1982: Orson Welles à la Cinémathèque, de Pierre André Boutang (como O.W.)
1984: Where Is Parsifal?, de Henri Helman

CHARLTON HESTON 
(1923 – 2008)
John Charles Cárter, ou Charlton Heston, como ficou conhecido, nasceu a 4 de Outubro de 1923, em Evanston, EUA, e faleceu a 5 de Abril de 2008, com 84 anos, em Beverly Hills, EUA. Desde 2002 que a sua saúde se deteriorara, com sintomas similares aos de Alzheimer. Encontra-se sepultado no Saint Matthew's Episcopal Church Columbarium, Pacific Palisades, Los Angeles, Califórnia.
Aos dez anos, os pais separaram-se e a mãe voltou a casar, desta feita com Chester Heston, tendo a família mudado para um subúrbio de Chicago, e ele adoptado o nome do padrasto. Nos estudos, Charlton mostrou-se particularmente dotado para as artes dramáticas, tendo ganho uma bolsa de estudo que lhe permitiu ingressar na universidade. Em 1944, abandonou os estudos e alistou-se na força aérea do exército, onde serviu como operador de rádio de bombardeiros B-25, nas Ilhas Aleutas, durante a II Guerra Mundial. Era sargento e por essa altura casou com Lydia Clarke, uma antiga colega da faculdade, com quem viveu até à morte. Regressado a Nova Iorque, Charlton Heston iniciou uma carreira de actor de teatro, em obras como “Macbeth” e “Marco António e Cleópatra”. Rapidamente se envolveu com o cinema, sendo o seu trabalhado reconhecido sobretudo a partir de “Dark City”, em 1950. Teve uma carreira brilhante, com quase duas centenas de obras, entre cinema e televisão, com uma interpretação enérgica e musculada, mas sensível e eficaz. Apareceu em dezenas de grandes sucessos, mas foi particularmente notado em obras históricas e aventuras, como “Os Dez Mandamentos”, “Ben-Hur”, com o qual ganhou o seu Oscar de Melhor Actor, “El Cid” ou “55 Dias de Pequim”, mas dispersando o seu talento e energia em muitos outros trabalhos inesquecíveis: “A Sede do Mal”, “Da Terra Nascem os Homens”, “O Corsário Lafitte”, “Major Dundee”, “A Maior História de Todos os Tempos”, “A Agonia e o Êxtase”, “O Senhor da Guerra”, “Will Penny”, “O Homem Que Veio do Futuro”, “O Último Homem na Terra”, “António e Cleópatra”, “Os Três Mosqueteiros”, “À Beira do Fim” ou “Terramoto”, para só citar alguns. Ganhou o Cecil B. DeMille Award, o Screen Actors Guild Life Achievement Award, o prémio especial da Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films, e tem a sua Estrela da Fama em 1620 Vine Street.

Filmografia:
Como actor
1941: Peer Gynt, de David Bradley (filme estudantil)
1949-1951: Suspense (série de TV)
1949-1952: Studio One (série de TV)
1950: Julius Caesar, de David Bradley
1950: Dark City (A Cidade Tenebrosa), de William Dieterle
1950: The Clock (série de TV)
1950-1953: The Philco Television Playhouse (série de TV)
1951: Lux Video Theatre (série de TV)
1951-1957: Schlitz Playhouse of Stars (TV series)
1952: The Greatest Show on Earth (O Maior Espectáculo do Mundo), de Cecil B. DeMille
1952: Ruby Gentry (A Fúria do Desejo), de King Vidor
1952: Curtain Call (série de TV)
1952: The Savage (O Selvagem), de George Marshall
1952: The President's Lady (A Dama Marcada), de Henry Levin
1952-1955: Robert Montgomery Presents (série de TV)
1953: The Naked Jungle (Marabunta), de Byron Haskin
1953: Arrowhead (O Apache Branco), de Charles Marquis Warren
1953: Pony Express (Buffalo Bill, o Indomável), de Jerry Hopper    
1953: Bad for Each Other (Com a Vossa Vida nas Mãos), de Irving Rapper
1953: Three Lives (curta-metragem)
1953: Medallion Theatre (série de TV)
1954: Secret of the Incas (O Segredo dos Incas), de Jerry Hopper
1954: Danger (série de TV)
1954: Your Show of Shows (série de TV)
1955: Lucy Gallant (Orgulho Contra Orgulho), de Robert Parrish
1955: The Private War of Major Bensonb (A Guerra Íntima do Major Benson), de Jerry Hopper
1955: The Far Horizons (Horizontes Desconhecidos), de Rudolph Maté
1955: General Electric Theater (série de TV)
1955: Omnibus (série de TV)
1955-1957: Climax! (série de TV)
1956: Three Violent People (Esquece o Meu Passado), de Rudolph Maté
1956: The Ten Commandments (Os Dez Mandamentos), de Cecil B. DeMille
1956: The Jackie Gleason Show (série de TV)
1956-1958: Playhouse 90 (série de TV)
1958: Touch of Evil (A Sede do Mal), de Orson Welles
1958: Shirley Temple's Storybook (série de TV)
1958: The Big Country (Da Terra Nascem os Homens), de William Wyler
1958: The Buccaneer (O Corsário Lafitte), de Anthony Quinn
1958: Screen Snapshots: Salute to Hollywood, de Ralph Staub         
1959: The Wreck of the Mary Deare (O Mistério do Navio Abandonado), de Michael Anderson
1959: Ben-Hur (Ben-Hur), de William Wyler
1961: El Cid (El Cid), de Anthony Mann
1961: Alcoa Premiere (série de TV)
1962: Diamond Head (A Fronteira do Pecado), de Guy Green
1962: The Pigeon That Took Rome (O Pombo que Conquistou Roma), de Melville Shavelson
1963: 55 Days at Peking (55 Dias em Pequim) de Andrew Marton
1963: The Patriots (telefilme)
1964: Major Dundee (Major Dundee), de Sam Peckinpah
1964: The Greatest Story Ever Told (A Maior História de Todos os Tempos), de George Stevens
1965: The Agony and the Ecstasy (A Agonia e o Êxtase), de Carol Reed
1965: The War Lord (O Senhor da Guerra), de Franklin J. Schaffner
1965: The Five Cities of June, de Bruce Herschensohn
1966: What Is a Boy (telefilme)
1966: Khartoum (Khartoum), de Basil Dearden
1967: All About People, de Saul Rubin (curta-metragem) (narrador)           
1967: While I Run This Race, de Edmund Levy (narrador)    
1967: Counterpoint (Sinfonia para um Inimigo), de Ralph Nelson
1968: Will Penny (Will Penny), de Tom Gries
1968: Planet of the Apes (O Homem Que Veio do Futuro), de Franklin J. Schaffner
1968: Elizabeth the Queen (telefilme)
1969: The Hawaiians (O Senhor das Ilhas), de Tom Gries
1969: Number One, de Tom Gries
1970: Julius Caesar (O Asssasínio de Julio César), de Stuart Burge
1970: Beneath the Planet of the Apes (O Segredo do Planeta dos Macacos), de Ted Post
1970: The Don Adams Special: Hooray for Hollywood (telefilme)
1971: The Omega Man (O Último Homem na Terra), de Boris Sagal
1972: Antony and Cleopatra (António e Cleopatra), de Charlton Heston
1972: The Call of the Wild, de Ken Annakin
1972: The Special London Bridge Special, de David Winters (telefilme)
1972: Skyjacked (Os Piratas do Ar), de John Guillermin
1973: The Three Musketeers (Os Três Mosqueteiros) de Richard Lester
1973: Soylent Green (À Beira do Fim), de Richard Fleischer
1974: The Four Musketeers (Os Quatro Mosqueteiros), de Richard Lester
1974: Airport 1975 (Aeroporto 75) de Jack Smight
1975: Earthquake (Terramoto), de Mark Robson
1975: The Fun of Your Life, de John J. Hennessy (curta-metragem) (narrador)
1976: Two-Minute Warning, de Larry Peerce
1976: The Last Hard Men (A Lei do Ódio), de Andrew V. McLaglen
1976: Midway (A Batalha de Midway), de Jack Smight
1977: Crossed Swords, de Richard Fleischer
1977: Gray Lady Down, de David Greene
1979: The Awakening (A Maldição do Vale dos Faraós), de Mike Newell
1980: The Mountain Men (Os Homens da Montanha), de Richard Lang
1982: Mother Lode (O Grande Filão), de Charlton Heston    
1983: Chiefs (mini série de TV)
1984: Nairobi (telefilme)
1985: Dynasty (série de TV) - The Colby (spin-off de Dynastie)
1985-1987: The Colbys (série de TV)
1987: Eclipse of Reason, de Bernard Nathanson
1987: Christmas Night with the Two Ronnies (telefilme)
1987: The Two Ronnies (série de TV) – Christmas Special
1987: The Dame Edna Experience (série de TV)
1987: Proud Men (telefilme)
1988: A Man for all Seasons (Conflito Mortal), de Charton Heston (telefilme)
1989: Call From Space, de Richard Fleischer (curta-metragem) (narrador)
1989: Original Sin (telefilme)
1990: Almost an Angel, de John Cornell
1990: Treasure Island (A Ilha do Tesouro) de Fraser Heston (telefilme)
1990: The Little Kidnappers (telefilme)
1990: Solar Crisis (Ameaça Solar), de Richard C. Sarafian
1991: The Crucifer of Blood (telefilme)
1991: Cults: Saying No Under Pressure (video)
1992: Genghis Khan, de Ken Annakin (não terminado)
1992: Noel (telefilme)
1992: Crash Landing: The Rescue of Flight 232 (telefilme)
1993: Tombstone (Tombstone), de George Pan Cosmatos
1993: Wayne's World II de Stephen Surjik
1993: SeaQuest (série de TV)
1993: The Bold and the Beautiful (TV series) 7 episódios
1994: The Great Battles of the Civil War (TV mini-series documentary)
1994: Texas (telefilme)
1994: Brigada Submarina (TV series)
1994: A Century of Cinema, de Caroline Thomas
1994: True Lies (A Verdade da Mentira), de James Cameron
1995: The Avenging Angel (telefilme)
1995: America: A Call to Greatness, de Warren Chaney (narrador) 
1995: In the Mouth of Madness (A Bíblia de Satanás), de John Carpenter
1995-2002: The Outer Limits (Limites do Terror) (série de TV)
1996: The Dark Mist, de Ryan Carroll (narrador)
1996: Hamlet (Hamlet), de Kenneth Branagh
1996: Alaska (Alaska), de Fraser Clarke Heston
1996: The Dark Mist, de Roland Carroll (telefilme)
1997: Friends (série de TV)
1997: Hercules (Hércules), de John Musker e Ron Clements (narrador)
1998: Armageddon (Armagedão), de Michael Bay (narrador)
1998-2002: Sworn to Secrecy: Secrets of War (série de TV) 33 episódios
1998: Adventures from the Book of Virtues (série de TV)
1999: Gideon, de Claudia Hoover
1999: Bagpipe: Instrument of War - Part 2 (telefilme) (narrador)
1999: Camino de Santiago (mini-série de TV)
2000: Any Given Sunday (Um Domingo Qualquer), de Oliver Stone
2000: Au-delà du réel, l'aventure continue - Saison 6 épisode 21 et 22
2001: Planet of the Apes (O Planeta dos Macacos), de Tim Burton
2001: Town & Country (Mistérios do Sexo Oposto), Peter Chelsom
2001: Cats & Dogs (Como Cães e Gatos), de Lawrence Guterman     
2001: The Order (The Order: Cruzada Final), de Sheldon Lettich
2002: Bowling for Columbine (Bowling for Columbine), de Michael Moore
2003: My Father, Rua Alguem 5555,de Egidio Eronico
2010: Genghis Khan: The Story of a Lifetime, de Ken Annakin e Antonio Margheriti

Como realizador
1972: Antony and Cleopatra
1982: Mother Lode (O Grande Filão)
1988: A Man for all Seasons (Conflito Mortal) (TV)

SESSÃO 44: 15 DE SETEMBRO DE 2014

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IMITAÇÃO DA VIDA (1959)

O melodrama, muito ao contrário do que muitos possam pensar, é um género literário, teatral, operático ou cinematográfico com uma poderosa herança e um historial artístico de altíssima qualidade. Deixando as outras artes descansadas por agora, e atendendo-nos apenas ao campo do cinema, o melodrama inicia-se logo desde os alvores do cinematógrafo (há lá melodrama mais belo que “O Lírio Quebrado”, de David W. Griffith, ainda nos tempos do mudo, para só citar um título deste autor?) até ao presente. Muitos são os autores, nos quatro cantos do mundo, que cultivaram este género, com resultados brilhantes, desde os norte-americanos, onde é difícil destacar somente alguns nomes, mas onde é possível afirmar que Douglas Sirk está entre os maiores, até ao Japão de Mizoguchi, à Coreia do Sul, de Wong Kar-Wai, passando por toda a Europa, dos mestres do neo-realismo até ao “Cinema Paraíso”, do “Breve Encontro”, de David Lean ao alemão Fassbinder, do dinamarquês Lars von Trier ao espanhol Almodóvar, viajando pela América Latina, desde os produtos mais populares da Argentina e do México, até aos mais sofisticados, o melodrama está um pouco por todo o lado e ao longo de toda a história do cinema.
Hans Detlef Sierck, nascido em Hamburgo, na Alemanha, de pais dinamarqueses, é um cineasta de uma cultura profunda, que passou pelo estudo do Direito, da História de Arte, da Filosofia, do Teatro, tendo privado com alguns dos nomes maiores da cena alemã, entre os quais Brecht. Mas seria na América, depois de exilado, já sob o nome de Douglas Sirk, que iria adquirir a reputação de que hoje goza, como o mestre do melodrama, quando, a partir de 1952 até 1959, assina um conjunto de obras melodramáticas, para a Universal Pictures, que muitos cnsideram obras-primas do género: “Magnificent Obsession”, “All That Heaven Allows”, “There's Always Tomorrow”, “Written on the Wind”, “Battle Hymn”, “Interlude”, “The Tarnished Angels”, “A Time to Love and a Time to Die” e “Imitation of Life”,  sua despedida em beleza de Hollywood.  

“Imitação da Vida” tem todos os condimentos essenciais à visão de Sirk: uma obra de sentimentos extremados, que por vezes roça a ironia fina, onde se opõem gerações (mães e filhas, neste caso), raças (brancos e negros), classes sociais (abastados e necessitados), cores (garridas e matizadas), estações do ano (o Verão no início, o Inverno a fechar), interiores e exteriores, a vida e a sua representação (a protagonista é uma actriz), personalidades contrastantes (entre egoístas e abnegadas), desejos reprimidos ou em fúria, enfim, um caudal de emoções em choque. Acompanhado  por uma realização ora de uma sobriedade clássica, ora de um barroquismo de movimentos que desarma. 
Tuo se inicia nas cores garridas de um dia de praia em Coney Island, onde Lora Meredith, uma aspirante a actriz, viúva, perde a filha de seis anos e a vai encontrar a brincar com Sarah Jane, de oito anos, filha de Annie Johnson, uma negra desempregada que Lora acaba por levar para casa, tornando-se lentamente na sua abnegada empregada doméstica. De início, as dificuldades são muitas, Lora encontra conforto num fotógrafo, Steve Archer, que lhe propõe casamento, proposta que será afastada, pois Lora não quer abdicar do seu sonho de ser actriz. Entretanto, há uma outra linha de intriga a entrelaçar nesta: Sarah Jones, que é uma miúda de pele muito clara, recusa-se a ser chamada de negra e afasta-se da mãe. Busca trabalho onde o acha, em noites de cabaret e como corista de espectáculos diversos. Aqui se percebem dois pratos de balança que funcionam desajustados: Lora torna-se vedeta, afasta-se de Steve, não tem tempo para a filha, Susie, que procura atenção por outras vias (obviamente junto de Steve). Por seu lado, Annie Johnson tudo faz para acompanhar a filha, aceita que Sarah viva a sua vida longe da sua cor negra, mas nunca longe do seu coração cada vez mais frágil. 

Como vemos, há um pouco de tudo, orquestrado com mão de mestre, numa envolvência cromática magnífica, com uma banda sonora de cortar a respiração. Toda a descrição do ambiente social é notavelmente bem dada, sem demagogias nem maniqueísmo, os dramas resultam óbvios, nada rebuscados, sem que todavia deixe de existir essa progressão para o excesso, para ao limite, para um barroquismo emocional que a fabulosa sequência final se encarrega de sublimar. Estamos realmente na presença de um melodrama de altíssima voltagem sentimental, mas de uma qualidade plástica e de uma profundidade humana indesmentíveis. O melodrama aqui não se furta à vida, não a embeleza, nem a diaboliza: enfrenta-a na sua complexidade. A questão rácica que aqui é levantada é desenvolvida com grande rigor, não esquecendo que estamos nos anos 50, nos EUA. Há uma sequência brilhante, passada com Sarah e um namorado num beco soturno que é um retrato ácido da época.
Se a realização de Sirk é notável, a sua direcção de actores não o é menos: Lana Turner prolonga de alguma forma o seu trabalho em “Cativos do Mal”, recuperando de um período de apagamento, John Gavin é o discreto e prestável Steve Archer, Sandra Dee iniciaria uma carreira de adolescente rebelde que marcaria a década, e Susan Kohner, na Sarah Jane, é absolutamente notável.


IMITAÇÃO DA VIDA
Título original: Imitation of Life
Realização: Douglas Sirk (EUA, 1959); Argumento: Eleanore Griffin, Allan Scott, segundo romance de Fannie Hurst; Produção: Ross Hunter; Música: Frank Skinner, Henry Mancini; Fotografia (cor): Russell Metty; Montagem: Milton Carruth; Direcção artística: Alexander Golitzen, Richard H. Riedel; Decoração: Russell A. Gausman, Julia Heron; Guarda-roupa: Bill Thomas; Maquilhagem: Larry Germain, Bud Westmore; Direcção de produção: Norman Deming; Assistentes de realização: Frank Shaw, Wilson Shyer; Departamento de arte: Robert Laszlo; Som: Leslie I. Carey, Joe Lapis; Efeitos visuais: Monty Phillips; Companhias de produção: Universal International Pictures; Intérpretes: Lana Turner (Lora Meredith), John Gavin (Steve Archer), Sandra Dee (Susie – 16), Susan Kohner (Sarah Jane – 18), Robert Alda (Allen Loomis), Dan O'Herlihy (David Edwards), Juanita Moore (Annie Johnson), Troy Donahue (Frankie), Karin Dicker, Terry Burnham, John Vivyan, Lee Goodman, Ann Robinson, Sandra Gould, David Tomack, Joel Fluellen, Jack Weston, Billy House, Maida Severn, Than Wyenn, Peg Shirley, Mahalia Jackson, etc. Distribuição em Portugal: Costa do Castelo (DVD); Classificação etária: M/12 anos; Duração: 125 minutos.

DOUGLAS SIRK (1897-1987)
Hans Detlef Sierck nasceu a 26 Abril 1897, Hamburgo, Alemanha, e faleceu a 14 de Janeiro de 1987, Lugano, Ticino, Suíça. Natural da Alemanha, mas filho de um jornalista dinamarquês, foi educado na Dinamarca durante os primeiros anos de vida, acabando por regressar à Alemanha ainda adolescente, onde se instalou a família. Estuda Direito, História de Arte, Filosofia, e adquire uma vasta cultura que mais tarde fará dele um aristocrata em Hollywood. Emprega-se num teatro de Hamburgo, onde se inicia como encenador. Trabalha sucessivamente em Chemnitz, Brême e Leipzig, onde permanece uns anos depois de 1929. Casado com uma judia, começa a ter problemas com as autoridades nazis, sobretudo depois de ter aceite um lugar na UFA (Universum Film AG), em 1934. Exila-se da Alemanha em 1937, deixando para trás um filho que se havia inscrito na juventude hitleriana e que se tornara actor em filmes de propaganda. Passa por Itália, França e finalmente chega aos EUA.
Tenta trabalhar na Warner, onde não é feliz, torna-se agricultor durante algum tempo (que ele considerou dos mais felizes da sua vida) e adapta o nome americano de Douglas Sirk. Lança-se num projecto de pequeno orçamente (“Hitler's Madman), que chama a atenção para si. Constrói uma carreira interessante, com alguns filmes particularmente curiosos, mas é sobretudo na década de 50 que o seu talento explode. Antes, volta à Alemanha, em finais da década de 40, para tentar localizar o filho, e descobre que o mesmo morrera na frente Leste. Regressa à Califórnia e, a partir de 1952 até 1959, assina um conjunto de obras melodramáticas, para o produtor Ross Hunter, da Universal Pictures, que na altura não são muito consideradas, mas que na década de 60 serão devidamente valorizadas: “Magnificent Obsession” (Sublime Expiação), “All That Heaven Allows” (O Que o Céu Permite), “There's Always Tomorrow” (A Vida Não Pára), “Written on the Wind” (Escrito no Vento), “Battle Hymn” (Abnegação), “Interlude” (Os Amantes de Salzburgo), “The Tarnished Angels” (O Meu Maior Pecado), “A Time to Love and a Time to Die” (Tempo para Amar e Tempo para Morrer) e “Imitation of Life” (Imitação da Vida). Deixa os EUA, passa pela Alemanha onde assina duas ou três curtas-metragens e instala-se na Suíça, onde morreu, em Lugano.
Autor de um estilo refinado e delicado, onde aqui e ali desponta uma ironia fina, os seus melodramas são lições de um classicismo que vai buscar inspiração ao teatro, à pintura e possivelmente à ópera. O amor e os constrangimentos sociais, os conflitos extremados do indivíduo perante a sociedade, do negro perante o branco, da mulher frente ao homem, da vida rural em oposição à grande cidade, dos deserdados perante os poderosos são os temas constante das suas obras. Utilizando um colorido, ora quente, ora suavizado, que acompanha o enquadramento dramático das personagens, Sirk atinge o sublime em muitos dos seus filmes. Muitos realizadores o consideram um mestre e o homenagearam por palavras e obras: Jean Luc Godard, Rainer Werner Fassbinder, Quentin Tarantino, Todd Haynes, Pedro Almodóvar, Wong Kar-wai, John Waters ou Lars von Trier são testemunho dessa admiração. Casado com Hilde Jary e Lydia Brinken, em datas indeterminadas.

Filmografia
Como realizador

(assinados por Detlef Sierck)
1934: Zwei Genies (curta-metragem)
1935: Das Mädchen vom Moorhof
1935: Der Eingebildete Kranke (curta-metragem)
1935: Dreimal Ehe (curta-metragem)
1935: April, April!
1935: Stützen der Gesellschaft (Pilares da Sociedade)
1936: La Chanson du Souvenir, de Serge de Poligny e Douglas Sirk
1936: 't was een april
1936: Schlußakkord (Acorde Final)
1936: Das Hofkonzert (Concerto na Corte)
1937: Zu neuen Ufern (Em Direcção a Novos Rumos)
1937: La Habanera (O Veneno dos Trópicos)
1938: Accord Final (Alvorada de Amor) (não creditado)
1939: Boefje

Como Douglas Sirk
1943: Hitler's Madman
1944: Summer Storm (Tempestade de Verão)
1946: A Scandal in Paris (Escândalo em Paris)
1946: Le Démon de la Chair (Uma Mulher Estranha) de Edgar George Ulmer (não creditado)
1947: Lured (Oito Desaparecidas)
1948: Sleep, My Love (Sonha Meu Amor)
1949: Shockproof (Liberdade Vigiada)
1949: Slightly French (Francesa Feita à Pressa)
1950: Mystery Submarine (O Submarino Misterioso)
1951: The First Legion (A Primeira Legião)
1951: Thunder on the Hill (E... Deus Não Dorme)
1951: The Lady Pays Off (Jogar, Perder e Ganhar)
1951: Week-End with Father (Os Papás Vão Casar)
1952: No Room for the Groom (O Noivo Não Tem Quarto)
1952: Has Anybody Seen My Gal? (Viram a Minha Noiva?)
1953: Meet Me at the Fair (O Orfão Perdido)
1953: Take Me to Town
1953: All I Desire (Desejo de Mulher)
1954: Taza, Son of Cochise (Herança de Honra)
1954: Magnificent Obsession (Sublime Expiação)
1954: Sign of the Pagan (O Sinal do Pagão)
1955: Captain Lightfoot (O Rebelde da Irlanda)
1955: All That Heaven Allows (O Que o Céu Permite)
1956: There's Always Tomorrow (A Vida Não Pára)
1956: Written on the Wind (Escrito no Vento)
1956: Battle Hymn (Abnegação)
1956: Never Say Goodbye (Nunca Digas Adeus), de Jerry Hopper (não creditado)
1957: Interlude (Os Amantes de Salzburgo)
1958: The Tarnished Angels (O Meu Maior Pecado)
1958: A Time to Love and a Time to Die (Tempo para Amar e Tempo para Morrer)
1959: Imitation of Life (Imitação da Vida)
1975: Sprich zur mir wie der Regen (curta-metragem)
1977: Sylvesternacht (curta-metragem)
1979: Bourbon Street Blues (co-realizador)
2007 : Quand la peur dévore l'âme (curta-metragem) (arquivo)

SANDRA DEE (1942 – 2005)
Alexandra Cymboliak Zuck, ou Sandra Dee, nasceu a 23 de Abril de 1942, em Bayonne, New Jersey, EUA, e viria a falecer a 20 de Fevereiro de 2005, em Thousand Oaks, Califórnia, EUA, vitima de insuficiência renal acompanhada de pneumonia. Começou a sua carreira como modelo, aos quatro anos, antes de se estrear no cinema, também muito cedo, interpretando papéis de adolescente, em melodramas e histórias de amor com protagonistas jovens. Filmes como “Imitação da Vida” ou “Escândalo ao Sol” conferiram-lhe certa notoriedade, tendo ganho um Globo de Ouro, em 1959, como actriz revelação do ano e uma das jovens actrizes mais promissoras. Por esses anos teve grande sucesso, sobretudo nas camadas jovens, mas em finais dos anos 60, a sua carreira entra em declínio. Casou com o cantor Bobby Darin, acontecimento altamente mediatizado na altura, que acabaria em divórcio. Figura de certa forma mítica, inspirou a canção “Look at me, I'm Sandra Dee”, que surgiu no musical da Broadway e do cinema, “Grease”. A doença abateu-a, tendo sido atacada pela a anorexia, a depressão e o alcoolismo. Em 2000, foi-lhe diagnosticado um cancro na garganta e complicações renais que, combinadas com uma pneumonia, a levaram à morte a 20 de Fevereiro de 2005, no “Los Robles Hospital & Medical Center”, em Thousand Oaks, Califórnia. Tinha 62 anos, embora alguns afirmem que tinha somente 60. Foi enterrada no cemitério “Forest Lawn Memorial Park Cemetery”, em Hollywood Hills. Em 1994, Dodd Darin, filho do casal, escreveu um livro sobre seus pais, “Dream Lovers: The Magnificent Shattered Lives of Bobby Darin and Sandra Dee”, onde fala da mãe e dos seus problemas de saúde e envolvimento com drogas e álcool, e ainda revela ela ter sofrido abusos sexuais, quando criança, do seu padrasto Eugene Donovan. Em 2004, a sua vida com Bobby Darin foi levada ao cinema, no filme “Bobby Darin - O Amor é Eterno” (Beyond the Sea), uma realização de Kevin Spacey que interpreta igualmente o papel de Bobby Darin. Sandra Dee era interpretada por Kate Bosworth.

Filmografia
Como actriz
1957: The Snow Queen) (voz)
1957: Until They Sail (Famintos de Amor), de Robert Wise
1958: The Reluctant Debutante (A Estreante Endiabrada), de Vincente Minnelli
1958: The Restless Years), de Helmut Käutner
1958: The Wild and the Innocent), de Jack Sher
1959: Gidget, de Paul Wendkos
1959: Imitation of Life (Imitação da Vida), de Douglas Sirk
1959: A Stranger in My Arms (Um Estranho nos Meus Braços), de Helmut Käutner
1959: A Summer Place (Escândalo ao Sol) de Delmer Daves
1960: Portrait in Black (Moldura Negra), de Michael Gordon
1961: Romanoff and Juliet (Romanoff e Julieta), de Peter Ustinov
1961: Tammy Tell Me True) de Harry Keller
1961: Come September (Idílio em Setembro), de Robert Mulligan
1962: If a Man Answers) de Henry Levin
1963: Take Her, She's Mine (Minha Filha não é Minha), de Henry Koster
1963: Tammy and the Doctor (Tammy e o Doctor), de Harry Keller
1964: I'd Rather Be Rich de Jack Smight
1965: That Funny Feeling (Uma Estranha Sensação), de Richard Thorpe
1966: A Man Could Get Killed (Dança dos Diamantes) de Ronald Neame et Cliff Owen
1967: Doctor, You've Got to Be Kidding! (Doutor, o Senhor Está Brincando!), de Peter Tewksbury
1967: Rosie! (Os Milionários), de David Lowell Rich
1970: The Dunwich Horror (A Colina do Horror), de Daniel Haller
1971: East of Marsa Matruh
1972: The Manhunter (Fuga no Pântano), de Don Taylor (telefilme)
1972: Night Gallery (TV)
1972: The Daughters of Joshua Cabe (TV)
1974: Houston, We Have a Problem (TV)
1977: Fantasy Island (TV)
1983: Lost, de Al Adamson
1994: Frasier (TV)
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